Cigana parida
na palha espalhada
no chão do curral
mortalha do porco
e cama do cão.
Poalha de humana caridade
de meu tio Daniel:
-Ajuda aqui Inocência
traz o caçoulo da água benta
e uma toalha
que vamos batizá-lo cristão
-Ai Jesus que rapagão
-Que nome lhe vamos por?
E a cigana Santa ri de alegria
e um tudo-nada de dor
- Daniel “comósenhor”!
Fora mulher e seria Inocência
-Então será Daniel como eu!
E que bem-dito seja!
E Daniel Comoeu
cigano livre como o vento
que vindo de Espanha
sopra por toda a Montanha
como eu afilhado
de minha madrinha Inocência
e por meu tio Daniel bento
voa hoje Europa fora
agora com passaporte
de crédito e sorte
derrubando fronteiras uma a uma
sem raias de ignomínia
a salto da fortuna.
Rico como porco defunto
amortalhado na mesma palha
espalhada no chão do curral
quando o frio e a geada
curam o presunto
curtem coiros e carnes
e apuram as almas
deslavadas de mal
In Minha Pátria Montanha (Ver o Verso Edições – Dezembro 2005).