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sábado, 9 de fevereiro de 2013

À procura de um nada que tarda




Sou ninguém

Alguém que caminha
ao cair da tarde
por chão atapetado de pétalas
de flores de tílias
perfumadas
à procura dum nada
que tarda

Maior glória ninguém poderá sentir
que derramar paz e amor
por onde passa
se ainda acrescer o silêncio do mundo

Só assim livre
a minha angústia poderá partir
voar
e ser amanhã

Nada mais me poder perturbar
ainda mais

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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Vou fugir para o futuro distante




Vou fugir para o futuro
distante

Pôr-me a andar daqui
para fora

Já!
Agora!

Fugir da miséria
da guerra
da mentira
da corrupção
da poluição
e da tragédia

Vou fugir para o futuro
distante
sem demora
e levar comigo todos a quem
quero bem

Aqui
e agora
no presente
já tudo que é bem
está ausente
nalgum lugar

Só já dá
mesmo
para sonhar

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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Angélica




Foi o meu primeiro grande

mas não definitivo

amor

 

E continua a ser

seguramente

aquele que mais me marcou

 

No corpo

na vida

e na mente

 

Apaixonámo-nos sem o saber

na alvorada da puberdade

e amámo-nos com doce e pia paixão

por toda a feliz e distendida adolescência

 

Tudo se consumaria à entrada da idade adulta

(oh, que terrível perturbação, que dramático dilema!)

dele resta esta saudosa e terna imanência

que só agora ouso converter em poema

 

Angélica era linda!

Tinha o rosto iluminado de espiritualidade

luz que se reflectia nos seus cabelos de oiro

com a mesma religiosa luminosidade

da dócil chama da lamparina de azeite

que tinge de santidade as santas imagens

nos altares de uma qualquer catedral

 

Tinha o porte e a graciosidade de uma divina vestal

a voz profética e o olhar fascinante de Sibila

o semblante superior e doce de Afrodite e Artemisa

imagens que o meu espírito enamorado construía

no estudo da história de Atenas e Roma antigas

 

Angélica era uma deusa!

Que me fez deus, seu igual, quando me confessou

ser eu o arquétipo das imagens que também ela formava

nas mesmas leituras das mitologias grega e latina

sendo nosso Olimpo o idílico Jardim Municipal

em Aquae Flaviae

nas margens plácidas do bucólico rio Tâmega

a que se confinava o nosso juvenil conceito de alfa e ómega

 

Mutuamente apaixonados sem o saber

não sabíamos ainda que coisa era amar

por isso nos limitávamos a passear lado a lado

e a sorrir

a brincar

e a arfar de forma desconhecida

sempre que nos estreitávamos em inocente abraço

cientes de não sofrer de doença respiratória

nem haver razão de cansaço

 

E assim crescemos platonicamente enamorados

tão puros e inocentes que ainda hoje tenho na ideia

que Kant escreveu a Crítica da Razão Pura a pensar em nós

embora não fôramos nós a interrogar-nos:

Que poderíamos nós, de facto, saber?

Que deveríamos nós, em verdade, fazer?

O que nos era lícito esperar de nós?

 

Respondeu Kant a estas filosóficas questões?

Nunca nos interessou verdadeiramente saber

 já que mantivemos a mais estreme fidelidade

 à pureza daquele nosso amor da menoridade

 

Até que um dia…

… largámos Kant

(e passando à margem de Comte)

mergulhamos na leitura dos Evangelhos e de Santo Agostinho

passamos, ao de leve, pelas Suras do Corão que falam da mulher

(a que dissemos, obviamente, não, nunca, jamais!)

para acabarmos por cair nos mais apetecidos orientais

em Buda, Tao, Sri Aurobindo, no Tantra Ioga e no Kamasutra

 

Até que um dia…

…chegou a hora de deixar o Olimpo Municipal

de procurar outros saberes na universidade da vida

e nos espaço mais amplos do futuro e da Capital

 

Foi então quando…

nós que nos amávamos tanto

por encanto nos demos conta

de que estávamos livres e sós

como Adão e Eva tomados da sua própria ciência

expulsos do Paraíso

condenados à nossa própria consciência

e cientes agora de que nem um nem o outro éramos deuses

mas simples mortais

decidimos tentar sê-lo, então, por via do amor

e à força de tanto viver a dois

e de amar mais

 

E seria com beijos, abraços e loucuras sem fim

à força de tanto "sexar"

que ousamos alcançar a Iluminação

(oh, que sublime privilégio!)

 

acreditando piamente que com tanto amor

envoltos nas ondas inebriantes da comunhão de prazer

voaríamos para fora dos nossos corpos

nos tornaríamos etéreos e santos

e de espíritos abraços num deleite desmedido

cumpriríamos, por fim, o nosso divino sortilégio

 

Por inúmeras vezes estivemos à beira do nirvana, é certo

mas nunca se fez luz em nossos espíritos

apenas luar

 

Nunca verdadeiramente lá ousamos chegar

até que depois de muito e muito tentar

acabamos por concluir que o amor de homem e mulher

apenas serve para ter prazer e fazer filhos

e nunca

por si só

para nos salvar!

 

E as palavras mais frias, nuas e cruas que até hoje ouvi

e a que nunca, por insanidade mental, correspondi

vieram de Angélica, já no estertor da separação

mas que ainda hoje me causam indizível dor

 

Disse-me ela, pelo telefone, à distância

com a habitual superior doçura

numa derradeira instância de salvar

o que perdido estava de veras:

 - Nunca me rendi, nem rendo, às minhas lágrimas

mas não resistirei às tuas se forem sinceras

 

Não chorei

na altura

(oh, que terrível perturbação, que dramático dilema!)

mas faço-o hoje e agora, arrependido

aqui

neste poema


Vale de Salgueiro, 25 de Janeiro de 2008

Henrique António Pedro


in Mulheres de Amor Inventadas (Ed. Autor-Out 2013)



terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Tão felizes que nós éramos!




Sim
éramos felizes
porque nos amávamos

E tão felizes nós éramos
sem o saber!

Mas deixámos de o ser quando deixamos de nos amar
e procurámos a felicidade noutras paragens
deslumbrados por outras imagens
miragens de puro prazer, poder e riqueza

Quando ousámos ser mais belos
ainda
do que éramos
recorrendo a artifícios
e sacrifícios
que desnaturaram a beleza
que a Natureza nos ofertara

Quando iludimos a poesia
a convertemos em futilidade
e deixámos de cantar com verdade
o amor

Ainda resta
uma réstia de felicidade
porém
na saudade que agora
nos assola o coração
e ainda bem

Poderemos voltar a ser felizes
Sim

Basta que voltemos a nos amar

Tão só!

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domingo, 27 de janeiro de 2013

Uma curva do caminho




Foi lá que aprendi a andar
a tropeçar
a cair
e a me levantar

A subir
para ver o vale
de cima

A descer
para debaixo
contemplar o cume

A mudar de direcção
para poder
seguir adiante
incólume

Mesmo agora
que já me não dá prazer
subir ou descer
a correr
esfusiante
como quando menino
apraz-me parar a meio

Para pensar
repensar
e respirar
em ar aberto
para repor o coração
a bater certo
em seu anseio

Naquela curva do meu caminho
uma simples volta na ladeira
da colina onde moro

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