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sábado, 4 de maio de 2013

À hora a que os ceifeiros dormiam a sesta





À hora a que os ceifeiros dormiam a sesta

 

Vou permanecer por aqui, por agora

postado neste meu calmo cais cósmico

natureza adoçada em ondas suaves de colinas

sobrevoadas por nuvens, no azul cerúleo

e por aves em revoada

que arrulham seus cantares de Primavera

desde o nascer ao sol-pôr, em divinas rotinas

de amor

 

Tudo observo e sorvo de alma calada

em espera paciente do dia em que irei renascer

 

Ainda não é a hora do crepúsculo

o sol mediurno ainda vai alto e queima

 

É a hora a que os ceifeiros dormiam a sesta

descansando da longa e penosa madrugada

 

Assim desejaria eu viver para sempre

fazendo do presente um eterno devir

malgrado os ventos desta angústia estranha

de um dia ter que partir

tenha eu, para tanto, coragem tamanha

 

Há já uma eternidade que espero

sem saber bem porque assim vivo

neste espaço-tempo feito de espuma

e de bruma

 

Mas esperarei mais outra eternidade

se necessário for

porque não duvido do Amor

acredito em Deus

e estou certo de ser eterno

 

E nunca digo adeus a ninguém

nem a coisa nenhuma

 

Vale de Salgueiro, 1 de Maio de 2008

Henrique António Pedro

 

in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)





sábado, 27 de abril de 2013

O nosso fim é ser anjos




O nosso fim é ser anjos
libertarmo-nos do peso do corpo
e ganhar asas
para poder voar

À custa de sofrer
e de amar
e disso tomar consciência
pela ciência
e pelo saber
pelo sopro de Deus
sobretudo
que é o amor

Este o sentido da dor
da verdade
e da castidade

Antíteses do prazer
e da vaidade
que nos  amarram à terra
em que a vida se encerra

Razão de ser de nascer
viver
e morrer

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Siddhartha




Releio Hermann Hesse
sentado à sombra de uma figueira
em tarde quente de Verão
afagado pelo vento suão
que me entorpece

Adormeço

Reacende-se o sonho
de uma vida inteira
que fantasio noite e dia

A doce Kamara solta o sari
voluptuosa
desnuda o peito
rosa
coloca o seu pé direito
sobre o meu pé direito
e convida-me a amar
da forma que as escrituras
chamam de “subir à árvore”

Agora que as mangas já estão maduras
sanguíneas
o sangue ferve
por dá cá aquela palha
e nos ilumina a poalha
do prazer

A sua boca explode num sorriso de sedução
tomo-lhe um seio na mão
e beijo-lhe os cumes róseos
ora um ora outro
e ela começa a entoar canções de amor
sem compasso

Trepamos tronco acima
tronco a baixo
sem jeito
tronco contra tronco
peito contra peito

Acabamos sentados num ramo
lado a lado
abraçados
coabitando com aves e macacos
deliciando-nos com os frutos

Sem asas para voar
nem escada para descer

Apenas com beijos
e mais beijos
e mais desejos
e mais sonhos para sonhar

quinta-feira, 25 de abril de 2013

As armas de Abril não chegaram a florir



O País está em crise

a Nação em comoção

 

O Estado foi espoliado

a Pátria expatriada

a República traída

a Língua assassinada

a Democracia pervertida

 

À História roubaram a glória

 

Ouvem-se Álvares Pereira, Gama e Camões

Albuquerque e Vieira

Santo António de Lisboa e Fernando Pessoa

a protestar

 

As armas de Abril não chegaram a florir

 

Há cardos a florear na lapela

dos campeões do regime

democracia do crime

nova ditadura dos donos da fartura

da vida boa e bela

a cantar e a sorrir

 

E há cravos a cravejar o peito do povo servil

cravados pelo socialismo radical

pelo capitalismo mais vil

os traidores de Portugal

 

Nas ruas da amargura batem os corações

das multidões esfomeadas

injustiçadas

dos sem eira nem beira

a reclamar

 

A cantar um canto de desencanto

em seu peito febril

a jeito de quem diz: retomai Abril!

com verdade e em liberdade

votar já não basta

já de nada vale votar

 

A Bem da Nação, portugueses, gritai basta

votai sim, mas dizei não!

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 8 de Dezembro de 2010

Henrique António Pedro

 

 



terça-feira, 23 de abril de 2013

Angústia glandular




Esta angústia silenciosa
que ora por ora me aflige
como se fora uma saudade
dolorosa
com causa desconhecida
poderá nada ser
de verdade
nem passar
sequer
de uma disfunção glandular
aborrecida

Escuso portanto
de me afligir
muito menos de me angustiar

Mas melhor será
ainda assim
fingir
que embora expulso do Paraíso
me encontro de perfeito juízo
e não tardo a para lá voltar
se foi de lá que eu vim

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Amor sem rosto





Não lhe conheço o rosto
nem a voz
nem a cor
Mas tenho-lhe amor

Disfarça a face
nas imagens em que se abre
e se fecha
em segredo

E quanto mais se cala
mais a sua fala
me exaspera
mais dolorosa se torna
a espera
e mais me envolvo com miragens

Sonho súcubo em que me enredo
será que tem alma?
Que é seu o corpo?

Alma tem
que lhe pressinto o sopro
corpo não sei
que ainda o não amei

Será que a amo
e a não conheço
porque a não mereço?

Amar assim resoluto
em pura fantasia
um amor sem rosto
indiferente à dor
apenas indicia
o carácter absoluto
do amor