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domingo, 12 de janeiro de 2014

Porque escrevo tão belos poemas de amor?





Perguntam-me
porque escrevo eu tão belos poemas de amor

Respondo

Porque muito amo
sem que ande cegamente apaixonado

Porque nenhuma espúria paixão me perturba o coração
e me tolda a Razão

É o amor alargado
em que o meu espírito vive
alagado
que ilumina a inspiração

E confere aos meus versos
verdade
e musicalidade

Que só vê
quem como eu
ama


E lê

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Love bites





Batidelas
sonoras
do teu coração
a dizer-me o quanto me amas

Relâmpagos de luz
de teus olhos
a dizer-me o quanto me queres

Beijos
doces
de teus lábios de veludo
a dizer-me o quanto me desejas

Mordidelas
de teus dentes de marfim
a dizer-me o que só me dizes a mim

Silêncios gritantes
de paixão
que valem por mil poemas
e fonemas

São “sound bites” (*)
“ligth bites”

“Love bites”



(*) Before the actual term "sound bite" had been coined, Mark Twain described the concept as "a minimum of sound to a maximum of sense."  (Wikipédia)

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Três Poemas de Natal



Estrela
1962

Na quietude de uma noite estrelada
Fria mas linda
Apareceu uma estrela
Toda doirada

Veio do alto
Mesmo do centro
Do enorme Firmamento

Depois
Banhada pelo luar
Desceu
Desceu
Parou

E na quietude da noite estrelada
Seus raios lançou...
A um perdido
E mirrado casebre...
Toda doirada

E no casebre
Bem pequenino
Nasceu Deus
O Deus menino

                                              Vale de Salgueiro, 25 de Dezembro de 1962

Arame farpado
1971

Uma névoa de saudade
Invadiu o campo
E as luzes
Não iluminam claramente
As zonas para cá
E para lá
Do arame farpado

As árvores são sombras
Carregadas
Na própria sombra das imagens
E os cantares dolentes
Perdem-se
Na ausência de respostas
Da floresta

Ninguém percorre os trilhos
Esta noite
E aqueles que não sentem
Guardam respeito aos demais

De tudo resulta silêncio
E ruído de recordações
Que o mesmo é saudade

                                              Nangololo (Norte de Moçambique), 24 de Dezembro de 1971
In Poemas da Guerra, de Mim e de Outrem


Esperança
2007

Não conhecemos a data
Exacta
Em que Jesus nasceu em Belém
É porém menos lendário
O registo da Sua morte
No Monte Calvário

Por 2007 vezes nascerá Jesus
No imaginário humano
Quantas vezes mais morrerá
Transfigurado em Cristo
No sinistro calendário do ano?

O homem não vive ainda o Natal
Mensagem universal de Paz e Amor
A mentira, o sofrimento e a dor
Esgotam o espaço e o tempo
A notícia e o noticiário
Expande-se a tristeza da morte
Cala-se a alegria do nascimento
Glorifica-se quem mata
Por esse mundo além
Avilta-se a grandeza de ser mãe

Que Jesus continue a nascer
Hora a hora
Até Cristo deixar de o Ser
Que viva dentro de nós
E não morra mundo fora

No Natal acende-se a Luz
Do Amor, da Paz e da Esperança
Nasça Deus mais uma vez
Feito criança
Salve-se o homem Cristo
Da Cruz


Vale de Salgueiro, 26 de Novembro de 2007

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Terra queimada pela paixão



Era pura paixão
que me animava

Um incenso sagrado

Um fumo perfumado
que subia  vertical
e nenhum vento
nenhum sopro de mal
dispersava

Ardia-me o coração por dentro
pulsava como brasa incandescente
atiçada pelo sopro do amor
ardor em corpo ardente

Até que o seu coração
deixou de me espevitar
e o meu arrefeceu

Ficou então
o carvão da tristeza
a cinza da saudade

E um fumo acidulado
dissipando-se
ondulante
em resignado vai e vem
sobre a terra queimada
pela paixão


Uma terra de ninguém

sábado, 21 de dezembro de 2013

Cai neve na Terra Quente (Poema-conto-cântico de Natal)




A noite passada nevou
na Terra Quente Transmontana
e por toda a Montanha
circundante

Há neve por todo o lado!
Oh que alegria tamanha!
Que manhã surpreendente!
Encantada!
Rutilante!
E tudo tão comovente!

Fico mudo
contudo
calado
porque sinto no ar gelado
o frio da natureza humana

E também cai neve em mim…
também me neva na alma
ainda assim

Porque me lembro dos desgraçados
dos infelizes desabrigados
que andam de pés ao léu
e não têm como eu
cama quente para dormir
um lar onde se abrigar
do frio, da fome e do sofrimento
do desumano alvedrio

Uma mão amiga sequer
para os consolar
fazer sonhar e sorrir
vencer com alegria
o triste descontentamento

A neve é fofa e feérica
embora fria
para quem não sente o sopro gelado da alma
o tremor do corpo esfomeado

Poderá até ser poética e bela
para quem tiver um lar para se aquecer
e agasalho para dela se abrigar

Mas é patética para quem não a vê cair
ao som de música suave
nem tem comida e bebida
para bem comer
melhor beber
e paz para usufruir

Ponho-me a deambular
taciturno
mergulhando na neblina de silêncio
que cobre toda a Natureza 
apenas rasgada aqui e além
pelo bater de asas de uma ave
fantasmagórica 
que foge de mim 
como se eu fora um fantasma diurno

Só paro ao cair da tarde
numa planície erma
gelada
o meu coração ferve
a minha imaginação arde
a minha alma pasma

Tudo em redor é branco e frio
a própria atmosfera cinzenta
mal se distingue da terra dormente
nevoenta

Especa o negro mastim 
atrás de mim 
de orelhas espetadas que nem lobo
a farejar algum gesto suspeito
talvez um engodo
a olhar-me fixamente 
em canina expressão de fidelidade
e de angustiada interrogação
sobre o que fazemos ali
de verdade
na tristeza da noite antecipada

Acendo uma fogueira no descampado
aclara-se a escuridão
alegra-se o meu coração
derrete-se a neve a toda volta
e o espectáculo fica mais belo
e quente
mais digno de gente

De pronto se aproximam os sem-abrigo
os desamparados
os mal-amados da Terra
refugiados de guerra
novos, velhos e crianças
humanos de todas as cores
dores e sofrimentos
de diferentes andanças

Que rodeiam o fogo, receosos
tímidos, silenciosos
enquanto eu gesticulando 
vou convidando
para que não esmoreçam:
-Venham! Venham! Se aqueçam!

Em breve uma multidão enorme
estende as mãos para as chamas
que lhe lustram os rostos
sofridos de frio, de fome e de indiferença

Dou-lhes de comer do fumeiro
alheiras, linguiças e salpicões
os biscoitos que encontro na dispensa
reparto todo o pão da arca
sirvo taças de vinho fino
para que vençam a apatia
e nos seus corações
se instale a alegria

É então que um velho de barbas brancas
já mais alegre e jovial
falando alto abre o coração:
- Viva o nosso Pai Natal!

Não permito que a turba replique
sou eu que contraponho antes que seja tarde
e se instale o sonho:
- O Pai Natal não existe!
 É um logro!

Mas o velho não desiste:
- «Dizem que é o que há demais
nas superfícies comercias
e que vende de tudo
ceroulas, sobretudos e postais»

Todos riem estrondosamente!

Mas de novo se instala a dúvida
e a tristeza, naquela gente
mais crente nas chamas crepitantes
que em quimeras distantes

Mas eis que de repente uma criança
magra e macilenta
faz ouvir a sua voz inocente
e apontando-me o seu alvo dedinho 
no qual a fogueira reflecte luz 
proclama, pura e fagueira:
- «Se não és o Pai Natal…
 então és o Menino Jesus!»

E eu…
apanhado de surpresa
envergonhado e comovido com tanta pureza
respondo irreflectido:
- «Também não sou o Deus Menino!
Dizem até que foi raptado do Presépio
que anda por aí perdido
nu
e que Nossa Senhora e São José
andam aflitos à Sua procura!
Acaso não serás tu?»

E a criancinha modelar
de voz tão suave e condoída
que mais parecia ser ela, sim, o meigo Jesus 
responde baixinho, a contraluz:
- Mas eu não tenho prendas para dar!

É nesta altura que sua mãe
uma mulher jovem e bela
apesar de tamanha miséria
exclama erguendo o filho no ar:
- «És sim! Tu és o Menino Jesus
e tens o Sol para nos dar»

Naquele mesmo instante abre-se o astro rei
flagrante de alegria, calor e amor
a Natureza alumia-se com todo o esplendor
e a fria neve acende-se de verdade
feérica e linda pelo reflexo da luz solar
e pelo calor da mais pura solidariedade

E por toda a Terra Quente Transmontana
e pela circundante Montanha
ecoa um coro de anjos desabrigados:
- “Gloria in excelsis Deo…
e paz na Terra aos homens por Ele amados”

in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)