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sexta-feira, 4 de abril de 2014

Entre a minha aldeia e o Rio de Janeiro



Tenho vindo a procurar
na poesia dos poetas cariocas
para eventuais trocas
de ar e de lugar
parecenças e diferenças
entre a minha aldeia
e a cidade do Rio
e sorrio
porque
na minha ideia
só encontro semelhanças

Embora nos céus do Rio haja arranha-céus
mais altos que as estrelas
enquanto no céu da minha aldeia há estrelas tão baixinhas
que lhe podemos chegar com a mão

Embora o Rio seja banhado por um mar
de insanidade
por um certo ar
malsão
enquanto na minha santa terrinha
corre um riozinho de espiritualidade

Embora o Cristo Redentor
seja maior e mais vistoso
que o amoroso Senhor dos Aflitos
venerado no alto da Serrinha
pelos corações mais contritos

Embora lá no Rio
as mulheres se dispam ao Sol
e na minha aldeia só se dispam à Lua
ainda que nem outras nem umas
nos mostrem as almas nuas

É por isso que sou de ideia
que devemos amar as mulheres
em primeiro que tudo
no Rio
ou na minha aldeia

Embora nunca devamos adorar nada
nem ninguém
muito menos mitos

e políticos
que são falsos
e fugazes


quarta-feira, 2 de abril de 2014

Um beijo onomatopaico



Gostava de ser capaz de escrever
um poema sobre o beijo
apenas som

No rosto que fosse
já que o beijo no coração
é dado noutro diapasão
e tem outro tom

Conheço bem o olhar do desejo
o sorriso do amor
o gesto do abraço
o espaço do prazer
o som do beijo
quando o beijo tem som
e se não fica pelo sabor

Mas não sei como os escrever
apenas os sei descrever

Por isso gostava
de em escrita onomatopaica
os escrever, descrever e reescrever
sem sintaxes nem ilusões
para assim evitar
as inevitáveis distorções

Porque a melhor poesia é a vivida
e depois é a poesia dos sons

Dos sons do coração
das imagens
dos gestos
dos sabores

A poesia escrita é já
uma mistificação

Como se escreve então
amor
em escrita onomatopaica?

Um beijo

Pshuuuu…!

segunda-feira, 24 de março de 2014

Projecto-me no Espaço, precipito-me no Infinito



Tão confinante é o espaço
em que me é dado viver

Tão angustiante a dúvida que me aflige
que nem capaz sou de a exprimir

Tão atroz a dor que sou forçado a sofrer
sem o consentir

Tão doce e fugaz o sabor
do amor
que me é dado degustar

Tão luminosa a réstia de luz
que me é dado vislumbrar

Que me projecto
no Espaço
para lá dos limites do planeta
e das estrelas do céu

Para lá das glórias da Terra
da ilusão dos dias
das fantasias do coração

E me precipito
no Infinito
no Absoluto

na Eternidade

quinta-feira, 20 de março de 2014

Paixão





Paixão, pulsão pulsante, atração
Arte da sedução e do cortejo
É chispa radiante do desejo
Uma brasa viva no coração

Que se transforma em negro carvão
Quando com o seu triste arpejo
Porque o amor não logrou ensejo
Se apaga, com dor, sem compaixão

Sem o amor que a alma abrasa
Deixa o coração de ser fornalha
De pronto a paixão perde a asa

Estiola e arde como palha
Depois que foi carvão e rubra brasa

Vira cinza que o vento espalha

quarta-feira, 19 de março de 2014

Prenúncios de Primavera





Em fins de Fevereiro
início de Março
no declinar do Inverno

Tomo um caminho recto
de rumo poente
à hora em que o Sol se põe
olho-o bem de frente
de olhos semicerrados
para que não me fira a vista
e melhor me ilumine o espírito

Inalo o seu halo quente
a brisa afaga-me o rosto
docemente
abro bem os braços
como se abraça-lo
fosse o meu anelo
mais ardente

Já o manto verde reveste os campos
ponteado de pintas intumescidas de amarelo

Indícios de flores
promessas de amores
prenúncios da Primavera

emergente

terça-feira, 18 de março de 2014

Do fascínio do silêncio e da solidão





Há momentos, em que por momento
me fascinam
o silêncio e a solidão

Não se trata de ficar só, abandonado
fugido da aspereza da vida
alheado dos sons e cores da Natureza

Falo do isolamento interior
do silêncio do mundo
quando os ecos e cambiantes do Cosmos
anódinos
melhor se espelham e ressoam dentro de mim

Sinto-me
então
sim, só
em confronto directo comigo mesmo
eu contra “eu”

Com os olhos e os ouvidos
com todos os sentidos
e sentimentos
voltados por momentos
para dentro de mim

Falo então comigo só
e com o meu umbigo
e o mais que consigo
é não compreender nada
nada ver e ouvir para lá do “eu”

Mas é mais forte ainda assim
a minha percepção de mim
daquilo que sou
ainda que não saiba o que faço
nem tão pouco onde estou

E melhor percebo que existo
qual das ilusões eu não sou

E acredito
que bastará uma instantânea eternidade
de silêncio e solidão
bem fora deste inferno

para perceber o Eterno