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sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Com poesia a mim mesmo me engano


 
 
Confidencia-me o seu segredo mais íntimo
que silencio nos ouvidos
e sepulto no coração

Ouso ir mais além
porém

Codificar o segredo em poema
e lançá-lo ao vento
também

Ficará bem melhor guardado
ainda assim
por todo o tempo

Porque a poesia é a arte de enganar
com a verdade
de esconder tristeza com alegria
de disfarçar com amizade
a paixão

Por isso as palavras me saem da mente
agora
em torrente
sem chama
nem drama
nem razão

Concertadas em poema depenado
cujas pétalas perfumam o chão
agridoce
dessa doce intimidade
com que ela me desengana
sem me causar maior dano

Na verdade
sou eu
que com poesia
a mim mesmo me engano

 
Chaves, 13 de Agosto de 1966

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

À sombra de uma nuvem


 

Adormeço
Prostrado
À sombra de uma nuvem
Cansado
De um pensamento mais denso

Embalado
Por uma aragem de espírito
Que me refrigera o corpo
Do sopro ardente da Terra
Envolta em guerra

Acordo
De madrugada
Na frialdade da noite iluminada
Pela luz cósmica das estrelas
Que espargem espiritualidade

A geada
Prateada
Da verdade
Não me deixa dormir

Flutuo no nada
Demente que estou
Com a mente perturbada

Que virá a seguir?

 

in Angústia, Razão e Nada

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

A diva


 
 
Olho-a em silêncio

Ouço a melodia
que ecoa
por mim a dentro

Com o seu canto
me encanto

Canção calada
música encantada
da qual
quase não nada
ouço

Bailo
enlevado
levado na fantasia

Acordo
ao último acorde
e aplaudo

E lavro
em poesia
este laudo

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Há roseiras a rosir


 

Há roseiras a rosir
agora pelo Outono
frágil entono
quando as romãs começam a rir
e os ouriços nos castanheiros
altaneiros
quase
quase
a parir

E as andorinhas
a partir

O céu
e os campos
ensaiam simulacros de Primavera
por todos os cantos
mas a cor dominante não é o verde fulgurante
pintalgado de papoilas e malmequeres
e da sensualidade desnuda das mulheres

São tons quentes de castanho
de folhas amarelecidas
que se vão desprendendo pelo vento
de árvores entristecidas
simulando alegria
em derradeiro arreganho
que é  lamento
elegia
pura poesia

Só as mães
depois que lhe morrem os filhos
não voltam mais
a sorrir

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Escrevelendo


 

Quando escrevo
leio
e quando leio
escrevo

Na mente
em segredo
não é devaneio
nem minto

Assim
num de repente
leio
releio
reescrevo
e transcrevo
a Natureza
o Cosmos
o que vai dentro de mim

Primeiro leio o que sinto
ou o que se passa à minha volta
e é o que leio
que escrevo
se me anima
acalma
revolta
ou induz estima

E sempre leio
e releio
o que escrevo
e também escrevo
quando leio
o que os outros escrevem

Leio
e escrevo na mente
ou no coração
embora não com a mão
o que os outros escrevem
para que eu leia
e que algo me diz a mim

Assim me enleio
a escrever
e a ler
em tudo que “escreveleio”

Não aprendemos a ler
primeiro
e depois a escrever

Sempre aprendemos a “escreveler”