Seja bem vindo/a. A mesa da poesia está posta. Sirva-se. Deixe, por favor, uma breve mensagem. Poderá fazê-lo para o email: hacpedro@hotmail.com. Bem haja. Please leave a brief message. You can do so by email: hacpedro@hotmail.com. Well done.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Um pingo de água




A torneira do bidé
da casa de banho anexa
ao meu quarto de dormir
pinga
pinga
pinga
pé ante pé
como se fora autentica tortura chinesa

Pinga angústia
está alagar-me de ansiedade
e a abalar os sólidos alicerces da minha fé
indefesa

Já a observei de todos os ângulos
e perspectivas
tentando descobrir um parafuso por onde lhe pegar
para a desmachar
e reparar a avaria
mas sem sucesso

Já contactei vários picheleiros
mas ainda nenhum apareceu
nem ninguém que melhor que eu
ajuíze

Temo agora que o pingo vá aumentar
de intensidade
ganhar caudal capaz inundar toda a casa
e aumentar a factura da água para valores incomportáveis
neste tempo de crise

A torneira do bidé
da casa de banho anexa
ao meu quarto de dormir
pinga
noite e dia
não me deixa dormir
e quem não dorme
também não será capaz de sonhar

Será possível que alguém
olhe para isto com poesia?

Safa!
Ainda bem que acabo de acordar!

^^^^

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Tic-tac-tic-tac




Há luz difusa
e silêncio surdo
à minha volta
em dia enublado

Um ruído de fundo nos ouvidos
que diria
me chega do Cosmos inteiro

Vejo imagens exteriores
esborratadas no nevoeiro
e é frio o aroma das flores no canteiro

Sobressai o tic-tac
pendular

A horas certas o cuco desperta
e da janela aberta
faz cu-cu…cu-cu…cu-cu…

As notícias chegam velozes pela internet
no meu coração instala-se uma angústia larvar

Tic-tac… tic-tac… tic-tac…

Estouram centrais nucleares
e bombas atómicas

Tic-tac… tic-tac… tic-tac…

A Humanidade suicida-se
com um saco de plástico
enfiado na cabeça

Sinto-me só
na Terra deserta

Se o cuco fosse gente
faltaria uma mulher
ainda assim
para sermos uma tripeça

Tic-tac… tic-tac… tic-tac…

A minha cabeça quase estoura
dou em maluco
cu-cu…cu-cu…cu-cu…
também

Oh, gente!
Grito
não haverá ninguém que o impeça?!
alguém capaz de partir o bico
a esse cuco maldito?!

Tic-tac… tic-tac… tic-tac…

Apenas já só o cuco
em alvoroço
me responde
mas rápido se esconde
com medo de que alguém
o vá esganar

Tic-tac… tic-tac… tic-tac…

Já não há ninguém
eu próprio lhe torço o pescoço

Tic…tic…tic…tic…

Apenas falta uma mulher
por fim
para formarmos
um par

^^^^

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Ora aqui, ora além, a orar




Por veredas e caminhos rurais
pedregosos
que ora sobem
ora descem
sinuosos
exercito músculos
tendões
e articulações

Caminho
com o cérebro a comandar
e lembranças da infância
em surdina
a chamar

Com o espírito ora aqui
ora ali
ora além
a orar
saudade

Por sítios do passado
a que voltarei
sempre
nunca
nem sei
jamais

^^^^

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Introdução à Eternidade




Com a Razão
pensamos as ideias
a meias
com as imagens
que nos vivem no coração
mensagens
ou não
de ilusão

O Infinito
é um lugar tão distante
que demoramos uma Eternidade
a lá chegar

E é lá
por certo
que mora a Felicidade

É uma infinitude de futuros
de uma só virtude
a Verdade

Um passado
eternamente
recordado

São milhares de aléns
com um único fim:
a sorte
da morte
ainda assim

O infinito é eterno
o eterno é infinito
verso e reverso
do Absoluto
em que se anula o universo

Diminuto seria o Absoluto
que esmaga a Razão
sem a dor
o amor
a ilusão
que dimanam do coração

O Infinito
é um lugar tão distante
que demoramos uma Eternidade
a lá chegar


Eu moro perto
porém
bem pertinho
até

Num lugar pequenino
infinito de eterno amor
e sem fim
aberto dentro de mim
pela fé
e pela dor

^^^^^^

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Se te perguntassem se gostarias de não ter nascido, que dirias?




Se te perguntassem se gostarias de não ter nascido,
que dirias?

Eu diria que sim
que não,
já que sofrer, nem ver
ainda que haja quem diga
que a vida
é uma ilusão

Por maior que sejam o poder
e a glória
por muito me encante
e ame a vida
agora
que vivo

E se me perguntassem se gostaria de não morrer
diria que sim
que não
por preferir continuar
a sonhar
e a amar
sem outro motivo

^^^^

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Usemos palavras como usamos pedras




Usemos palavras como usamos pedras

 

Usemos palavras como usamos pedras
para construir casas e castelos
templos
poemas e pontes

Pedras de xisto
de granito
de mármore
ouro ou diamante

 

Palavras de paz e de amor


Usemos palavras como usamos pedras de embaraço

ou demência
que se lançam fora ou se calam
para aliviar o coração

ou estender a mão a um abraço

 

Usemos palavras como usamos pedras

bem pesadas

bem medidas

bem sentidas

de amor e compaixão

 

Usemos palavras como usamos pedras

contas de um rosário

de penitência

e contrição

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 17 de Agosto de 2010

Henrique António PedroUsemos palavras como usamos pedras

 

Usemos palavras como usamos pedras
para construir casas e castelos
templos
poemas e pontes

Pedras de xisto
de granito
de mármore
ouro ou diamante

 

Palavras de paz e de amor


Usemos palavras como usamos pedras de embaraço

ou demência
que se lançam fora ou se calam
para aliviar o coração

ou estender a mão a um abraço

 

Usemos palavras como usamos pedras

bem pesadas

bem medidas

bem sentidas

de amor e compaixão

 

Usemos palavras como usamos pedras

contas de um rosário

de penitência

e contrição

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 17 de Agosto de 2010

Henrique António Pedro

domingo, 17 de fevereiro de 2013

A vida é uma batalha perdida



Apraz-me caminhar sem destino

em espaço aberto

sem saber ao certo

aonde me leva o caminho

nem mesmo se regresso

 

Andar a esmo

à sorte

às voltas a mim mesmo

pelo verso

pelo anverso

e de reverso

sem tempo

sem norte

nem tino

 

Indiferente ao sol

à chuva e ao vento

com o pensamento disperso

no mundo da poesia meu modo de viver

crisol do meu entendimento

farol do meu acreditar

 

A vida é uma batalha perdida

que é forçoso travar

ainda que saibamos

que acabamos por morrer

 

Só com amor a podemos ganhar

forçoso é viver

 

Vale de Salgueiro, domingo, 13 de Setembro de 2009

Henrique António Pedro

 

 

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Uma mesma utopia, a poesia!




Será reflexo do passado
eco do futuro
desejo imaturo
estranho sortilégio
desígnio divino
humano privilégio
sopro do corpo
apelo de espírito
ou pensamento proscrito?

Aquilo que nos anima e aproxima
e nos põe a falar
ao sabor do vento
afastados no espaço
unidos num abraço
sincronizados no tempo

Mesmo sabendo que nunca
mas nunca
nos vamos ver
nem tão pouco encontrar
seja lá onde for

Mesmo assim dá para entender

É a mesma vontade de dar
e de amar

Um mesmo Amor

Uma mesma utopia

A poesia

^^^^

sábado, 9 de fevereiro de 2013

À procura de um nada que tarda




Sou ninguém

Alguém que caminha
ao cair da tarde
por chão atapetado de pétalas
de flores de tílias
perfumadas
à procura dum nada
que tarda

Maior glória ninguém poderá sentir
que derramar paz e amor
por onde passa
se ainda acrescer o silêncio do mundo

Só assim livre
a minha angústia poderá partir
voar
e ser amanhã

Nada mais me poder perturbar
ainda mais

^^^^

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Vou fugir para o futuro distante




Vou fugir para o futuro
distante

Pôr-me a andar daqui
para fora

Já!
Agora!

Fugir da miséria
da guerra
da mentira
da corrupção
da poluição
e da tragédia

Vou fugir para o futuro
distante
sem demora
e levar comigo todos a quem
quero bem

Aqui
e agora
no presente
já tudo que é bem
está ausente
nalgum lugar

Só já dá
mesmo
para sonhar

^^^^

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Angélica




Foi o meu primeiro grande

mas não definitivo

amor

 

E continua a ser

seguramente

aquele que mais me marcou

 

No corpo

na vida

e na mente

 

Apaixonámo-nos sem o saber

na alvorada da puberdade

e amámo-nos com doce e pia paixão

por toda a feliz e distendida adolescência

 

Tudo se consumaria à entrada da idade adulta

(oh, que terrível perturbação, que dramático dilema!)

dele resta esta saudosa e terna imanência

que só agora ouso converter em poema

 

Angélica era linda!

Tinha o rosto iluminado de espiritualidade

luz que se reflectia nos seus cabelos de oiro

com a mesma religiosa luminosidade

da dócil chama da lamparina de azeite

que tinge de santidade as santas imagens

nos altares de uma qualquer catedral

 

Tinha o porte e a graciosidade de uma divina vestal

a voz profética e o olhar fascinante de Sibila

o semblante superior e doce de Afrodite e Artemisa

imagens que o meu espírito enamorado construía

no estudo da história de Atenas e Roma antigas

 

Angélica era uma deusa!

Que me fez deus, seu igual, quando me confessou

ser eu o arquétipo das imagens que também ela formava

nas mesmas leituras das mitologias grega e latina

sendo nosso Olimpo o idílico Jardim Municipal

em Aquae Flaviae

nas margens plácidas do bucólico rio Tâmega

a que se confinava o nosso juvenil conceito de alfa e ómega

 

Mutuamente apaixonados sem o saber

não sabíamos ainda que coisa era amar

por isso nos limitávamos a passear lado a lado

e a sorrir

a brincar

e a arfar de forma desconhecida

sempre que nos estreitávamos em inocente abraço

cientes de não sofrer de doença respiratória

nem haver razão de cansaço

 

E assim crescemos platonicamente enamorados

tão puros e inocentes que ainda hoje tenho na ideia

que Kant escreveu a Crítica da Razão Pura a pensar em nós

embora não fôramos nós a interrogar-nos:

Que poderíamos nós, de facto, saber?

Que deveríamos nós, em verdade, fazer?

O que nos era lícito esperar de nós?

 

Respondeu Kant a estas filosóficas questões?

Nunca nos interessou verdadeiramente saber

 já que mantivemos a mais estreme fidelidade

 à pureza daquele nosso amor da menoridade

 

Até que um dia…

… largámos Kant

(e passando à margem de Comte)

mergulhamos na leitura dos Evangelhos e de Santo Agostinho

passamos, ao de leve, pelas Suras do Corão que falam da mulher

(a que dissemos, obviamente, não, nunca, jamais!)

para acabarmos por cair nos mais apetecidos orientais

em Buda, Tao, Sri Aurobindo, no Tantra Ioga e no Kamasutra

 

Até que um dia…

…chegou a hora de deixar o Olimpo Municipal

de procurar outros saberes na universidade da vida

e nos espaço mais amplos do futuro e da Capital

 

Foi então quando…

nós que nos amávamos tanto

por encanto nos demos conta

de que estávamos livres e sós

como Adão e Eva tomados da sua própria ciência

expulsos do Paraíso

condenados à nossa própria consciência

e cientes agora de que nem um nem o outro éramos deuses

mas simples mortais

decidimos tentar sê-lo, então, por via do amor

e à força de tanto viver a dois

e de amar mais

 

E seria com beijos, abraços e loucuras sem fim

à força de tanto "sexar"

que ousamos alcançar a Iluminação

(oh, que sublime privilégio!)

 

acreditando piamente que com tanto amor

envoltos nas ondas inebriantes da comunhão de prazer

voaríamos para fora dos nossos corpos

nos tornaríamos etéreos e santos

e de espíritos abraços num deleite desmedido

cumpriríamos, por fim, o nosso divino sortilégio

 

Por inúmeras vezes estivemos à beira do nirvana, é certo

mas nunca se fez luz em nossos espíritos

apenas luar

 

Nunca verdadeiramente lá ousamos chegar

até que depois de muito e muito tentar

acabamos por concluir que o amor de homem e mulher

apenas serve para ter prazer e fazer filhos

e nunca

por si só

para nos salvar!

 

E as palavras mais frias, nuas e cruas que até hoje ouvi

e a que nunca, por insanidade mental, correspondi

vieram de Angélica, já no estertor da separação

mas que ainda hoje me causam indizível dor

 

Disse-me ela, pelo telefone, à distância

com a habitual superior doçura

numa derradeira instância de salvar

o que perdido estava de veras:

 - Nunca me rendi, nem rendo, às minhas lágrimas

mas não resistirei às tuas se forem sinceras

 

Não chorei

na altura

(oh, que terrível perturbação, que dramático dilema!)

mas faço-o hoje e agora, arrependido

aqui

neste poema


Vale de Salgueiro, 25 de Janeiro de 2008

Henrique António Pedro


in Mulheres de Amor Inventadas (Ed. Autor-Out 2013)