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sexta-feira, 19 de julho de 2013

A minha sombra




Caminho em direcção ao Sol


A minha sombra segue-me

persegue-me

vem atrás de mim

cola-se a meus pés nesse ínterim

irritante

enorme

disforme

escura

rastejante

obscura

 

Rodopio de repente

volto as costas ao astro rei

tomo o caminho de sentido inverso

tão pouco parei

 

De pronto a minha sombra me passa à frente

me repassa

sem desvio

em desafio

 

Se danço ela dança

se paro ela para

se corro ela corre

tão veloz quanto eu

 

Piso-a

trepo-a

pontapeio-a

 

Ela foge ao ritmo dos meus pés

sempre colada ao chão

sem me sair da Razão

 

Gostaria que ela se levantasse

e me enfrentasse

para eu poder ver quem ela é

e quem eu sou

 

É só um temor que me assombra

a minha sombra

um medo

um receio

uma amargura imerecida

que mora no meu coração

 

O que eu mais queria era ser transparente

ver-me por dentro

 

Gostaria que fosse luminosa como o Sol

a minha sombra

colorida da cor do amor

reflexo do meu viver

 

A sombra da minha alma

é a minha poesia

 

Por isso escrevo um novo verso

a cada passo

e passo a passo

passo a um novo poema

noutro compasso

 

Entoo nova eufonia

caio em novo dilema

até que o meu espírito se cala

e se acalma

 

Vale de Salgueiro, domingo, 21 de Fevereiro de 2010

Henrique António Pedro

 

 

terça-feira, 16 de julho de 2013

Ao ritmo do que me vai no peito



Martelo palavras sem jeito
ao ritmo do que me vai no peito

Teclo por teclar
sem pauta nem rima
é a angústia que me anima

Sentimentos sem razão de ser
sem tegumento
que se me enrolam no corpo
como sarmento de videira

Quiçá sopro de vento divino
que me embriaga como vinho
a vida inteira

Sou um cálice
transbordante de poesia
poção efervescente de fantasia

Bebo
o meu próprio sangue
e exangue
continuo a cantar

Até que adormeço
na esperança

de tornar a acordar

segunda-feira, 15 de julho de 2013

A razão de tudo ser



Parto do tempo que conto
e do espaço que ocupo

Da dor que sofro
da verdade que desconheço
do infortúnio que não mereço
da felicidade que anelo

Na minha Razão o tempo
vira Eternidade
e o Espaço
infinidade

No meu Coração
a dor vira Amor
e eu
irmão de toda a gente

E Deus
absolutamente

a Razão de tudo ser

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Acabaram-se as metáforas



Os pensadores modernos ainda acreditaram
durante algum tempo
que a globalização seria uma gigantesca metáfora de esperança
geradora de mais e mais metáforas de felicidade

Sabe-se agora que tudo não passava de uma monumental obscenidade
que se pulverizou em versos malditos
nas lavras de palavras obscenas
de poetas proscritos

Acabaram-se as metáforas!

A indústria nacional do sector faliu
e nenhum outro país de língua supostamente portuguesa
está capaz de as produzir

O problema parece ser ainda mais grave
porquanto em nenhuma parte do mundo há metáforas disponíveis


A Humanidade parece assim condenada a deixar de sonhar
a comer pedras e a beber mijo

No ar só já voam os aviões particulares dos machuchos árabes
e angolanos
e no mar só já navegam os iates dos barões da droga e dos traficantes de armas

Nas escolas apenas se recitam poemas marciais de Kim Jong-un
e se estudam discursos de Fidel Casto

Extremistas muçulmanos passeiam-se livremente
no Quartier Latin
com diademas de explosivos
Mahmoud Ahmadinejad serviu caldeirada de bombas atómicas na festa do seu aniversário
e a China continua a invadir a Europa com sucessivos tsunamis de lixo

O Departamento de Defesa americano projecta colocar um chip
no cérebro de todo o ser vivente
e o Pentágono planeia atacar a Suíça

Na Europa só já há olhos para o “pas des deux” da senhora Merkel
e do seu ministro Wolfgang Schäuble
e em Portugal os partidos políticos ganharam, por fim
o estatuto de nobres associações de mal feitores

O triunfo do niilismo mais radical é inevitável
o fim da Civilização aproxima-se

E depois?
Teremos que começar tudo de novo
Reconstruir um novo Mundo
Restaurar a Humanidade
Reinventar a democracia
Reescrever uma nova poesia
Tomar a sério o Papa Francisco

Sem metáforas
tropos
trapos
metonímias

e outras pantominas

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Esta forma de dor vale a pena sofrer




Passa leve
graciosa
envolta em sedução
perfumando o ar
e inundando o mundo de alegria
com a luz do seu olhar

Só a mim não me dá atenção
por teimosia

Tão pouco me sorri
maldosa
que nem uma rosa
que teima em tudo deitar
a perder

Todo o amor
que nela projecto
se reflecte em dor
no meu coração
inquieto

Não a tive e já a perdi
porque tê-la não consigo

Será que me ama
sabendo-me infeliz
e mais me faz sofrer
só porque nada me diz?

Se assim é, então lhe digo
com simpatia
neste poema breve e leve:
«Esta forma de dor
«vale a pena sofrer
«só para te poder amar
«e continuar
«a escrever

 «poesia!»

quarta-feira, 10 de julho de 2013

A poesia só tem sentido porque a vida o não tem



A poesia só terá sentido
se o poeta ousar procurar
a razão de ser
e de sofrer
a melhor forma de bem-fazer
e de mais amar

A poesia só terá sentido
se o poeta jamais se der por vencido
se com seus versos a si se libertar
e a mais alguém
der liberdade
também

A poesia só tem sentido
porque a vida o não tem

A poesia perde a razão
se ousar esquecer

o coração

terça-feira, 9 de julho de 2013

A última noite que dormi com ela



Agora sim
sei

Na última noite que dormi ela
ela já não estava mais
ali

Embora tudo tenha feito
para que eu não a pudesse esquecer
jamais

E passasse o resto da vida a sofrer
por ela
rasgando-me esta chaga no peito
que continua por sarar
e a doer
demais

O anjo adorável
que havia sido
até então
meiga
amável
e verdadeira
naquela noite derradeira
transfigurou-se em Medusa
numa permanente companhia intrusa
que me persegue para toda a parte

Numa mulher ultriz
dona de toda a arte
numa matrona
meretriz

Os beijos e abraços
a inebriante sofreguidão
os gritos de prazer
que coroaram o seu último orgasmo
foram só afinal
o estertor do amor
espasmo da paixão
alvor da vingança

Acto sexual que para meu mal
ainda hoje sinto
e oiço
em surdina
me baila na retina
e sempre se insinua nos meus desejos
como brasa acesa na lembrança
tição incandescente
cujas cinzas escaldantes
continuam a escaldar-me

o coração

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Amantes de cristal



Só sabiam amar-se, assim
envoltos em véu
de fantasia

Com as estrelas a cintilar
no céu
pairavam em silêncio
no Firmamento
de mãos dadas
e de rostos irisados
de prateada alegria

Ou vogavam como cisnes
ao sabor do vento
no lago da poesia
num sonho de fadas
em noite irreal

Eram sombras de luar
amantes de cristal

Até que um dia
a paixão do Sol
pecado alado
os abraçou
envolvendo-os no lençol do desejo
logo ao primeiro beijo

E não tardou
que o sonho de amor
se quebrou
num golpe inesperado
tilintando de dor

Eram amantes sem mal


De cristal

domingo, 7 de julho de 2013

A Razão de Ser



Parto do tempo que conto
e do espaço que ocupo

Da dor que sofro
da verdade que desconheço
do infortúnio que não mereço
da felicidade que anseio

Na minha Razão o tempo
vira Eternidade
e o Espaço
infinidade


No meu Coração
a dor vira Amor
eu irmão
de toda a gente

E Deus
absolutamente

a Razão de Ser

sábado, 6 de julho de 2013

A tribo dos poetas



Erram descalços
e seminus
na pré-história do futuro

Ao frio, à chuva e ao vento
por vales e montanhas
sem sossego nem assento

De luzinha na mão
seguindo o rumo do coração

A espevitar o fogo
com os poemas que acabaram de descobrir
não vá a chama do amor
se extinguir

É a tribo dos poetas
atletas do devir
que não enche estádios
não ocupa as cadeiras do poder
não comanda exércitos
nem dirige as finanças públicas
mas que um dia
tudo irá subverter
com verdade
e acabar com a guerra

Porque só o amor feito poesia
poderá impor a justiça e a harmonia
no seio da Humanidade

e salvar a Terra

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Só não sofrem as fragas




Sofrer sofrem plantas e animais
fome
sede
frio
e desumanidade

Sofrer sofrem os humanos
a falta de humanidade

Só sofremos
se somos nós a sofrer
mas sofremos ainda mais
se sofremos com os demais

Sofrimento sôfrego
sufragado
sofre o poeta amoroso
amargurado
de amor contrariado
a sua maior desgraça

Só não sofrem as fragas
mesmo se o deflagrar fragoroso
as desfigura

e estilhaça

terça-feira, 2 de julho de 2013

Alvorada




Quando o Sol raiar
então sim
vamos poder amar-nos
à luz do dia
envoltos em lençóis de poesia

Já se rasga o dia
no crepúsculo da aurora
já o galo canta a alvorada
em estridente melodia

Em mim
relincham
mil corcéis de alegria

Já diviso
a figura feminina
etérea
vaporosa
que me sorri
deitada em nuvens cor-de-rosa

É a minha amada que acorda
por fim

feliz porque não parti

segunda-feira, 1 de julho de 2013

A poesia é uma árvore




A poesia é uma árvore
com tronco de emoção
e copa de fantasia
envolvida em véu
de louvor
à vida

De raízes mergulhadas bem fundo
no húmus do coração
de onde suga a seiva
dos sentimentos soberanos
com que alimenta folhas
e ramos
e frutifica
em poemas
na Razão

Respira o ar da Terra
e recebe a bênção do Céu
sob a forma de inspiração

Iluminada pelos raios cósmicos do Universo
viceja em verso
e é poiso de aves
que vêm ler
e declamar
os poemas
trazendo e levando penas
que a vida

é um permanente depenar
até morrer

sábado, 29 de junho de 2013

No clímax do sonho



Com o sono e o sonho
no clímax
do enlevo
e da lascívia
como se vivesse a vida sonhada
e a felicidade estivesse acordada

Quando me apetecia tudo menos acordar
eis que toca o despertador
e a realidade desperta
para a felicidade adormecida.
Ó que estranha troca!

Abro a janela
aspiro ao ar fresco da manhã
a Natureza no seu esplendor
é outra fantasia

Será que de novo sonho?

Desperto no melhor da realidade
acordo no melhor do sonho
não durmo
nem discuto o dilema
simplesmente
vivo

Inalo uma pitada de poesia

e lavro este poema

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Bendita sois Vós entre as mulheres



Pressinto que algo
dentro de mim
pulsante
me chama

Desperto!

Abro a janela de par em par
o Cosmos inunda o aposento
de rompante

Um vento
de luz
sopra seus raios rosa
desde o Sol nascente

É a alvorada a entrar
luminosa
por mim a dentro

Ouço os primeiros acordes
da Avé Maria de Bach e Gounod
que me envolvem em explosão de alegria
e glória

No fundo suave dos violinos
percebo o ondulado das colinas verdejantes
salpicadas de papoilas e marmequeres
a energia telúrica que emana da Terra
força de paz que silencia a guerra

Nos sons metálicos do piano
o tilintar das estrelas a cintilar

Já o meu corpo se quebranta
e começa a voar

E quando a divina voz da diva se alteia
na simplicidade do amor e da verdade
da galileia Maria, de Nazaré
dou-me conta que a minha alma se liberta
dos humanos misteres
e dos constrangimentos da fé

Já não mora mais ali
pois se evola
em êxtase
de espiritualidade
e poesia

Avé Maria
bendita sois Vós

entre as mulheres 

quarta-feira, 26 de junho de 2013

A mulher gorda



Um som inaudível
uma estranhíssima indução
uma qualquer inconsciente associação
terá motivado tal opção

Não sei

Quando hoje pela manhã
me preparava para me barbear
desatei a assobiar
o refrão
de uma música em voga
e não tardei a trautear o estribilho

«Mulher gorda,
ai a mim não me convém,
………………….
Ai, Ai, Ai, Ai,
eu gosto dessa mulher»

E quando dei por mim
já gritava a plenos pulmões
enquanto a lâmina deslizava
na face ensaboada

«Mulher gorda,
ai a mim não me convém
………………….
Ai, Ai, Ai, Ai,
eu gosto dessa mulher»

E repetia com mais ardor

Quantas pessoas na vizinhança
terão pensado que enlouqueci
eem esperança de cura?
Quantas mulheres gordas sentiram ganas
de me esganar?

Não sei!


A barba ficou um primor

terça-feira, 25 de junho de 2013

A mulher é mais mulher



Poderá a mulher que nos encanta
ser santa
cientista
poetisa
actriz
feliz
infeliz
artista
heroína
governante
amante
capitalista
proletária
revolucionária
ou o que calha

Poderá a mulher, seja ela qual for
ser um amor
e amar alguém
rir ou chorar
ou mesmo nem amar ninguém

Mas a mulher é mais mulher
quando
porém
ama o homem

e é mãe

domingo, 23 de junho de 2013

A mal amada




Sempre que ela
comigo
e eu com ela
me cruzava

A silenciosa sedução da sua formosura
a sua feminina graciosidade
eram promessas de inexcedível amante
de arrepiar

Inicialmente
parecia ser por acaso
que nos encontrávamos
mas passaria a ser de propósito
quando uma molécula do seu perfume me tocou
e um raio de luz de piedade do meu olhar
a penetrou

Porque percebi um pedido de socorro
silencioso
angustiado
na tristeza fascinante
do seu olhar de mulher sofrida
mal amada
embora tudo tivesse de sobra
para ser idolatrada

Mas também era uma mulher apaixonada
amarrada à ideia de lealdade
embora fosse repudiada

Acabámos a dar e a soltar
as mãos
a falar com verdade
como se fôramos irmãos

Passou a ser mais apreciada
e prosseguiu apaixonada

Restou uma eterna
doce

e cúmplice amizade