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terça-feira, 30 de maio de 2023

POEMAS DA GUERRA, DE MIM E DE OUTREM (A monção não traz a paz)

 



POEMAS

DA GUERRA, DE MIM E DE OUTREM

 A monção não traz a paz)

 

Hoje

Não fui ver o pôr-do-sol

Não se ausentou a guerra de meus olhos

Nem senti que no céu lilás

Surge sempre um novo dia

 

Caminhei

Mais agitado que o vento

Que raivento varre a terra

Como se sua vontade de paz

E de amar

Fosse maior que a minha

 

...minha vontade amar é um ar assim raivento!

 

Hoje

Não fui ver o pôr-do-sol

Não se ausentou a guerra de meus olhos

Nem senti que no céu lilás

Surge sempre um novo dia

Vi que a monção não traz a Paz

 

...a monção não traz a Paz!

 

Caminhei

Mais agitado que o vento

Que raivento varre a terra

Minha vontade de amar

E de paz

É um ar assim raivento

 

...a monção não traz a Paz!

...a monção não traz a Paz!

...a monção não traz a Paz!

  

Nangade (Cabo Delgado-Moçambique), 28 de Outubro de 1972

in Poemas da guerra, de mim e de outrem (Editora Piaget-2000)


domingo, 28 de maio de 2023

POEMAS DA GUERRA, DE MIM E DE OUTREM (Dia de Correio)

 


POEMAS DA GUERRA, DE MIM E DE OUTREM

(Dia de Correio)

 

Amanhã é dia de correio

E de teu seio

Saíram já

Por certo

Mil saudades escritas

Que em mim provocarão doces variações arteriais

E por demais belo será o sossego

Quando tiver lido

E sorrido

Da distância infinita que as cartas venceram

Para de ti trazerem palavras vivas

Desejos

Promessas

Saudades impressas

Em pedaço de papel fechado

No qual com amor colaste um selo

... E mil beijos

 

Mueda (Cabo Delgado-Moçambique), 21 de Janeiro de 1971

Henrique António Pedro


sábado, 27 de maio de 2023

Poemas da guerra, de mim e de outrem ( Agora)

 


Poemas da guerra, de mim e de outrem

Agora

 

Sou folha solta em seio de tempestade

Ramo verde em outono agora

Procuro lagos onde germinar

E apenas vivo

Em marés de imaginação

 

Sou ave velha que não cede

E nem sente a tempestade

Árvore nova que teima em ter razão

De raízes erguidas ao céu

 

Sou alguém que caminha pela noite

Sempre à espera

De ver

Vir

O Sol

 

Quero amar

Não quero a guerra

Ainda que amar não seja a paz

 

Nangololo (Moçambique, 21 de Dezembro de 1972)

Henrique António Pedro

in Poemas da Guerra, de Mim e de Outrem (Ed.: 2000)


quinta-feira, 25 de maio de 2023

POEMAS DA GUERRA, DE MIM E DE OUTREM (Todos somos a um tempo bons e maus)

 



Todos somos a um tempo bons e maus

 

Os aviões rasam a floresta

Alongados de velocidade

E com a raiva própria

De quem não sabe

Aonde é o infinito

 

E na quietude do cair da tarde

Caiem bombas

Que ferem o silêncio

De quem esperava coisa nenhuma

Àquela hora morta

Para quem acaba de morrer

 

Mesmo assim daremos as mãos

Todos somos a um tempo bons e maus

Todos somos irmãos

 

E pelos trilhos apertados

Há feros guerrilheiros

Transportando silêncios

Granadas e morteiros

Que cavam buracos no ar

Como se estivera ali a paz sepultada

 

E a saudade dos homens é interrompida

Por estampidos dirigidos

Inacreditados

Que podem muito bem vir a ser

Notícia amarga

 

Mesmo assim daremos as mãos

Todos somos a um tempo bons e maus

Todos somos irmãos

 

 

Mueda (Cabo Delgado), 10 de Fevereiro de 1972

Henrique António Pedro

in Poemas da Guerra, de Mim e de Outrem (Ed.: 2000)

quarta-feira, 24 de maio de 2023

Poemas da Guerra, de mim e de outrem (Na hora da despedida)

 


Na hora da despedida

 

Não mais poderei esquecer

O Metumbué e o Rovuma

O Lidede e o Nangade

Irei ter saudade

Das saudades que aqui

 Vivi

 

Em Nangololo deixei pensares imprecisos

Alongados como o misticismo do vale azul

O vasto vale de Miteda

Onde ecoaram os acordes primeiros

Deste Humanismo que surge

Ledo como a forma esguia das papaieiras

E se tinge de sangue

Como a casca verde das mangas maduras

 

E aquele Cristo de pau-preto

O Cristo Maconde

A quem sorri ele?

Aos Homens?

Á Guerra?

Oh! O seu sorriso é bondoso

        

Na terra ampla de Mueda

Sofri o céu inconstante

Não fui ali panteísta

Mas amei a terra

 

O salto breve para Nangade

É já o abraço do adeus

É banja sob a árvore grande

Mesmo ali à vista do lago

Já com pressa de partir

Mesmo sem que possa esquecer

O Metumbué e o Rovuma

O Lidede e o Nangade

E de ir a ter saudade

Das saudades que aqui

Vivi

 

 Nangade, 15 de Outubro de 1972

n Poemas da guerra, de mim e de outrem (Editora Piaget-2000)


segunda-feira, 22 de maio de 2023

Poemas da guerra, de mim e de outrem (Silêncio)

 



Poemas da guerra, de mim e de outrem

Silêncio

 

Vivo agora a guerra no silêncio de um quarto

Em que guardo um mapico maconde

Uma máscara macua

E um Cristo metálico

Que não é de etnia nenhuma

 

No ar há leve odor a insecticida

Nos ouvidos o zunir dos órgãos em descanso

Onda portadora de ruídos inqualificados

Filtrados pela razão

Onde vegetam mil doces recordações

Que penetram todo o meu corpo

Transformados que são em saudade

 

Sou uma fábrica de saudade

E estou em guerra no silêncio de um quarto

De porta fechada

De alma aberta

E na mente desperta

 

Uma criança chora

Um homem assobia

E motores alados tomam de assalto o aposento

Martelando-me os ouvidos

 

Pela cortina entreaberta

Entra a claridade adequada

Ao conforto da vista

E na luz que entra pela cortina entreaberta

Pelo vidro translúcido

E pela rede quadriculada

Encontro a paz procurada

Tão distante no infinito

 

Pena que os olhos só vejam

E não analisem com luz

Esta obscuridade psíquica

De quem tem um sol dentro de si

 

 Mueda (Norte de Moçambique), 10 de Janeiro de 1972

in Poemas da guerra, de mim e de outrem (Editora Piaget-2000)


sexta-feira, 19 de maio de 2023

Baptismo de fogo

 


Baptismo de fogo

Uma vez...

Lá no reino do régulo Capoca
Maconde
Diletante súbdito do Império Português


Já nem me lembro bem
Como
Quando
E porque  ali fora parar

A navegar
Na História
De boa e má memória

Que me lançou na frente de batalha
De uma guerra fora de tempo
E que a tantos Longe da terra

Serviu de mortalha

 

Era minha intensão

Pois então
Ser herói

Sim
E santo
Talvez

Porque não?


Dormia

O meu corpo suava
E a alma alagava-se do suor da saudade

Reinava o silêncio
No seio da juvenil companhia
Que ousara penetrar a floresta
Preparada para matar
Ou morrer

Tão só para sobreviver

Um estampido

Primeiro

Cavo
Abafado
Seguido de um silvo
Bem referenciado pelo ouvido
Treinado

A seguir
O deflagrar ensurdecedor de uma malina

Granada
De morteiro

Depois outra e mais outra
A terrível fuzilaria
Trágica

Ruidosa
Romaria

Ergo-me
Em incontida inconsciência
Pujante de adrenalina
Grito:
“Filhos da puta!”

E disparo
Disparo
Uma
Duas
Três

Mais e mais rajadas

Contra ninguém
Nem bem sabia sequer
Quem disparava para quem
Nem se alguém atirava contra mim

E foi assim

Pelo baptismo me tornei  cristão
Com água e sal
Ainda criança

E a ferro e fogo
Fui iniciado guerreiro  de Portugal
Homem inteiro

Do heroísmo
Resta-me a poesia

Da santidade
Sobra-me a esperança


Vale de Salgueiro, sábado, 22 de Maio de 2010

Henrique António Pedro

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Clepsidra

 




Clepsidra

 

A clepsidra

que marca o meu dia-a-dia

é a poesia

 

Pinga

pinga

vai pingando

pingos de amor e desamor

de alegria e de dor

de pura amargura

e nostalgia

 

 

É vento da vida a soprar

toque de realejo a tocar

vontade-desejo de amar

 

Fluem afectos

ideias

grãos de areias

sonhos despertos

pedaços do Universo formatados em verso

à medida que a vida se esvai

 

Pingo a pingo

um oceano sem fundura

de verdade e fantasia

se vai formando a cada momento

 

Esta clepsidra

que marca o meu dia-a-dia

é a medida do meu tempo

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 18 de Agosto de 2010

Henrique António Pedro

sexta-feira, 12 de maio de 2023

O Portal da Felicidade


 

O  Portal da Felicidade

 

Montei tenda num descampado

ermo

isolado

e sempre ia perguntando

a quem por lá passava

se era ali que a felicidade morava

 

Nada

nem ninguém

na verdade

me garantia que era ali que ela vivia

embora por todos e toda a parte

fosse procurada

 

Mas um jovem que de tão apressado me pareceu feliz

e bem informado

sôfrego

sorriu

e sem se deter

acabou por me dizer

apontando em direcção incerta:

«É só entrar. Nem precisa de bater!»

 

Olhei à roda

vi uma porta entreaberta

de que me não dera conta

que irradiava uma luz rara

em direção a mim

que de pronto me seduz

 

Bati

com a timidez de um aprendiz

ainda assim

na esperança tonta

de que naquele descampado

ermo

silencioso

isolado

talvez eu fosse um predestinado

 

Porém

alguém de dentro e de pronto apagou a luz

me bateu a porta na cara

e diz gritando:

«Vai procurar a felicidade noutro lado, malandro»

«Não aqui!»

 

Ainda assim não desisti!

 

Foi então  que um trôpego ancião

que caminhava devagar

porque trazia às costas a vida moribunda

depois de se sentar no chão

indiferente à barafunda

acabou por me dizer que se eu queria saber

onde a felicidade habitava

teria que primeiro bater

a todas as portas do mundo

 

E acrescentou

certeiro

esta sentença profunda

fixando os olhos em mim:

 

«Se de dentro responderem que sim

mais certo será

lá morar apenas a ilusão

mas se ninguém responder

então

de certeza que também aí não é

de verdade»

 

Ainda assim

não desisti!

 

Porque aprendi agora

que a porta da felicidade

abre directamente

para Eternidade

 

É lá que ela mora

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 14 de Setembro de 2010

Henrique António Pedro

sábado, 6 de maio de 2023

De como e quando aprendi a amar e que coisa é o amor

 



De como e quando aprendi a amar e que coisa é o amor

 

Quando abri os olhos pela primeira vez

e percebi que outros me fitavam e sorriam

enquanto sentia que uns braços me estreitavam

de uma forma que só poderia ser a de uma mãe

 

Logo ali pressenti o que era o amor

e o que amar seria

embora sem então saber que aquela mulher era minha mãe

e que o sendo não era uma mulher qualquer

 

Apenas quando aprendemos como uma mãe ama o seu filho

somos capazes de bem entender o que o amor é

e que coisa amar será

 

Vale de Salgueiro, segunda-feira, 8 de Março de 2010

Henrique António Pedro

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Na Praça Martim Moniz

 



Na Praça Martim Moniz

(Do meu baú de recordações)

 

Só me não me perdi

por um triz

 

Amei-a eternamente

Mal a vi

Nos breves instantes

Em que como ela

Esperava o eléctrico

Na Praça Martim Moniz

 

Os seus olhos negros

Tolheram-me por completo a visão

E porque eram negros e brilhantes

Não me deixaram ver nada mais

 

Foi maquinalmente que para ela dirigi meus passos

E percebi que também ela aguardou

Que eu lhe dirigisse a palavra

 

Passavam inúmeros eléctricos

Que nos levavam aos sítios para onde íamos

 

Mas nenhum de nós se importou

Nem sentiu pressa em partir

 

Tolhido eu pela luz negra

Dos seus olhos negros

E pela desenvoltura da sua trança

Presa, ela, à minha expectativa

Em que residia a sua esperança

 

Amámo-nos eternamente

Naqueles breves instantes

Até que por fim

Ela decidiu partir

 

Venci-me

Não a segui

Ainda assim

 

O eléctrico que tomou

Deixava-me a mim

A meio do caminho

 

Lisboa (Martim Moniz), Outubro de 1970

Henrique António Pedro