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segunda-feira, 18 de março de 2024

Glória e morte de uma paixão


Guardámos três dias

cumprindo a tradição

para comprovadamente verificarmos que morrera

 

Foi então que a mulher

por quem eu andara apaixonado

e que só agora

de mim

se enamorara de verdade

removeu a pedra do sepulcro

em que se convertera o meu coração

depois que ali eu sepultara

essa derradeira paixão

 

Espantada, exclamou:

«Está vazio! Tu não me amas e nunca amaste ninguém!»

 

Com ternura respondi:

«Não! A paixão morreu, sim, mas o amor, esse, ressuscitou!»

«Vive, agora, em mim. Será que em ti, também?»

 

Apenas a paixão, a raiva, a ilusão morrem para sempre

levadas pelo vento

diluídas no tempo

 

O amor

esse

nunca morre

não!

 

A paixão sem amor é pecado

 

O amor à paixão abraçado

é Salvação

 

Vale de Salgueiro, domingo, 12 de Abril de 2009

Henrique António Pedro

 

 

 

sexta-feira, 15 de março de 2024

Florilégio

 


A rosa


A rosa tinha rosas no cabelo

por desvelo

na face

por disfarce

no ventre

por se demente

e no seio

por receio


E uma rosa maior no coração

que brilhava rubra

aculeada


Deu-me prazer

e fez sofrer

a malvada

Rosa, mulher, paixão

 

A malmequer


Desfolhei a delicada flor malmequer

em minha mão

alternando mal me quer com bem me quer

ao ritmo do bater

do coração

 

Só eu amei

porém


E mesmo depois de desfolhada

continuei sem saber

se era bem ou mal

o seu querer


Malmequer, mulher, indefinição

 

A camélia


Mergulhei de corpo e alma na camélia aveludada

lavada

inebriado de conforto

no horto do prazer

quase sem querer

até que murchou

com igual calma

 

Nada restou de verdade

 

Camélia, mulher, futilidade

 

A papoila


A papoila era louca

rubra

frágil

ágil

descuidada

perfumada de nada


Enrubescia o próprio vento

e quem com ela se cruzava

descuidado

no descampado

da vida

mundo do mau pensamento

Papoila, mulher, indevida

 

A Açucena


Na alvura

pura

da açucena

rezando a santa novena

havia espiritualidade


Amei-a

e sinto saudade


Fiquei sem saber

com muita pena

se era mulher de verdade


Açucena, mulher, castidade

 

A Tulipa


Olha-me de longe

com olhar distante

convencida

fechada


Sorri

pedante

 

Dela não me aproximo

sequer

não é flor de amor

tão pouco amante


Tulipa, mulher, vamp


A Flor de Cerejeira


Enxertei uma cerejeira

que amei como nunca ninguém

amei


E depois que a cerejeira amada

entumescida

floriu em flor

numa manhã de Primavera

alva

rosada

polida

de raios de sol irisada

brotaram cerejas lindas

produto de muito amor


Flor de Cerejeira, mulher, amor, mãe

 

Vale de Salgueiro, segunda-feira, 1 de Setembro de 2008

Henrique António Pedro

 

domingo, 10 de março de 2024

Eu, se minto sinto o que minto, falo verdade


Que importa se é dor

ou amor

o que sinto

se sendo poeta

sou um impostor

sem maldade

 

Tal como Pessoa

eu que sou um poeta menor

e de menor idade

se minto sinto o que minto

em meu versejar falo verdade

 

É outra forma de dizer

que sou um fingidor

 

Eu

um ser utópico

sem tempo ou lugar

ucrónico

inorgânico

anacrónico

 

Eu

um ser abstracto

dinâmico

que pinta o seu retrato em liberdade

à luz do dia

no espelho parabólico

metafórico

da poesia

 

Eu

quando minto

sinto o que minto

falo verdade

 

Vale de Salgueiro, domingo, 28 de Fevereiro de 2010

Henrique António Pedro


sexta-feira, 8 de março de 2024

AMAR SÓ DE NOS VERMOS SEM NOS OLHARMOS


Gosto de a encontrar

de por ela passar

de a ver sem olhar sequer

e sem lhe falar

 

Gosto de ver que também ela me vê

mas que não me olha

que sorri para dentro de si

fingindo não me conhecer

 

Vemo-nos sem nos olhar olhos nos olhos

em simultâneo

mutuamente

 

A mim muito me apraz assim amar

fingir que a não vejo

quando mais a desejo

 

Percebo

que também ela fica contente

por me ver

sem, contudo, me olhar

 

Que fica em paz

como eu

certamente

só por me encontrar

 

Feliz por me ver

sem me olhar

também a ela apraz

esta forma de amar

certamente

 

Perspicaz

ela nada me diz

e eu por castigo

nada lhe digo

Obviamente


Henrique António Pedro ( 2010)

 


quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Pura amizade

 


Combinámos deitarmo-nos juntos
despidos
sem ter em mente outros assuntos
apenas para a nós mesmos provar

desinibidos
que nada de mal iria acontecer

E não aconteceu?

Bem!
Aconteceu o que tinha que acontecer
o que era inevitável que acontecesse
aquilo que a tentação ditou
e a amizade não evitou

nada que não se merecesse

Aconteceu fazermos amor por pura amizade

não por mero instinto ou desejo de prazer

 

Se assim não fora a amizade não seria amizade
seria uma enormidade
mas em nada a amizade se molestou

e no mais puro amor se transmutou


Muito embora ela ainda hoje me chame de atrevido
só porque eu estava despido

Mas eu respondo que atrevida foi ela

que estando igualmente despida
e sendo linda como uma estrela

se deitou comigo

nua

numa noite de lua

predisposta a amar

se deleitou

e me seduziu

só de a olhar

Será que valeu a pena?!

Tudo vale a pena
se a amizade não é pequena
como se viu

Foi amoroso
delicioso
como bem se quer
um jogo de verdade

como outro qualquer

Que só por amizade

se não repetiu


Lisboa, 4 de Abril de 1969

Henrique António Pedro


 

 

domingo, 25 de fevereiro de 2024

À imagem e semelhança de Deus


Se me olho ao espelho

e embora me não veja

porque sou mais que imagem

gosto do que vejo

 

Porque vejo poesia no meu olhar

e nos poemas que escrevo projecto

a infinita capacidade de amar

a irrecusável predisposição

do meu coração

para se dar

 

Gosto do que vejo

porque amo de verdade imensa gente

embora assim de repente

apenas me lembre

daqueles que amo mais

 

Gosto do que vejo

porque amo o Céu

a Terra

a Vida

a Humanidade

  

Olho-me ao espelho

e embora me não veja

gosto do vejo

 

Porque sinto no meu peito

que há verosimilhança

na ideia de que fui feito

à imagem e semelhança

de Deus!

 

 Vale de Salgueiro, sexta-feira, 19 de Novembro de 2010

 Henrique António Pedro