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domingo, 28 de abril de 2024

Eis o Amor!


 

Eis o Amor!

Nalgum momento

Certamente

Sentis-te que amavas alguém

E o declaraste

 

Nalgum momento

Certamente

Também ouviste alguém dizer que te amava

 

Em ambiente cor de rosa

Á luz das velas de uma mesa de jantar

No tálamo nupcial

Numa amorosa noite de luar

Ou de um romântico pôr do sol

 

Tomado de lícito desejo

Enlevado de irresistível paixão

Em paga de um terno beijo

Ou por mera piedosa mentira

 

Na euforia de uma vitória

Na alegria de uma festa

Por efeito de um copo de vinho

De uma taça de champanhe

De uma inopinada hormona

 Ou de uma libidinosa feromona

 

Por piedade ou compaixão por alguém que sofria

E cujo sofrimento também a ti te condoía

 

Será natural se assim for

 

Porém

Apenas sentiste

Disseste

Ou ouviste uma efémera imitação de Amor

 

Porque

Certamente

Dificilmente algum dia

Sentiste e declaraste que amavas alguém

Sabendo que esse alguém nada tinha para te dar de volta

E muito menos a quem te ofendeu

Ou martirizou

 

Mas aquilo que Jesus Cristo sentiu pela Humanidade inteira

Mesmo pela turba que O injuriou

Pelos algozes que O crucificaram

E o proclamou do alto da Cruz

Exangue e agonizante

Sem que ninguém Lhe tenha dito que O amava

Para lá de Sua Santa Mãe

Isso sim é Amor

 

Vale de Salgueiro, 16 de Março de 2008

Henrique António Pedro

sexta-feira, 26 de abril de 2024

Medeia


Melhor seria não ter olhos para a ver

e me deixar fascinar

pelo seu olhar

 

Melhor fora ser surdo e mudo

para não poder ouvir o seu canto de sereia

nem poder responder e me deixar enredar

nos encantos da sua melopeia

 

Não ter braços para a abraçar

sem mais a poder largar

 

Nem ter sexo para a desejar

e ela

por reflexo

me poder a mim me cobiçar

 

Melhor seria que eu não tivesse coração

nem Razão

para não cair nesta cruel contradição

 

Mas a vida é assim

e assim sendo

não me arrependo

 

Mais vale sentir todos os sentidos abertos e despertos

e não a poder largar

nem ela

a mim

me poder abandonar

 

Mais vale sentir-me Jasão aprisionado

a seu lado

e sabê-la

a ela

a sereia Medeia

falaz

a mim acorrentada

sem poder fugir

 

 

Ouvir seu pranto de mulher apaixonada

sem ser capaz de resistir

 

Sem deixar de acreditar

que o espirito acabará por se libertar

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 24 de Agosto de 2010

Henrique António Pedro

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Canção de Abril a abrir

 


Nota prévia:

Poema escrito na Ilha de Moçambique, em 25 de Abril de 1971, precisamente. Por isso o tomo como uma inusitada, angustiada, saudosa e confusa premonição da revolução de 25 de Abril de 1974.

 

 

Canção de Abril a abrir

 

Perpassam veleiros entre mim e a História

Nesta tarde inglória de Abril

A abrir

 

Prostrado que estou em praia lânguida

Assalta-me a ideia cândida

De negar o corpo à guerra

E regressar à minha terra

 

Neste eterno mar de desentendimento

Sereno depois que em mim amainou

O Inverno do meu descontentamento

 

Calmo oceano para mim que sou do interior

Para quem nenhum mar é forma de vida

Mas tão somente praia perdida

Onde a minha alma fica dormente

 

Alma de quem está ausente

A travar batalhas de tormento

A tecer mortalhas de sentimento

Com que o coração envolve a razão

 

Noutro veleiro o horizonte se materializa, agora

À hora de me ir embora

 

Não é meu este mar

Esta água e este ar

É lá e não aqui a minha terra

 

Nenhuma é a minha guerra

 

Justo é viver em paz

Seja lá onde for

A mim tanto me faz

 

Ainda que injusto fosse o desforço

Tão fraco é o fosso

Que frágil veleiro consegue transpor

 

Quantas vez mais darei o meu corpo à guerra?

Porque não invade o mar a terra?

 

Heroico será ir além do Bojador

Voltar à terra quando se é do interior

Se não tem o mar por ganha pão

Muito menos a morte por condição

 

Humano para mim

Ainda assim

Será sonhar cruzar de novo o mar

Idear novo Império

Outro Ultramar

Feito de História e luso Verbo

Sem sombra de vitupério

 

Abrir os olhos na neblina

Assumir o destino divino

Passar a sina e o sinal

Das novas pátrias

Dádivas do pródigo Portugal

 

Pátrias sem equadores a cortar a Justiça

Nem cores a estigmatizar as almas

 

Calmas são as tardes de Abril

A abrir

 

Ouço embevecido o frenesim das batucadas

Sorvo o sabor de mangas maduras

Sofro a saudade das melodias electricistas

O sofrimento das romãs ensanguentadas

A dor do caju retorcido

 

Quantas vezes mais darei o meu corpo à guerra?

Porque não invade o mar a terra?

 

Quantas vezes mais darei o meu corpo à guerra?

Porque não invade o mar a terra?

 

Quantas vezes mais darei o meu corpo à guerra?

Porque não invade o mar a terra?

                                                        

Ilha de Moçambique, 25 de Abril de 1971

Henrique António Pedro

 

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Assobio e sigo em frente


Comigo é assim

E consigo

Por certo

Também

Já se vê

 

Milhares de ideias me afloram à mente

Assim de repente

A cada instante

Vindas sabe-se lá de onde

Como

E porquê

 

Muitas são absurdas

Aborridas

Negativas

Carregam tristeza

São lembranças de coisas sofridas

Temores de dores ainda não vencidas

 

São sentimentos de desânimo

Que nos amarram e torturam

Nos oprimem e angustiam

Sem nexo nem sentido

 

Comigo é assim

Dessas ideias aprendi a libertar-me

Viro-lhe as costas

E sigo em frente a assobiar

 

Mato-as à nascença

Nem lhes dou tempo sequer de respirar

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 9 de Outubro de 2008

Henrique António Pedro 

in Angústia, Razão e Nada (Editora Temas Originais – 2009)

 

 

domingo, 7 de abril de 2024

Amar mais que gostar e desejar


Gostar

Gostamos do que nos agrada

 

Dos olhos

Dos cabelos

Da voz

Dos rostos

Do porte

Do decote

 

São gostos

 

Desejar

Desejamos o que nos dá prazer

 

Os lábios

Os abraços

Os beijos

Os seios

 

São desejos

 

Amar porém

Amamos a quem

Por quem

Sentimos amor

Mesmo que tal nos traga dor

 

Não amamos os olhos

Os lábios

Os seios

A face

Ou o traseiro

 

Amar

Amamos tudo

O todo

Por inteiro

 

Há gosto e gostar

Prazer e desejo

Amar é mais que gostar e desejar

 

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 5 de Novembro de 2009

Henrique António Pedro