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quinta-feira, 25 de abril de 2024

Canção de Abril a abrir

 


Nota prévia:

Poema escrito na Ilha de Moçambique, em 25 de Abril de 1971, precisamente. Por isso o tomo como uma inusitada, angustiada, saudosa e confusa premonição da revolução de 25 de Abril de 1974.

 

 

Canção de Abril a abrir

 

Perpassam veleiros entre mim e a História

Nesta tarde inglória de Abril

A abrir

 

Prostrado que estou em praia lânguida

Assalta-me a ideia cândida

De negar o corpo à guerra

E regressar à minha terra

 

Neste eterno mar de desentendimento

Sereno depois que em mim amainou

O Inverno do meu descontentamento

 

Calmo oceano para mim que sou do interior

Para quem nenhum mar é forma de vida

Mas tão somente praia perdida

Onde a minha alma fica dormente

 

Alma de quem está ausente

A travar batalhas de tormento

A tecer mortalhas de sentimento

Com que o coração envolve a razão

 

Noutro veleiro o horizonte se materializa, agora

À hora de me ir embora

 

Não é meu este mar

Esta água e este ar

É lá e não aqui a minha terra

 

Nenhuma é a minha guerra

 

Justo é viver em paz

Seja lá onde for

A mim tanto me faz

 

Ainda que injusto fosse o desforço

Tão fraco é o fosso

Que frágil veleiro consegue transpor

 

Quantas vez mais darei o meu corpo à guerra?

Porque não invade o mar a terra?

 

Heroico será ir além do Bojador

Voltar à terra quando se é do interior

Se não tem o mar por ganha pão

Muito menos a morte por condição

 

Humano para mim

Ainda assim

Será sonhar cruzar de novo o mar

Idear novo Império

Outro Ultramar

Feito de História e luso Verbo

Sem sombra de vitupério

 

Abrir os olhos na neblina

Assumir o destino divino

Passar a sina e o sinal

Das novas pátrias

Dádivas do pródigo Portugal

 

Pátrias sem equadores a cortar a Justiça

Nem cores a estigmatizar as almas

 

Calmas são as tardes de Abril

A abrir

 

Ouço embevecido o frenesim das batucadas

Sorvo o sabor de mangas maduras

Sofro a saudade das melodias electricistas

O sofrimento das romãs ensanguentadas

A dor do caju retorcido

 

Quantas vezes mais darei o meu corpo à guerra?

Porque não invade o mar a terra?

 

Quantas vezes mais darei o meu corpo à guerra?

Porque não invade o mar a terra?

 

Quantas vezes mais darei o meu corpo à guerra?

Porque não invade o mar a terra?

                                                        

Ilha de Moçambique, 25 de Abril de 1971

Henrique António Pedro

 

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