Nota
prévia:
Poema
escrito na Ilha de Moçambique, em 25 de Abril de 1971, precisamente. Por isso o
tomo como uma inusitada, angustiada, saudosa e confusa premonição da revolução
de 25 de Abril de 1974.
Canção de Abril a abrir
Perpassam
veleiros entre mim e a História
Nesta
tarde inglória de Abril
A
abrir
Prostrado
que estou em praia lânguida
Assalta-me
a ideia cândida
De
negar o corpo à guerra
E
regressar à minha terra
Neste
eterno mar de desentendimento
Sereno
depois que em mim amainou
O
Inverno do meu descontentamento
Calmo
oceano para mim que sou do interior
Para
quem nenhum mar é forma de vida
Mas
tão somente praia perdida
Onde
a minha alma fica dormente
Alma
de quem está ausente
A
travar batalhas de tormento
A
tecer mortalhas de sentimento
Com
que o coração envolve a razão
Noutro
veleiro o horizonte se materializa, agora
À
hora de me ir embora
Não
é meu este mar
Esta
água e este ar
É
lá e não aqui a minha terra
Nenhuma
é a minha guerra
Justo
é viver em paz
Seja
lá onde for
A
mim tanto me faz
Ainda
que injusto fosse o desforço
Tão
fraco é o fosso
Que
frágil veleiro consegue transpor
Quantas
vez mais darei o meu corpo à guerra?
Porque
não invade o mar a terra?
Heroico
será ir além do Bojador
Voltar
à terra quando se é do interior
Se
não tem o mar por ganha pão
Muito
menos a morte por condição
Humano
para mim
Ainda
assim
Será
sonhar cruzar de novo o mar
Idear
novo Império
Outro
Ultramar
Feito
de História e luso Verbo
Sem
sombra de vitupério
Abrir
os olhos na neblina
Assumir
o destino divino
Passar
a sina e o sinal
Das
novas pátrias
Dádivas
do pródigo Portugal
Pátrias
sem equadores a cortar a Justiça
Nem
cores a estigmatizar as almas
Calmas
são as tardes de Abril
A
abrir
Ouço
embevecido o frenesim das batucadas
Sorvo
o sabor de mangas maduras
Sofro
a saudade das melodias electricistas
O
sofrimento das romãs ensanguentadas
A
dor do caju retorcido
Quantas
vezes mais darei o meu corpo à guerra?
Porque
não invade o mar a terra?
Quantas
vezes mais darei o meu corpo à guerra?
Porque
não invade o mar a terra?
Quantas
vezes mais darei o meu corpo à guerra?
Porque
não invade o mar a terra?
Ilha de Moçambique, 25 de Abril de
1971
Henrique António Pedro
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