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sábado, 27 de janeiro de 2024

Qual é o teu TOC?!

 


Entre outros quiçá mais relevantes

descobri que tenho o TOC

que nada de mal acomete

de procurar TOC`s nos "post`s" que leio

nas páginas de fantasia que hoje em dia

proliferam na Internet

e nas quais me enleio

 

Atenção que quando escrevo TOC

não me refiro ao toque onomatopaico

do arcaico Guerra Junqueiro

poeta inteiro

que era duma terra perto da minha

quando escreveu genialmente

“A Moleirinha” bem conhecida de toda a gente:

 

«Pela estrada fora, toque, toque, toque
Guia o jumentinho uma velhinha errante
Como vão ligeiros, ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toque, toque, toque
A velhinha atrás, o jumentinho adiante!...»

 

Muito menos ao toque-toque do teclado

quando siderado escuto o bater das teclas

nos distantes Brasil

Austrália

China

ou na diletante Conchinchina

que com emoção chega até mim

 

Esses toques são outros tantos TOC`s

 

Refiro-me antes ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo

que poderá ser bem mais agressivo

tomar a forma do insulto permanente

da perseguição sistemática

da obscenidade maníaca

 

Ou até ao TOC ridículo

que leva o poeta a coçar o testículo

à frente de toda a gente

 

De nada disto eu me queixo

mas aqui deixo sem remoque

o seguinte apelo

 

Descobre o teu TOC

trata-te

sê feliz e deixa os outros também sê-lo

sem o selo da descriminação

 

Tem o povo razão quando diz:

«De poeta e de louco todos temos um pouco»

 

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 25 de Agosto de 2010

Henrique António Pedro

 

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Um poema impertinente



Eram precisamente seis horas e trinta e tantos diminutos

minutos

quando este poema nasceu

 

Eu dormia profundamente por mor do Outono

que agora está a começar

e traz com ele o abaixamento da temperatura

e a diminuição da luminosidade matinal

quando senti que uma cria de poesia

me puxava a roupa do espírito

repetidamente

mesmo depois que me acordou

 

Não tive outro remédio senão levantar-me

e servir-lhe o pequeno-almoço

para alimentar o animal

muito embora ainda fosse de madrugada

 

Mas de que trata este poema, afinal?

 

Sei lá!

Um poema tem que tratar de alguma coisa?

Não poderá ser só poema, sem nada mais?

 

Ademais poderá ser fruto de uma insónia

de um mal dormir…

 

Eu dormia profundamente

ferrado no sono

sem sonho subjacente

quando fui acordado

 

Diria que este poema impertinente que hoje me acordou

é fruta da época

filho do Outono

fruto da árvore da poesia

que viceja no jardim da fantasia

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 30 de Setembro de 2010

Henrique António Pedro

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Servem-se mitos ao pequeno-almoço, ao almoço e ao jantar

 


É de gritos e de apitos

o sinistro regime político vigente

que usa e abusa da comunicação social

e governa Portugal

como se o povo fosse demente

 

Serve mitos ao pequeno-almoço

ao almoço e ao jantar

mentiras fresquinhas

acabadinhas de cozinhar

 

Requentadas

bem passadas

mal ou bem acompanhadas

embaladas em papel de jornal

cozinhadas de mil formas

em panelas doiradas

iluminadas em redomas de cristal

e nas mais belas telenovelas

 

Estrelas do desporto e do cinema

da arte e da finança

da cagança

da política

ciência sinistra

e da televisão

outro mundo cão

que só causam sensação

pela explícita obscenidade

 

Alguns mitos até se engolem com facilidade

porque de tão tolos nos divertem

mas a maior parte dos pirolitos da política

e do “jet set”

não se conseguem tragar

vão direitinhos para a retrete

 

Com mitos se alimenta a desumanidade

 

Só com amor e verdade

se ergue uma nova portugalidade

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 21 de Outubro de 2008

Henrique António Pedro

 

sábado, 20 de janeiro de 2024

Levitação


Agora mesmo

como se não houvesse amanhã

nem tivesse havido ontem

 

Como se não tivesse existido a hora passada

e vivesse já uma eternidade desmemoriada

ausente do presente

 

Agora mesmo

sem um relevante pensamento

um apetite evidente

uma ideia emergente

na tranquilidade absoluta

de quem não vai nem vem de nenhuma luta

 

Sem dar conta do tempo passar

sem um zunido sequer que me possa enervar

fora ou dentro dos ouvidos

 

Com todos os sentidos a funcionar esplendidamente

tanto que nem eles se dão conta de si

por nada terem que a mim me dizer

 

De corpo relaxado

e de espírito enlevado

de cérebro todo tomado pela consciência

e a consciência a monitorizar apenas a alma

 

Sem amor

sem ódio

fantasia ou contrição

tristeza ou alegria

teorema ou dilema

sem motivo de glória ou de frustração

 

Em puro estado de graça de poesia

de cordão umbilical bamboleante preso a este poema

 

Agora mesmo

dou-me conta de que entrei em levitação

 

Vale de Salgueiro, sábado, 5 de Maio de 2012

Henrique António Pedro

 

in Anamnesis( 1.ª Edição: Janeiro de 2016)

imagem (Imagens Google)

 

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

A poesia é o que é e os poetas são o que são



É a mais elástica
plástica
moldável
amorosa
amorável

álacre  arte que se conhece

a poesia


Forma-se e deforma-se em mil formas de amor

de dor e de alegria

em apostemas de todo o saber e sabor

Dá para tudo!

Para todos os santos  e diabos
almas simples
espíritos iluminados
para o bem e para o mal
a todos serve  por igual

Com rima ou sem rima
tem gente que a adora
e a estima
e gente que a odeia
a abomina

Gente que a toma a sério
e gente que dela se ri

Gente crente
e descrente
agnósticos
ateus
gregos e arameus

Presta-se a cantar
declamar
ler
sofrer
amar
odiar
insultar
enaltecer
glorificar

irritar

serenar
ou tudo deitar a perder

Existe em tudo
e por todo o lado
em todo o tempo
faça chuva, neve, sol
ou vento

seja duro

ou seja mole

Na virtude
no vício
na vida
na morte
no deserto quente
no gelado

no desterro

encoraja e causa medo

No céu
na terra
no mar e no ar

Na pena do erudito
no linguarejar do analfabeto
no espaço fechado
no campo aberto
no homem livre e no proscrito

na estética e na moral
nos dias de hoje
e de ontem
na data pretérita

no presente

do indicativo
e no futuro condicional

A poesia está por toda a parte
é omnipresente
por isso também se diz
que os poetas são anjos
e a poesia é divina

Nada disso

A maior parte são sim
grandes marmanjos
e a poesia que escrevem

desatina

Mas eu diria

que a poesia
não é nada disso
e os poetas não são ninguém
mesmo se nada devem


Diria que a poesia é fantasia
e os poetas são a poesia que fazem

e desfazem
em seu viver

de amar e sofrer
mesmo se a não escrevem


Eu diria que a poesia
não é nada disso

e é muito mais

E que os poetas não são nada

nem ninguém

Diria que a poesia
é o que é
e os poetas
são o que são


Vale de Salgueiro, quarta-feira, 27 de Outubro de 2010

Henrique António Pedro


 

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Bati à porta do esquecimento


 

Bati à porta do esquecimento

Ninguém me respondeu de dentro

 

Nem o menor sentimento de saudade

O mais inócuo desejo de vingança sequer

O mais ténue lamento

Alguma ideia de pertença

A simples exigência de verdade

Um sopro de vento de indiferença

Que fosse

 

Sim

Esqueci

 

Já ali não mora a lembrança

Não me anima mais a esperança

 

Já me não atrai o efémero

A fama

A glória

Os prazeres da cama

A vertigem da História

 

Embora me não lembre de ter perdido a memória

 

Perdi Ciência

Ganhei Consciência

  

Vale de Salgueiro, 6 de Abril de 2008

Henrique António Pedro

 

in Angústia, Razão e Nada (Editora Temas Originais- Setembro 2009)

 

imagem: Google imagens