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quarta-feira, 2 de julho de 2014

Há, em mim, uma angústia crónica





Há, em mim, uma angústia crónica


em mim
uma angústia crónica
que não tem a ver com sucessos ou derrotas
amores contrariados
saldos bancários deficitários
com a crise instalada
ou qualquer glândula avariada

É uma angústia telúrica
que a terra
exala

É hálito podre dos monturos de dejectos
do carvão e do petróleo
do alcatrão das estradas
dos escapes dos motores
da borracha e do óleo
da tirania dos ditadores
dos políticos impostores

em mim
uma amargura emergente
um aperto de coração
que tem a ver com a política
com o rumo que leva a civilização

É uma amargura a um tempo cósmica
e telúrica
a dizer-me que assim
não vamos a lado nenhum
que nem valerá a pena ousar conquistar o Espaço

Amargura telúrica
emanada do ar e da água
que causa nos seres profunda mágoa

Angústia cósmica
crónica
vinda dos confins do universos
que polui mentes, palavras e o versos

Que me levam à contemplação das estrelas
no silêncio da noite

A refugiar-me nos templos
em oração
a procurar refúgio na Eternidade

Porque indiciam a agonia da Terra
o fim da Humanidade


Vale de Salgueiro, domingo, 2 de Novembro de 2008
Henrique Pedro



quinta-feira, 19 de junho de 2014

Ninguém comanda o coração






Ousa persuadir-me a que a ame
com gestos ousados
de sedução

Eu tento dissuadi-la de que me ame
e de que pretenda que eu a ame
com gestos forçados
de desdém

Nem ela
nem eu
porém
sabemos como este jogo vai terminar

No amor não existe persuasão
nem dissuasão

Apenas há o momento certo
imprevisto
de amar
alguém


Ninguém comanda o coração

terça-feira, 10 de junho de 2014

De nada serve a luz do dia se nos amamos à noite






Fecho os olhos
para melhor a ver
com as minhas próprias mãos

Tenho gravado no cérebro
o seu olhar sedutor
e para melhor a ver
abro olhos em cada dedo das mãos
em cada poro da pele

Os meus ouvidos ouvem tudo o que tem para me dizer
diga-o ou não
mesmo quando em silêncio
se entrega à devassa dos meus braços
ao esquadrinhar dos meus dedos

Ademais o seu corpo ganha fluorescência de tanto prazer
e acaba por iluminar o meu

Nada mais temos para ver
ouvir
dizer
apenas e só
sentir

Senti-la
eu
a ela
sentir-me
ela
a mim

De nada serve a luz do dia
se nos amamos à noite
na doce obscuridade da mais estreme intimidade
e em silêncio
com esfuziante alegria
interior


Em transe de êxtase

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Voam versos, voam penas



Passo
por onde passo
esvoaço
como pássaro
soltando poemas
preso aos dilemas
do viver

Voam versos
voam penas
não paro de esvoaçar
quanto mais me solto
mais acabo de me prender
e enredar

A minha poesia voa
voam versos
voam penas
nas asas da fantasia
continuo a adejar
e a sofrer
ansiedade

Até um dia
poder ser eu
a voar

de verdade

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Em que alvorada irá meu espírito despertar?



Exausto
limito-me a deixar-me adormecer
sem saber
nem tão pouco me preocupar
quando
como
e aonde irei acordar

De pronto
entro a sonhar

Sonhos súcubos
coloridos
doridos
alma e corpo a guerrear

Fenómenos oníricos
pensamentos empíricos
que tento em vão traduzir
agora já acordado
enredado no insolúvel trilema
deste poema

Sou contudo levado a deduzir
que sempre que sonho a dormir
é o corpo que sonha
mas a alma
que tenta acordar

E que sonha o espírito
quando vivo
de verdade
no corpo e na alma
sonho ou realidade

Por isso anda a minha alma angustiada
a pretender saber
em que alvorada

irá meu espírito despertar

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Diz-se do ódio o que se diz da paixão



Amar
amamos pessoas verdadeiras
e inteiras

Não amamos só um rosto
um braço, uma perna, uma mão
tão pouco só um corpo, um estatuto
sequer só um coração

Amar
amamos algo de imanente
permanente e transcendente
desconhecido
distendido
que não se encobre nem disfarça
e não nos embaraça

Daí que o motivo do nosso amor
possa estar numa mulher
num homem
num ente escondido
velho, novo, doente ou são

Já a paixão não!

A paixão tem rosto
e tem corpo
tem perfume
utilidade
irradia sensualidade
gera ciúme
é obceção

Apaixonar
apaixonamo-nos por uma pessoa concreta
que em nós desperta moléculas
de vício
de prazer e atracção
ou de alienação
embora com fantasia

Pessoa que nos inquieta
nos arrelia
basta um indício
uma indisposição


Por isso se diz do ódio

o que se diz da paixão