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quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Crónicas Secretas do Afeganistão IV Implosões de poesia




IV

Implosões de poesia

Agora, sim, estou no olho do furacão!

Trespassado de medos e de angústias
Como se mil balas me trespassassem
E mil e uma explosões
Me estraçalhassem o corpo
E o seu sopro
Me esfrangalhasse
A razão

Não! Não é esta a minha terra
Que tenho eu a ver com esta guerra?

Seguro a arma com uma mão 
Com a outra calo o coração
Mas o coração não desarma

Outro humor me anima
Se o mecanismo corporal
Animal
Injecta cada músculo e neurónio
De adrenalina

Mesmo assim prefiro combater
Por minha conta e risco
De mão dada com a linda mulher
Que em Cabul comigo
Partilha esta aventura
E o mesmo perigo

Com o sangue frio por fora
E a ferver por dentro
Da emanação feminina

Não há contratempo
Que nos faça deter
Em nossa ousada ousadia
Tudo podemos perder

Estou ansioso por voltar
A Cabul
Com uma razão válida para lutar
Para lá das demais que aprouver:
 - A libertação da mulher!

Tudo que nos faz temer
Mais nos faz implodir
Em implosões de poesia


Afeganistão, Ponto GPS Mercúrio, 25082005
Brian P. Smith



Apostila:
Cumpro as missões mais ousadas que imaginar se pode. Que me obrigam a saltar de pára-quedas, durante a noite, sobre os acerados picos das inóspitas montanhas do Indocuche, a percorrer, disfarçado de burca, as ruelas esconsas de Cabul ou, como agora, a combater de arma na mão no tenebroso Vale Panjshir. 
Mas espero regressar, em breve, a Cabul. Na esperança de que me sejam atribuídas novas missões, acompanhado da linda turca que se converteu na única razão válida para que eu continue a travar esta guerra. E, com ela, lutar pela libertação plenas de todas as mulheres. Muçulmanas ou não.




terça-feira, 21 de agosto de 2018

Crónicas Secretas do Afeganistão III Namorando nas ruas de Cabul




De mão dada
Eu e minha nova namorada
Turca
Nas ruas de Cabul
Ambos vestidos de burca

Paramos à porta de Shah Muhammad Rais
O livreiro
Célebre no mundo inteiro

Não nos atrevemos a entrar
Porque para mulher afegã
Aprender a ler e a escrever é demais
E nós não estamos aaqui para namorar
Tão pouco para por vias disso morrer
Jamais

Assim disfarçados a nossa missão
Desta manhã
É militar

Mas estamos ambos tão enamorados
Que fazer sexo é um desejo enorme
E para nós tem nexo

Teremos que aguardar
Porém
Por leis e locais
Mais aprazados
Se tudo correr bem
E conforme


Afeganistão, Ponto GPS Burca, 20082005
Brian P. Smith



Apostila:
Estou em Cabul desde a semana passada, no cérebro da guerra, depois de um helicóptero Chinook me ter resgatado dos picos das montanhas. 
Muito em breve serei de novo lançado às feras, bem para o centro dos combates que decorrem lá para os lados da vila de Pushghar, no Vale Panjshir. 
Entretanto cumpro as mais doces e perigosas missões que imaginar se pode. Ao lado de uma linda cidadã turca, que também ali está, como eu, ao serviço das forças da NATO.
Terá algum efeito local a recente Resolução do Parlamento Europeu sobre os direitos das mulheres no Afeganistão? Duvidamos.
 Quem vai ganhar esta guerra e o que acontecerá a seguir? Maiores são as nossas dúvidas.
Apercebemo-nos de que a nossa mútua vontade de fazer amor é latente.




sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Crónicas Secretas do Afeganistão I nas asas da sorte



Cheguei!
Aonde?
Não sei

A um ponto GPS
Que ninguém conhece
Nem mesmo eu

Vim a salto
Nas asas da sorte
Sem passaporte
Rumo ao desconhecido
Em sobressalto contido

Liberto de afectos
E de emoções
Ou de outras tentações
Ou ilusões
Que não seja sobreviver
E cumprir a missão

E tentar
Determinar
Expedito
Que coisa sou

Se coração
Se razão
Se espírito

Tentarei dissociar-me
E manter-me inteiro e íntegro

Afeganistão, Ponto GPS Mandrágora, 09082005
Brian P. Smith

Apostila:
Somos cinco, somente. O avião que nos transportou a partir de base algures num território vizinho subiu à altitude estabelecida e nós lançámo-nos no abismo negro da noite, para pairar por largo tempo, qual fantasmas alados, apenas atentos aos “bip” do GPS que ia assinalando a posição a que nos encontrávamos.
Abrimos os pára-quedas no exacto momento em que o sistema o recomendou, para poisar, com aspereza, no local planeado. De imediato tratamos de trepar para o alto da montanha, para o local em que agora nos encontramos, já devidamente instalados, com a parafernália de armas, sistemas de comunicações e meios electrónicos de observação nocturna. Sem esquecer os meios logísticos necessários a sobrevivermos naquele ambiente hostil, durante uma semana, sem sermos detectados.
A batalha vai desenrolar-se nos vales que nos rodeiam e nós estamos ali com a missão de fornecer às nossas tropas indicações preciosas sobre as movimentações das forças inimigas.
Sente-se Ben Laden arfar por todas estas montanhas. Esperemos que não seja ele, ou algum dos seus sequazes, a perceber, primeiro, o nosso respirar.

UM LIVRO ABERTO NO DESERTO XXV – A Pátria, por fim





Não me alimentei de maná
Caído do céu
No deserto
Mas da fé que Deus me deu
Da força de viver
Que o amor me dá
Ânsia de imortalidade
Quimera de santidade

De que viveu o meu corpo já bem nem sei

Talvez de sopros de ar
Vindos do mar
Das gostas de suor
Que me caíram do rosto
Das migalhas de pão que aparei na mão
E amassei no mosto da saudade

Qual criança a sorrir
Inocente
Preparo-me agora para voltar
Ao mundo da gente
Na esperança de te encontrar, Huri
Feliz e contente
Radiante por me ver

Poder abraçar-te finalmente
É a minha maior alegria também

Retornar à Pátria
Por fim
E voltar a partir para longe de mim
É a mais bela melodia
Que a poesia contém



Daniel Monforte, Legião Estrangeira
Algures no Deserto do Sahara
 30 de Agosto de 1955


quinta-feira, 16 de agosto de 2018

UM LIVRO ABERTO NO DESERTO XXIV - Dunas de fantasia





Ando arando com os dedos a duna
Imaginando que é o teu corpo
Abandonado ao gozo langoroso da praia
À frescura da espuma rendilhada de cambraia
Agora que aí em Portugal é Verão
E aqui é um eterno inferno

Sopram, sobre mim, brisas de emoção 
Que varrem as areias
E me fazem o sangue ferver nas veias
Enquanto massajo o teu seio
Com o gel do desejo
E os teus cabelos esvoaçando
Me acariciam o rosto

Antevejo
Em ti
Igual tentação ao sol-posto
Inebriada pelo divino mosto do amor

Assim semeio sonhos e saudades
No meu coração enamorado
Que se enrolam em ondas de vento e paixão
E me levam fascinado
A surfar deserto adentro

São fantasias de Verão
Planos para quando eu voltar

Sacudo a areia das mãos
Como se fossem as toalhas
Em que estivemos deitados
Lado a lado
Estirados ao Sol

Escondo a minha dor
Por detrás das muralhas de dunas importunas
Resignado com a minha condição


Daniel Monforte, Legião Estrangeira
Algures no Deserto do Sahara
 27 de Agosto de 1955


quarta-feira, 15 de agosto de 2018

UM LIVRO ABERTO NO DESERTO XXIII - Simum, o vento





Quando menos se esperava
Simum, o vento
Varreu violento o acampamento
Por mais de uma hora

A atmosfera ficou negra
Purulenta por dentro e por fora
De pó e areia
E da mais triste e virulenta
Ideia

Num sopro
Vejo-me a voar sem corpo
Universo fora
E mais além

É o corpo que me dá prazer
E dor também
E nele me amarro ao mundo

No espírito me afundo
Não sofro
Nem gozo
Na realidade

Apenas pressinto a luz da verdade
Que me mantém desperto
Neste deserto

Simum, o vento
Vai chegar aí também, Huri
Varrendo todo o espaço aberto
Feito ciclone de saudade
A assolar o teu coração

Na minha alma ficam cavadas
Dunas de ansiedade
Revoltas pelo vento suão


Daniel Monforte, Legião Estrangeira
Algures no Deserto do Sahara
 25 de Agosto de 1955