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segunda-feira, 16 de julho de 2018

UM LIVRO ABERTO NO DESERTO III - Miragem





Um mar de areia nos envolve
Em toda a jornada

O calor sufoca

Dunas
Mais dunas
Mais nada

Depois a sede
Adrede
Ardente
O suor
O estertor

Água!
Os meus lábios febris
Pedem água

Vejo oceanos além
Além
E além

E a imagem meiga de minha mãe
A acenar

Apetece-me correr
Saltar
Para a abraçar
E me dessedentar

Sou eu que sigo na dianteira
E se algum cair
Terei que parar o levantar
Não posso desistir

Se eu desisto
Outros desistem 
E todos acabamos por perecer


(Algures no Deserto do Sahara)
 xxix-iv-mmix


domingo, 15 de julho de 2018

LIVRO ABERTO NO DESERTO II - Minha doce huri






A minha cabeça pende
A meio da vigília
Vencida pelo sono e pelo cansaço
És tu, minha doce huri
Quem a afaga
E a reclina no seu regaço

És tu que te deitas a meu lado
Desnuda
Em sonhos súcubos
De airoso encantamento

Ouço o teu chamamento mavioso 
A pedir-me que regresse à Pátria
Onde me esperam os teus braços
E fico saudoso

Desperto
Neste deserto sem fim
Sem te encontrar

Não huri
Não pode ser assim
Prefiro morrer
Morrer por ti
Aqui

Foi aqui que eu vim
Te procurar


(Algures no Deserto do Sahara)
 xxviii-iv-mmix


quinta-feira, 12 de julho de 2018

LIVRO ABERTO NO DESERTO I - Vigília







Que vigilo eu?
No topo de uma duna
Onda estática de um mar imóvel
Agora que o vento amainou
E no céu esmeralda mil luzeiros cintilam
Tão suavemente 
Que nem dá para fazer bulir um grão de areia

Apenas uma ideia
Oportuna
Serpenteia em minha mente

Os soldados ressonam
Enfiados nos sacos cama
Ouço bater os seus corações

Não sei quem são
Nem donde são
Só os conheço daqui
E só eu sei que como eu
Não vivem de ilusões
Vão para lado nenhum
Para onde o destino aprouver

São a lama da raça humana
Sem pátria, nem lar
Talvez fugidos do amor de uma mulher
Só lhes dói a saudade

São flores de Lotus
Que germinam na bruma
Como eu
Pura espuma de espiritualidade

Que vigilo eu?

(Algures no Deserto do Sahara)
 xxviii-iv-mmix


segunda-feira, 2 de julho de 2018

Tocando o burro à nora



Tocando o burro à nora

Assim era outrora
mas ainda agora se ouvia
o tilintar metálico da nora
movida sem lamento
pelo paciente jumento
que o garoto descalço
no seu encalço zurzia
se parava estático para pensar
ou simplesmente urinar

Às voltas andava o burro
o rapaz casmurro
e os alcatruzes de lata
enquanto água de prata
medrava melões e melancias
e outras sadias poesias
na horta de ao pé da porta

Era assim naquele tempo
e ainda é agora

O garoto casmurro
que ora ri ora chora
qual burro de nora
toca a roda da vida
doída de cruzes
e devaneios

Alcatruzes de luzes
que ora rodam cheios de ambição
ora vazios de desilusão


quarta-feira, 27 de junho de 2018

Sento-me de novo na mesma pedra de sempre



Sento-me de novo na mesma pedra de sempre

Dei volta à vida
mundo fora

Rodou o tempo
outro é o vento
mas nada 
ou quase nada
mudou

Volto agora
a sentar-me na mesma pedra
emoldurada de hedra
postada no recinto
da velha ermida
voltada para Poente
erguida numa colina sagrada 
da minha amada
Terra Quente

Que bem que aqui me sinto!

O mesmo Firmamento
as mesmas luarentas noites de Verão
que me marcaram a mente 
e iluminaram o coração

As mesmas estrelas
as mesmas constelações 
os movimentos de sempre

As mesmas emoções
a mesma silenciosa solidão
os mesmos sonhos
a mesma Fé
a mesma oração
a mesma ânsia de verdade

De diferente
apenas e só…
mais
e ainda mais
da mesma…
Saudade

in ANAMNESIS (1.ª Edição: Janeiro de 2016)