Seja bem vindo/a. A mesa da poesia está posta. Sirva-se. Deixe, por favor, uma breve mensagem. Poderá fazê-lo para o email: hacpedro@hotmail.com. Bem haja. Please leave a brief message. You can do so by email: hacpedro@hotmail.com. Well done.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Um beijo onomatopaico



Gostava de ser capaz de escrever
um poema sobre o beijo
apenas som

No rosto que fosse
já que o beijo no coração
é dado noutro diapasão
e tem outro tom

Conheço bem o olhar do desejo
o sorriso do amor
o gesto do abraço
o espaço do prazer
o som do beijo
quando o beijo tem som
e se não fica pelo sabor

Mas não sei como os escrever
apenas os sei descrever

Por isso gostava
de em escrita onomatopaica
os escrever, descrever e reescrever
sem sintaxes nem ilusões
para assim evitar
as inevitáveis distorções

Porque a melhor poesia é a vivida
e depois é a poesia dos sons

Dos sons do coração
das imagens
dos gestos
dos sabores

A poesia escrita é já
uma mistificação

Como se escreve então
amor
em escrita onomatopaica?

Um beijo

Pshuuuu…!

segunda-feira, 24 de março de 2014

Projecto-me no Espaço, precipito-me no Infinito



Tão confinante é o espaço
em que me é dado viver

Tão angustiante a dúvida que me aflige
que nem capaz sou de a exprimir

Tão atroz a dor que sou forçado a sofrer
sem o consentir

Tão doce e fugaz o sabor
do amor
que me é dado degustar

Tão luminosa a réstia de luz
que me é dado vislumbrar

Que me projecto
no Espaço
para lá dos limites do planeta
e das estrelas do céu

Para lá das glórias da Terra
da ilusão dos dias
das fantasias do coração

E me precipito
no Infinito
no Absoluto

na Eternidade

quinta-feira, 20 de março de 2014

Paixão





Paixão, pulsão pulsante, atração
Arte da sedução e do cortejo
É chispa radiante do desejo
Uma brasa viva no coração

Que se transforma em negro carvão
Quando com o seu triste arpejo
Porque o amor não logrou ensejo
Se apaga, com dor, sem compaixão

Sem o amor que a alma abrasa
Deixa o coração de ser fornalha
De pronto a paixão perde a asa

Estiola e arde como palha
Depois que foi carvão e rubra brasa

Vira cinza que o vento espalha

quarta-feira, 19 de março de 2014

Prenúncios de Primavera





Em fins de Fevereiro
início de Março
no declinar do Inverno

Tomo um caminho recto
de rumo poente
à hora em que o Sol se põe
olho-o bem de frente
de olhos semicerrados
para que não me fira a vista
e melhor me ilumine o espírito

Inalo o seu halo quente
a brisa afaga-me o rosto
docemente
abro bem os braços
como se abraça-lo
fosse o meu anelo
mais ardente

Já o manto verde reveste os campos
ponteado de pintas intumescidas de amarelo

Indícios de flores
promessas de amores
prenúncios da Primavera

emergente

terça-feira, 18 de março de 2014

Do fascínio do silêncio e da solidão





Há momentos, em que por momento
me fascinam
o silêncio e a solidão

Não se trata de ficar só, abandonado
fugido da aspereza da vida
alheado dos sons e cores da Natureza

Falo do isolamento interior
do silêncio do mundo
quando os ecos e cambiantes do Cosmos
anódinos
melhor se espelham e ressoam dentro de mim

Sinto-me
então
sim, só
em confronto directo comigo mesmo
eu contra “eu”

Com os olhos e os ouvidos
com todos os sentidos
e sentimentos
voltados por momentos
para dentro de mim

Falo então comigo só
e com o meu umbigo
e o mais que consigo
é não compreender nada
nada ver e ouvir para lá do “eu”

Mas é mais forte ainda assim
a minha percepção de mim
daquilo que sou
ainda que não saiba o que faço
nem tão pouco onde estou

E melhor percebo que existo
qual das ilusões eu não sou

E acredito
que bastará uma instantânea eternidade
de silêncio e solidão
bem fora deste inferno

para perceber o Eterno

sexta-feira, 14 de março de 2014

No céu não existe Deus





Imagino o céu

Sem sóis
luas
ou estrelas
sem noite ou dia
e sem poesia

Um mundo onde não existe Deus
porque só é habitado por anjos
e Deus mora em toda a parte
noutro lugar

Um lugar onde não há sexo
porque os anjos não têm sexo

Um lugar sem dinheiro
porque não há lá nada que vender
ou comprar

Um sítio onde não há felicidade
porque lá não há tristeza
nem dor
nem alegria

Um lugar sem paz
porque lá não há guerras

Um lugar onde não há verdade
porque também não há mentira

Um lugar sem luz
e sem trevas

Sem amor
e sem ódio

Um lugar aonde só conduzem caminhos de virtude
de sofrimento
e de morte

Um lugar onde só entra quem Deus quer

O único lugar onde o absoluto
e a eternidade
são relativos
porque Deus poderá ciar um novo planeta
quando menos se espera
e remeter anjos
para lá

O céu

Um lugar que só existe na Terra
e é na Terra que devemos procurá-lo
portanto

O céu


Um lugar onde eu gostaria de morar

terça-feira, 11 de março de 2014

Espelho parabólico



Uso este espelho parabólico
que é a poesia
para melhor me ver
e me mostrar
com fantasia

Para me aproximar
ampliar
distorcer
em esgares de estarrecer

Para me fixar nos olhos
e pelo olhar
tentar entrar por mim adentro

Para bafejar  o vidro da vida
com vapores de poesia
e deixar que as gotas condensadas
que poderão ser lágrimas
rimas
estimas
estigmas
poemas
dilemas
pingos de sangue do coração
escorram
deslizem lentas
até  me caírem na mão

Quando não sou eu próprio
com um dedo
a traçar no vapor
sulcos leves
livremente
percursos de sonho

e de amor

segunda-feira, 10 de março de 2014

Sem título, sem tema, sem autor





Um poema poderá não ter título
nem ter autor

Poderá não ter tema
nem falar de dor
ou de amor

Até poderá falar de tudo
e de nada
sem nada dizer
nem ser dilema
sequer

Poderá brotar de um espírito angustiado
resultar duma observação quotidiana
duma paixão meridiana
calar-se no fundo de um coração
e por ali se perder
abortado

Poderá ser só um rosnar
um ranger de dentes
um uivar de lobo
um grito de socorro
um estado de afasia
um apontar de dedo à estrela polar
um exercício de razão
uma exclamação de alegria
uma casca de ovo

Um poema poderá ser um tão-somente um olhar
um sentir
um devir
um dever
um presente
um ausente
uma emoção
uma inocente lágrima de pranto
uma folha de papel em branco

Um poema, porém, terá que ter quem o leia
mesmo que não saiba ler
nem seja leitor

Terá que ser sentido por alguém
mesmo que não tenha metro nem rima
nem tenha sentido para ninguém
nem a ninguém mereça estima

Um poema terá que ter poesia

Amém

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 20 de Abril de 2012
Henrique Pedro

segunda-feira, 3 de março de 2014

Meus poemas, minhas crias




Os meus poemas
são criaturas minhas
são as minhas crias

Que concebo e crio
por puro acto de criação
para minha recriação

Sem interferência de nada
nem de ninguém

Apenas na faculdade de criar
que o Criador
me deu
ainda que sempre as crie
para alguém

São crias vivas
aladas
feitas de ideias
de afectos
e de nadas

Que liberto ao vento
para que vivam no tempo
que é lá
que devem morar

Os meus poemas
são criaturas minhas
são de toda a gente

e de mais ninguém

domingo, 2 de março de 2014

Escrevendo na pedra do tempo



Há poetas que escrevem no vento
espalhando mundo fora
as taras e vaidades
que transportam por dentro

Outros escrevem suas mágoas
nas águas
esperando que o rio
despeje no mar
a sua tristeza

Os poetas maiores, porém
mesmo se já moram no Além
escrevem verdades
na pedra
do tempo

E afeiçoam o espaço
à força e beleza
do seu pensamento

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Mergulho fundo por mim a dentro





Nunca pretendi mudar
o mundo

Ouso ir mais além
ao mais fundo de mim

distender a vida
demover a morte
ainda assim

Vencer fantasmas do passado
quimeras do futuro
sobreviver às tempestades do cérebro
às catástrofes do coração
libertar-me da guerra e dos corifeus
da Terra

Acertar o meu tempo
pelo tempo da eternidade
e mergulhar

Lançar um laço de razão
um grito de angústia
a um ponto fixo no infinito
e com um pouco de sorte
enlaçar-me a Deus

Ainda que não saiba como nem quando
aonde irei parar
e em que tempo
do destino

Não há outro caminho
senão continuar
por mim a dentro



quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Porque sou o centro do Universo?



Já ao cair da tarde
levantou-se uma brisa suave
embalando a Natureza
e convidando plantas e animais
a adormecer

Depois ergueu-se no horizonte
a Lua cheia
resplandecente e grávida
em perseguição do Sol
enquanto este se escondia
sem se deixar apanhar
por não querer assumir
a paternidade

Então a noite caiu lentamente
a Lua abriu o regaço
e o lençol diáfano do Firmamento
polvilhou-se de estrelas cintilantes

Tudo isto eu vivo aqui na Terra
eternamente à espera
de adormecer
para poder um dia acordar
e poder então entender

porque sou o centro do Universo

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Coisas de dentro de ontem fora do tempo



Há locais
grandes
pequenos
de somenos
objectos
tempos
templos
simples ventos ou pensamentos
rostos
instantes
gritos
melodias
cheiros
sabores amargos
e doces
objectos insignificantes
risos e choros
diabruras e maldades
passos encobertos
e gestos rasgados de caridade
ou coragem
afagados pela aragem da lembrança
que passaram a entidades reais
mesmo sem peso nem medida
cinzeladas no área de imagens do cérebro
com tonalidades de afecto

São coisas de dentro de ontem fora do tempo
e da memória próxima
de dentro de mim
do meu passado
encontradas no mundo exterior
e a quem a proximidade da saudade
conferiu existência gravada naquilo sou
e já não fui ou serei
coisas de dentro de ontem fora do tempo
de entre o Alfa e o Ómega
dentro da moral e dos afectos
do Bem e do Mal


Como aquele copo de vinagre
que bebi
quando criança
e mal sabia ainda que coisa era vinho ou vinagre
que encontrei abandonado na cozinha
de  minha avó Alzira
e me soube a fel
mais amargo que a esponja com que martirizaram Cristo
agonizante na cruz
Foi um ápice de martírio o meu
um esgar de sorriso e dor
que por certo me lançou na vida dos sabores
nos reflexos por aí adiante
e me põe agora a olhar para trás
e quiçá poderá mesmo ser o garante da minha salvação

Ho!
E aquela imagem que retenho
de minha mãe a descer a escaleira da caridade
de almotolia na mão
para socorrer os mendigos andrajosos
que ousavam subir a escada da súplica
e no primeiro degrau da miséria
de lata pendurada ao pescoço
proferiam pai-nossos angustiados por alma de quem lá tem
pela santa que aí vinha
e era minha mãe que lá vinha de almotolia em riste
para que o seu triste irmão digno de dó
pudesse ter azeite para cozinhar a sua própria felicidade
e olear os pés gretados pelo pó do caminho
e reconfortar o estômago com batatas cozidas
em paga das orações doridas de verdade

E o lobo!
Recortado contra o luar de Janeiro
esfomeado
que saltava do colmo para o chão
e do chão para o colmo que cobria a manhosa cabana
armada na Casa do Seixo para guardar o meloal
capaz de me devorar o corpo e a alma
votado eu a defender o corpo
mais que a minha alma tão calma
de escopeta em riste
tão calma que me pus a pensar
se o mato serei eu o assassino
e será o lobo inimputável menino

E a indelével lembrança de cigano a fornicar cigana
na palha
de madrugada
quando eu criança
vencia a geada para ir mugir a vaca
e a desavergonhada sem se importar com nada
abria as pernas e o cigano a rugir
eu ficava parado
pasmado
sem ensejo de fugir
a olhar e a despertar
de desejo
e ficava a compreender então
a razão pela qual apenas era lícito naquele tempo
possuir mulheres virgens
embora não importasse quantas
e também porque razão as santas
o são!

E o cheiro ácido de África
que se entranhava nos corpos
e exalava suores
com sabores de sexo de guerra e de espera de paz!

Desde aqui…
parto deste meu canto
reduto de memória de muitos amores
desejos e sabores
aromas de alfazema
e de azeitona fermentada
armazenada na garagem com portas de castanho
em que meu pai guardava o velho Austin
e que fora outrora moagem
tocada pela  religiosidade e arte do velho moleiro Urbano

E calo as imagens de tantos amores
ázimos porque não tinham o fermento
do verdadeiro Amor
ainda que o amor seja ele qual for nunca deixa dor

Ante o destino frustrado
entristeço de tristeza amarga
calado
macambúzio
sorumbático
armado em vítima
esperando que alguém se apiede de mim
Talvez eu próprio
tenha compaixão de mim mesmo
e entre em contrição

Para concluir que Deus deverá ter corpo
olhos e ouvidos
pernas e braços
coração e cérebro
mas não é homem como eu
e que Cristo Jesus
apenas é Deus
a contra luz porque padeceu na Cruz

Mas se Deus tem corpo com olhos
ouvidos
pernas e braços
coração e cérebro como eu
então também eu poderei ser Deus
como Jesus a contra luz


in” Angústia, Razão e Nada” 

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Palavras danadas de nadas


Palavras danadas
de nadas
sem sentido

Poemas proscritos
ocos
vazios de tudo
plenos de nada
que nada dizem
e dizem apenas
coisas nenhuma

Ilusões

Bolhas de espuma
estouros de pipocas
ar encerrado em balões
que estouram por si
ou se acaso os toca
s simples ponta de alfinete

Palavras obscenas
cortantes como canivete
grunhidos
gemidos
sorrisos de mentes pequenas
que fogem da mão
e apunhalam o coração

Pão ganho sem suor
suor que não produz pão

Sementes estéreis
levada pelo vento
que germinam em lugar incerto
ou caiem no caminho
longe ou perto
e são mato daninho

Obras sem fé
bairros clandestinos
sem água
sem luz
fé fictícia sem alma nem tino

Sémen ejaculado sem amor
fontes de dor
Filhos nascidos por acaso
criados desamparados
ao deus dará

Palavras de nadas
danadas
sem verdade
ou utilidade

Tentação niilista
terrorismo
discurso político

Aonde
isto
irá
parar?


Terá um dia fim?