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sexta-feira, 6 de abril de 2018

O problema é que ...



O problema é que …

nem sempre soletramos a palavra paz
em paz
nem a palavra amor
com o amor que ela requer
e à palavra verdade
a interpretamos como melhor nos aprouver

O problema é que …

nem sempre amamos com o coração
quem nos ama
nem apertamos a mão
com a força devida
a quem nos estende a mão amiga
e nem sempre respondemos a quem nos chama
com a necessária prontidão

O problema é que …

apenas vemos problemas nos outros
nunca em nós
e muitas vezes nos isolamos
tentando assim vencer
a nossa própria solidão
sem darmos ouvidos a outra voz

O problema é que …

só damos quando recebemos
sem que nos apercebamos
de que
o egoísmo
é o problema


segunda-feira, 2 de abril de 2018

O cântico dos estorninhos




Em tarde de Outono
chuvoso e morno
um bando de estorninhos
negros
daninhos
canta cânticos histriónicos
pousado nos fios telefónicos
que cruzam o olival

É uma algaraviada jovial
uma sinfonia desafinada
uma balada sem tino
desmiolada

Levantam voo ao menor sinal
em torvelinho
sempre a piar
rodopiam pelo ar
e vão de abalada

Eu
pássaro sem bando
fico só
a cismar
aninhado no meu ninho
por não saber voar

in I Coletânea de Poesia 2017  da ALTM – Academia de Letras de Trás-os-Montes





terça-feira, 27 de março de 2018

As pedras de Pinetum levitam no tempo




As pedras de Pinetum levitam no tempo

 

As pedras de Pinetum levitam no tempo

apenas mudam as paredes

as pontes

as fontes

em que se concertam

os poemas que despertam

e espevitam o sentimento


Pedras alçadas em muralhas

em campos de batalhas

vias, becos e calçadas

bordejadas de mecos

e de etéreos marcos miliários

são a memória da História

 

Deslavadas pelo rio

puídas pelo vento

erguidas em ideia

areia

e cimento

são muros mudos

 

Nada dizem do futuro

próximo ou distante

falam do passado estuante

sombrio

não relatado nos anais


As pedras de Pinetum levitam no tempo

fazem eco

são sinais


Vale de Salgueiro, segunda-feira, 20 de Agosto de 2012

Henrique António Pedro




domingo, 25 de março de 2018

Mirandum Mirandela



Mirandum se foi à guerra

ficou Mirandela na terra

a carpir suas saudades

a afogar fráguas nas águas

que por entre fragas

correm, correm sem cessar

 

Qual moira encantada

mira-se ela Mirandela

nua no rio Tua

em noites de luar

à espera dalgum mirandum

que a venha desencantar

 

Mirandum se foi à guerra

à guerra do ultramar

ficou na terra Mirandela

à espera de ele voltar

 

Mirandum se foi à guerra

à guerra da emigração

mesmo livre de namorar

a nenhum mirandão Mirandela

nem por fantasia

quis seu coração dar

 

Mirandum se foi à guerra

à guerra da fantasia

ficou mirandinha Mirandela

sozinha mas desperta

à espera de algum poeta

que com sua poesia

a venha glorificar


Vale de Salgueiro, segunda-feira, 12 de Abril de 2010

Henrique António Pedro

 

 


 

quinta-feira, 15 de março de 2018

As águas do meu rio Rabaçal




As águas do meu rio Rabaçal
correm
correm
sem cessar

Vão polindo de mansinho
as duras fragas
que lhes barram o caminho

E mais aprofundam o leito
em que nunca se deitam

Como as águas do meu rio Rabaçal
que correm sem parar
assim é o dia-a-dia
da minha pura poesia

Vai fluindo sem desfalecer
polindo o meu destino
aprofundando o meu viver
por desígnio divino

As águas do meu rio Rabaçal
quando alcançam o mar
transbordam em Oceano

Eu procuro sem engano
com poemas de verdade
em mar de amor desaguar


in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)


quarta-feira, 14 de março de 2018

Crepúsculo transmontano



Crepúsculo transmontano

Por cada raio de Sol que se esvai
em cor
no horizonte
uma gota de líquido som
cai
e ecoa
na fonte

O cósmico piano
entoa
a melodia do fim do dia
a primeira estrela se acende
no céu
e a noite obscurece
com seu véu
o bíblico sertão
transmontano

E o dom da poesia
o calor do amor
enrubesce
o coração do poeta
que se liberta
em verso
e livre sonha
e voa
Universo
além

E se engrandece
no silêncio interior
também


terça-feira, 13 de março de 2018

Minha Mátria Terra Quente



Minha Mátria Terra Quente

T r á s o s M o n t e s
Terra e Povo
Pátria e Palavra

Eco vindo da origem dos tempos
sinfonia de montes
vales
e ventos

Minha Mátria Terra Quente
minha palavra ardente

Minha Mátria Terra Quente
Mirandela cidade
jóia postada no tórax de Trás-os-Montes
dependurada mundana
em colar de prata líquida
feito de Tuela e Rabaçal
vulva telúrica da imortal pátria transmontana
a escorrer em Tua de vaidade
e formosura

Mirandela cidade
provocante e bela
tronco de oliveira coroada nua
com diademas de xisto
e racimos de roseira
reflectida no espelho do Tua
e oferecida em feiras de vaidade
sob o halo da Senhora do Amparo
romaria de alegria e piedade
foguetes de lágrimas e de estalo

 in Minha Mátria Terra Quente (Ver O Verso -2005)
ilustração Dacosta

domingo, 11 de março de 2018

Assobiando aos bois no bebedouro





Aprendi com Vinícius
velho criado de servir de meu avô João
a assobiar aos bois no bebedouro
quando regressavam do pasto
ao fim do dia
depois do lauto repasto
de feno
ferrã
e grão

Que prazer era vê-los beber
em manso remanso
de beiços a beijarem a película líquida
amansados pelo meu assobio
e a olharem-me de soslaio
com seus olhos cor de mel
a dizerem-me que lhes agradava a lânguida
melodia

De novo agora ensaio
sem desdouro
com os lábios em bisel
com o enlevo
e a nostalgia
de quando menino
enquanto escrevo
esta poesia
e sorrio
do meu destino
iiuuu, iiuuu, iiuuu…

in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)



quinta-feira, 8 de março de 2018

Até parece que só neste dia é que há mulheres



Até parece que só neste dia é que há mulheres

Até parece
que só neste dia é que há mulheres

Até parece que há filhos
e mães
dores
e amores
sem elas

Até parece que a História se faz sem mulheres

Até parece que a beleza
a alegria
e a poesia
existem por uma fantasia
qualquer
sem a mulher

Até parece que o poder é macho
que o mundo é masculino
e que o viveiro da vida
não é feminino

Até parece que só há mulheres neste dia convencionado
e que elas não estão
no dia-a-dia
a nosso lado

Até parece que só neste dia é que há mulheres
e que nos outros apenas há políticas, vampes e comediantes
que não há mães, irmãs, amantes

Louvemos as mulheres de toda a condição
pois então
com amor e mil poesias
hoje e todos os dias!


terça-feira, 6 de março de 2018

A destempo no tempo da eira



Gerou-se vento
a destempo
no tempo
da eira

Que levantou palha
e poeira
lhe agitou a saia de cambraia
e lhe soltou a cabeleira

Liberta-se malsão
um putativo pensamento
sem siso
nem tino
no pino do Verão

Um desejo

A ideia
de um beijo
que serpenteia
qual pulverinho
de euforia
no coração

Lança-se em correria louca
de alegria
para detrás do palheiro

Não tarda ouve-se um grito
aflito
um esgar
de aflição
de mulher desflorada
sua triste nova condição

O choro soluçado
pelo amor primeiro
que se foi embora
feito folha solta
e já não volta
mais

Um queixume prolongado
agora

Ais
de mãe solteira
a varrer a eira
rodeada da filharada
de muitos pais

in Anamnesis- 2106


domingo, 4 de março de 2018

Minha Pátria Montanha



Minha Pátria Montanha

1

T r á s
o s
M o n t e s

Terra e Povo
Pátria e Palavra

Eco
vindo
da origem
dos tempos
sinfonia
de montes
vales
e ventos

2

Minha Pátria Montanha
Trás-os-Montes d` além
do sol-pôr atrás
de onde o Sol vem
primeiro
de afagar searas
de batata e centeio
e de acender a lareira da vida
com suor e trabalho
trasfogueiro de sonho
de ilusão tenaz

10

Minha Pátria Montanha
Monforte de Rio Livre
memória de gente boa e farta
condenada à liberdade
de trabalhar sol a sol
em verdes prados e úberes linhares
defendida pelas hastes dos bois
que retouçavam nos lameiros
assim era a vida inteira

11

Minha Pátria Montanha
meu berço de infância doirado
de que sinto saudades sem fim
bem fundo no coração
guardadas em arcas encoiradas
dentro do mítico casão
minha torre de marfim
presbitério erguido por mãos godas
convertidas
e habitado por um presbítero  guerreiro
possivelmente chamado Eurico
e que bem poderei ter sido
... eu!

in Minha Pátria Montanha (Editora Ver o Verso-2005)

quinta-feira, 1 de março de 2018

Das terras de Trás-os-Montes apartou Deus o mar



Das terras de Trás-os-Montes apartou Deus o mar

para que transmontano soubesse

que coisa é emigrar

e do lado de cá aprendesse

a força da palavra amar

e do lado de lá sentisse

que sabor tem ter saudade

 

 Das terras de Trás-os-Montes apartou Deus o mar

 um oceano de granito e xisto

 deixou em seu lugar

 para que transmontano aprendesse

 que coisa é labutar

 

 Das terras de Trás-os-Montes apartou Deus o mar

 férteis veigas de húmus

 deixou em seu lugar

 para que transmontano aprendesse

 a colher e a semear

 

 Em terras de Trás-os-Montes

 na parte mais altaneira

 criou Deus a Montanha

 com semente de castanha

 

 E na parte mais ribeira

 plantou a Terra Quente

 com ramos de oliveira

 trazidos do Oriente 

 

 in “Minha Mátria Terra Quente” (1.ª Edição Abril 2005)

Henrique António Pedro




sábado, 24 de fevereiro de 2018

Quereria morrer e ressuscitar


Sei que vivo
porque me angustio

Sei mais que me angustio
porque nenhum desejo
nenhum pensamento
nenhum sonho eu determino

Talvez apenas o sopro com que agito as pétalas de um flor
para espalhar 
no ar 
o seu perfume
e o meu amor

Mas tudo acontece em mim de forma irreflectida
mas tudo gostaria de ser eu a controlar

Queria ser capaz de parar o coração
e o cérebro
e continuar a pensar 
a viver
e a amar
a única forma de me libertar

A doença da morte é o sofrimento maior
o desafio maior que o homem enfrenta
e que só pelo amor
poderá vencer

Quereria morrer e ressuscitar como Jesus Cristo
e trazer de volta o meu testemunho
o meu humano registo

No mês de Junho
já em plena Primavera
sem ter ninguém à minha espera