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quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Auuuuu…Auuuu…Auuuuu...



Dedicado aos meus cães
seus pais e suas mães
solto um triplo latido
sentido
em verso prosaico
disperso
onomatopaico

Auuuuu… auuuuu… auuuuu!

Talvez preferissem que esta poesia
tivesse forma e substância de osso
mas não duvido
que quando pressuroso
lhes assobiar este poema
com jactância
me ouvirão com atenção
orelhas espetadas
abanando o rabo
sentados no chão

E também eles latirão
com alegria
quando eu terminar

Auuuuu… auuuuu… auuuuu!

Muito tenho aprendido eu
com o meu irmão
cão

Encanta-me a sua afectividade
a sua lealdade
a sua disponibilidade
a sua ternura
a sua bravura
e a sua liberdade

Oh, como eu gostava de ser como eles
forte e livre!

Poder correr
sem tino
atrás das aves
e sem me perder
como quando menino

Dormir ao relento sem me constipar
poder fazer sexo
livremente
à vista de toda agente
sem complexo

Uauuuuu…

isso não…é só mesmo de cão!

Ficar enleado
com minha amada
em prolongado amplexo
e latir, latir, latir
até me fartar

Auuuuu… auuuuu… auuuuu!

Não fora o caso de ter que ter dono
de ser deixado ao abandono
ou de outra maior selvajaria
chego mesmo a pensar
se não valeria mais ser cão
que um vulgar cidadão
a quem na actual democracia
nada adianta ladrar

Vale de Salgueiro, 14 de Fevereiro de 2008
Henrique Pedro


terça-feira, 12 de novembro de 2019

A canção de amor de Dores Roha




Apenas tu ser amado
não duvido
tens a ver com a felicidade
que vivo a teu lado

Se me assalta a angústia da separação
qual vento desalmado
te digo do fundo do meu coração
o sofrimento que adviria
nada teria a ver contigo

Porque ninguém ama por obrigação
ou continua a amar
por gratidão

Depende de mim continuar
a apertar as tuas mãos
e de ti continuar a beijar
com teus lábios os meus
mas é no amar e desamar
que mais dependemos de Deus

Não deixaria de te amar
nem que te afastasses de mim
ainda que o amor fosse então
uma saudade sem fim

henrique pedro, in Códice da Pátria Luanca (Ver o Verso Edições, 2006)

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Falar de amor por falar




Apraz-me falar de amor por falar
despreocupadamente
seja com que mulher for

Madura
balzaquiana
adolescente
mundana
casta
beata
rameira de vida indevida
casada
solteira
ou simplesmente nubente

Estando apaixonados
ou nem tanto

Enamorados pela vida e pela verdade
com o encanto do vento
que sopra tal encantamento
por nós a dentro
sem nos causar ansiedade

Em tarde morna de Outono
ou em dia tórrido de Verão
enquanto tomamos chá
café ou laranjada numa esplanada
ou à lareira para espantar o sono
sem outra condição
que não seja misturar amor, arte e fé

Passeando à beira mar de mãos dadas
mesmo sem nada dizer

Ou deitados desnudos
na praia
na cama
ou em qualquer outro lugar

Assumida que seja entre nós
a uma só voz
a inocência cristalina de ser o amor
a razão única que nos anima

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 9 de Dezembro de 2009
Henrique Pedro

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Melopeia nupcial





Ouvi
de um sibilino espírito de virtude
que etéreo habita o mítico templo do conhecimento
esta sábia sentença, que assumi como fadário:
«Só o fogo do amor vence o frio da vida terrena
mantém o corpo ágil e livre do envelhecimento torpe
e rasga com luz a sombra da noite da morte.»

Deitei-me nu
com a minha amada desnuda
virgem
imaculada
em alvos lençóis de linho cru
da cor da geada
em noite escura e fria de Inverno
à procura do fogo eterno
da felicidade

Logo ao primeiro beijo se inflamou o desejo
como se beberamos vinho
e os lençóis tecidos de áspero linho
se converteram em fina e rendilhada cambraia
e os corpos enlaçados em suave movimento
se iluminaram na obscuridade do aposento
da mais doce e sublime luminosidade

Acendeu-se a chama do amor no frio da noite escura
almas envoltas em vapor de ternura e paciência
sublime ignescência do fogo que arde e não queima
felicidade que não tarda e perdura
por tempo indeterminado

E os alvos lençóis de linho da cor da geada
transformados logo ao primeiro beijo
na mais fina e diáfana cambraia
ficaram rendilhados por fios do meu sémen quente e incolor
e pela cor carmim do sangue rosa da minha amada 
produto do nosso amor e desejo ardente

E o fogo do amor daquela noite de núpcias sentida
gravou para sempre nas nossas almas e mentes 
com fios de ternura, sémen e sangue rosa carmim
o destino e boa sorte que perdura pela vida
e que assim sobrevirá feliz para lá da morte


Vale de Salgueiro, 18 de Novembro de 2007
Henrique Pedro

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Amor de Outono




Perde o Verão o entono da paixão
a partir do nono mês
quando o Outono sazão
faz valer o brilho
da sua palidez

As andorinhas
ladinas
rumam para sul
o silêncio tomba no paul

O rebanho deserta
da sombra do negrilho
onde dormia a sesta
em busca de erva tenra para tosar
nos campos já a verdejar

Diga-se
em abono da verdade
que o Outono
com sua morna cor
é uma festa
com bandos de folhas de esquecimento
a voarem pelo ar
tocadas pelo vento
da saudade

É tempo de sonhar
sonhos mornos de amor
doce forma de amar

Vale de Salgueiro, segunda-feira, 24 de Setembro de 2012
Henrique Pedro


terça-feira, 17 de setembro de 2019

Estrela do poeta e do pastor.




Quando o Sol se põe e muda de posição
deixando atrás de si um resplendor alaranjado
que se desvanece e me deixa extasiado
enquanto o céu escurece
e a Terra se encobre de escuridão


Já a Lua brilha cristalina
já se acende a estrela  vespertina 
a estrela do poeta e do pastor
depois outra após outra marchetando o Firmamento
que por fim se ilumina
de um cerúleo polimento mais abrangente

Nenhuma ideia brilhante
nenhuma palavra redundante
uma rima sequer de dor ou de amor
indiciam poemas na minha mente

Nem eu tristonho me predisponho a poetar
assim mergulhado na soledade do fim do dia
extasiado com a serenidade da contemplação
sob o olhar da Lua que em silêncio percorre o céu
e me olha
como se estivesse ali postada
ela sim
para a mim me contemplar
e cobrir com o seu véu

Mas eu não tenho dilemas
penas para espiar
ninguém para namorar
nada de poemas
um verso que seja para escrever 
apenas sinto solidão


Nada à Lua posso dar
nada a Lua me oferece
à Lua nada pedi

A poesia acontece por si
mesmo sem inspiração
Vale de Salgueiro, quinta-feira, 20 de Maio de 2010
Henrique Pedro

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Na contramão do mundo





A minha vida e o meu mundo
são o mundo e a vida dos outros

Sinto o que os outros sentem
ou me dizem sentir
ver e ouvir

Sonho o que os outros sonham
ou dizem sonhar
acreditar
duvidar
mesmo se a mim nada me contam

Tudo que relato e escrevo
sem maldade
é o que os outros me dizem
mesmo se comigo não condizem
a ninguém eu delato

E tantas são a minhas dúvidas e fraquezas
o meu medo de sofrer
o meu desejo de amar
tão raras a minhas certezas
que em boa verdade
ando no mundo sem vaidade
por ver os outros andar

Por onde andei antes de nascer não sei
nem imagino sequer
tão pouco sei para onde irei quando morrer
ando no mundo por ver os outros andar 
não passo dum vagabundo

Por onde andam os outros?
alguém me sabe responder?

Mergulhado na ilusão da luz da salvação
ando na contramão do mundo
e em meu sentir
só mesmo Cristo Jesus
me  poderá redimir

Vale de Salgueiro, domingo, 29 de Julho de 2012
Henrique Pedro

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

No imo de mim




No silêncio absorto de meu cérebro
no sopro sáfaro de meu coração
o meu “eu”
é ainda embrião

No âmago do meu corpo
ébrio
a minha alma se acomoda
e se acalma

No imo de minh'alma
o meu espírito
espreita

O corpo me prende à Terra
ao Cosmos
e aos meus
a alma me liga ao Além

O espírito me envolve
e devolve
a Deus


Vale de Salgueiro, sábado, 1 de Setembro de 2012
Henrique A. Pedro


in Introdução à Eternidade (Outubro de 2013)

terça-feira, 20 de agosto de 2019

E a si, que lhe diz este poema?




Escrevo este poema deliberadamente
sem nada ter em mente
sem ter nada que dizer
e sem querer dizer nada

Eu não quero dizer mesmo nada
tão pouco nada desdizer

Escrevo-o por escrever
não por inspiração ou frustração

Escrevo este poema só para dar o prazer
de ler o que lhe apetecer
a quem o quiser ler

Só para lhe dizer o quanto podemos dizer
sem dizer nada
ou nada dizer

Este o dilema!

Este poema a mim não me diz nada
mesmo nada
nada me diz
diz-me nada

Mas será que se este poema a mim nada me diz
já me estou a desdizer?

Que lhe diz, a si, este poema
ainda assim?

Muito
pouco
tudo
ou nada?

Se a si muito lhe disser
mais a mim me há-de dizer

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 3 de Junho de 2010
Henrique A. Pedro

quarta-feira, 24 de julho de 2019

WC



Muitas ideias deslavadas

surgem-me na casa de banho

no vulgo wc

enquanto me lavo, afeito, barbeio e amanho

ou faço coisas menos perfumadas

já se vê

 

Quando me vejo ao espelho

e reparo que um certo “eu” me olha olhos nos olhos

poético

patético

calado

ensaboado

ou quando me dou conta que mais um cabelo caiu

ou que uma nova flor de ruga floriu

 

Há pensamentos que batem no vidro

e se reflectem em retorno

como se de meras imagens se tratasse

e vêm refractar-se em mil cambiantes de angústia

no espelho embaciado da minha alma

 

Mas quando alguma ideia mais angustiada

cheira mal que tresanda

ou me causa dor

lanço mão do vaporizador

e purifico o espírito e o ar

com borrifos de lavanda

 

Como se vê

até no wc há lugar para a fantasia

quando se tem a alma inundada de poesia

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 13 de Novembro de 2008

Henrique António Pedro

 

sábado, 20 de julho de 2019

Ora abóboras…




Este poema sensaborão

é a primeira abóbora que despontou na minha horta

neste Verão

 

Que eu ofereço com alegria aos deuses da poesia

para que jamais me falte a inspiração

para cozinhar

saborosas sopas de versos

 

É uma abóbora amarelada

rechonchuda

com um pequeno pedúnculo que o ligou à erva mãe

para se alimentar

e que agora apenas serve para se lhe pegar

 

Assim sendo nem os mais perversos se atreverão a dizer

que este poema

não tem ponta por onde se lhe pegue

 

Até porque também tem o coração repleto de sementes

as pevides

que depois de secas e de novo lançadas à Terra

irão reproduzir novos poemas

com que se poderão cozinhar

novas saborosas sopas de poesia

 

A primeira abóbora que despontou na minha horta

neste Verão

é este poema sensaborão que só não aplaudirá

quem não gostar de sopa de abóbora

ou não perceber pevide

de poesia

 

Ora…

abóboras

  

Vale de Salgueiro, terça-feira, 16 de Junho de 2009

Henrique António Pedro

 

sábado, 29 de junho de 2019

Cantar de encantar a pedra



Não me consta que houvesse
mestre maçom
por mais iluminado
que de porpianho mais soubesse
que o pedreiro Justiniano
embora ele não fosse
nem crente nem ateu

Encantado ficava eu
ouvindo o mestre canteiro
cantar à cantaria
que ele próprio esquadrou
nas fragas do inóspito 
e sombrio quadraçal

Ei pedrinha ou…
ei pedrinha ou…

E o tosco bloco de granito
mais pesado que a cruz de Cristo
deslizava enlevado
por via da magia
do laico cantochão

Leve como a água de poesia
que então se vertia
na cabeça do neófito
na pia baptismal
em busca da salvação

Ei pedrinha ou…
ei pedrinha ou…

in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)

A mulher é mais mulher…



Poderá a mulher que me encanta
ser santa
cientista
poeta
analfabeta
actriz
feliz
infeliz
artista
heroína
grande ou pequenina
governante
amante
capitalista
proletária
revolucionária
ou o que calha

Poderá a mulher que me atrai 
ser um amor
seja ela qual for
e amar alguém
rir ou chorar
ou mesmo nem a ninguém amar

A mulher é mais mulher
porém
quando ama o homem
e é mãe

E o homem é mais homem também
quando ama a mulher
e é pai


Vale de Salgueiro, quarta-feira, 12 de Agosto de 2009
Henrique Pedro

quarta-feira, 26 de junho de 2019

AQUI…







Aqui, cume do monte dominante
De um reticulado curvilíneo
De colinas moldadas no fascínio
Da alma do poeta diletante

Aqui, nasceu, em mim, a poesia
Pela magia do amanhecer
Com reflexos de fé e bonomia
Que também brilham ao entardecer

Aqui, sempre me quedo, radiante
À hora que o Sol se põe, sanguíneo
Por detrás do horizonte distante

Aqui, face ao Mundo a sofrer
Ao Senhor dos Aflitos eu pedia
Não deixasse, Ele, de lhe valer…

Vale de Salgueiro, domingo, 10 de Agosto de 2008
Capelinha do Senhor dos Aflitos (Alto da Serrinha)
Henrique António Pedro

domingo, 16 de junho de 2019

Nasci nu



Nasci nu
e descalço
num dia de Dezembro frio se bem lembro
sem anéis como os filhos dos reis
apenas agasalhado pelo amor de minha mãe
que me vestiu com a roupa que Deus lhe deu
graças a Deus

Nasci nu
sem percalço
com pernas para andar
braços para abraçar
pulmões para respirar
cérebro para reflectir
e coração para me emocionar

Ainda criança
aprendi com as pernas caminhar
com os olhos ver
com os braços abraçar
com coração sentir
e com todo o meu ser
a sofrer, a amar, a ter esperança e a acreditar

Ainda não parei, porém, de aprender
mas já deu para perceber
que dor e amor são pétalas e espinhos da flor
da verdade

Esta é a imagem que guardo da vida
no mais fundo do meu ser
é o sentido do meu viver

Um dia me despedirei do mundo
para renascer
com a alma cheia de amor
e o espírito pleno de eternidade

Vale de Salgueiro, 15 de junho de 2019