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segunda-feira, 12 de junho de 2023

CHARLOTTE (Os sofrimentos do jovem Werther)

 


CHARLOTTE

(Os sofrimentos do jovem Werther)

 

Na fase mais romântica da minha vida

Em plena alvorada da minha afirmação social

No amor como em tudo

No bem e no mal

Todas as minhas opções de futuro

Devidas e indevidas

Eram romanescas e puras

 

Aquele amor era mútuo

Tão profundo e desmedido

Quanto louco e imprevisível

Mas… oh mor crueldade!

Dolorosamente impossível!

 

Eu descobria o Wherther de Goethe em mim

Ela a Charlotte nela percebia

Eu sofria e ela também sofria

Porque esta minha Charlotte

Com idêntico amor me correspondia

 

Forçados pelas circunstâncias

Acordamos que cada um nós

Calaria aquele amor dentro si

Deixando que o fogo da paixão

Ardesse lentamente no segredo do coração

A coberto de toda a gente

Sem outro confidente

Nem o mais leve grito de razão

 

Assim nos vingaríamos do destino

Das mentalidades sem tino

E da cruel sociedade a quem repugna a verdade

 

Parti sem lhe dizer adeus

Para fugir à dor da despedida

Por não suportar a saudade

De a saber e sentir ao pé de mim

De a amar sem o poder

Nem tão pouco a poder ver

Entristecida

 

Afastado de Charlotte desde então

Vá eu para onde for agora

Lá está ela

Sempre

A arder na minha lembrança

E como eu a sofrer calada

Resignada

Um amor que a ambos consome

Cada vez mais ardente e silente

Mas que ninguém mais pressente

 

Sofro os mesmos sofrimentos do jovem Wherther de Goethe

Mas não cometerei suicídio

 

Embora maior martírio do que assim morrer

É sentir Charlotte a sofrer

Do mesmo amor

A viver uma vida de dor

 

Aborrida

 

Henrique António Pedro

Vale de Salgueiro, 4 de Março de 2008


terça-feira, 30 de maio de 2023

POEMAS DA GUERRA, DE MIM E DE OUTREM (A monção não traz a paz)

 



POEMAS

DA GUERRA, DE MIM E DE OUTREM

 A monção não traz a paz)

 

Hoje

Não fui ver o pôr-do-sol

Não se ausentou a guerra de meus olhos

Nem senti que no céu lilás

Surge sempre um novo dia

 

Caminhei

Mais agitado que o vento

Que raivento varre a terra

Como se sua vontade de paz

E de amar

Fosse maior que a minha

 

...minha vontade amar é um ar assim raivento!

 

Hoje

Não fui ver o pôr-do-sol

Não se ausentou a guerra de meus olhos

Nem senti que no céu lilás

Surge sempre um novo dia

Vi que a monção não traz a Paz

 

...a monção não traz a Paz!

 

Caminhei

Mais agitado que o vento

Que raivento varre a terra

Minha vontade de amar

E de paz

É um ar assim raivento

 

...a monção não traz a Paz!

...a monção não traz a Paz!

...a monção não traz a Paz!

  

Nangade (Cabo Delgado-Moçambique), 28 de Outubro de 1972

in Poemas da guerra, de mim e de outrem (Editora Piaget-2000)


domingo, 28 de maio de 2023

POEMAS DA GUERRA, DE MIM E DE OUTREM (Dia de Correio)

 


POEMAS DA GUERRA, DE MIM E DE OUTREM

(Dia de Correio)

 

Amanhã é dia de correio

E de teu seio

Saíram já

Por certo

Mil saudades escritas

Que em mim provocarão doces variações arteriais

E por demais belo será o sossego

Quando tiver lido

E sorrido

Da distância infinita que as cartas venceram

Para de ti trazerem palavras vivas

Desejos

Promessas

Saudades impressas

Em pedaço de papel fechado

No qual com amor colaste um selo

... E mil beijos

 

Mueda (Cabo Delgado-Moçambique), 21 de Janeiro de 1971

Henrique António Pedro


sábado, 27 de maio de 2023

Poemas da guerra, de mim e de outrem ( Agora)

 


Poemas da guerra, de mim e de outrem

Agora

 

Sou folha solta em seio de tempestade

Ramo verde em outono agora

Procuro lagos onde germinar

E apenas vivo

Em marés de imaginação

 

Sou ave velha que não cede

E nem sente a tempestade

Árvore nova que teima em ter razão

De raízes erguidas ao céu

 

Sou alguém que caminha pela noite

Sempre à espera

De ver

Vir

O Sol

 

Quero amar

Não quero a guerra

Ainda que amar não seja a paz

 

Nangololo (Moçambique, 21 de Dezembro de 1972)

Henrique António Pedro

in Poemas da Guerra, de Mim e de Outrem (Ed.: 2000)


quinta-feira, 25 de maio de 2023

POEMAS DA GUERRA, DE MIM E DE OUTREM (Todos somos a um tempo bons e maus)

 



Todos somos a um tempo bons e maus

 

Os aviões rasam a floresta

Alongados de velocidade

E com a raiva própria

De quem não sabe

Aonde é o infinito

 

E na quietude do cair da tarde

Caiem bombas

Que ferem o silêncio

De quem esperava coisa nenhuma

Àquela hora morta

Para quem acaba de morrer

 

Mesmo assim daremos as mãos

Todos somos a um tempo bons e maus

Todos somos irmãos

 

E pelos trilhos apertados

Há feros guerrilheiros

Transportando silêncios

Granadas e morteiros

Que cavam buracos no ar

Como se estivera ali a paz sepultada

 

E a saudade dos homens é interrompida

Por estampidos dirigidos

Inacreditados

Que podem muito bem vir a ser

Notícia amarga

 

Mesmo assim daremos as mãos

Todos somos a um tempo bons e maus

Todos somos irmãos

 

 

Mueda (Cabo Delgado), 10 de Fevereiro de 1972

Henrique António Pedro

in Poemas da Guerra, de Mim e de Outrem (Ed.: 2000)