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terça-feira, 18 de junho de 2024

Ao deus-dará



Adrede

caminho a esmo

 

Deixo que seja o vento

a traçar-me o caminho

a tecer a rede

a tramar-me o destino

 

Avanço

assim mesmo

sem rumo

 

Ora por veredas que caiem a prumo

nas arestas da montanha

ora em terreno plano

 

Interno-me na floresta

do que me resta

de espírito lhano

 

A minha alma não sei por onde anda

à minha vontade

tanto se lhe dá

 

Caminho por aí

sem sair daqui

nem por ir além

 

Ao deus-dará

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 14 de Outubro de 2010

Henrique António Pedro

In “Anamnesis” (1.ª Edição: Janeiro de 2016)

 

 

 

domingo, 16 de junho de 2024

E se Deus não existir?!


E se o homem não tiver sido criado

por Deus não existir

como creem os ateus?

 

Então

se pelo Cosmos tiver sido gerado

em cataclísmicos espasmos e pasmos

estará em apocalíptica gestação

um deus universal e eterno

senhor do céu e do inferno

ainda assim

 

E se esse deus sair do seio da Humanidade?

 

Se tal deus for assim…

um jogador de futebol

ou um nababo do petróleo?

 

Talvez…

um guru das finanças

um comediante

um político

um ilusionista?

 

E porque não uma deusa

uma cantora pop

uma estrela de cinema das revistas cor-de-rosa

retocada pela magia do Photoshop

loira

glamorosa…?

 

Em tudo isso terei relutância em acreditar

por mais cidadania que a Democracia proclame

por mais benefícios fiscais que me prometam

por mais partículas que a Física descubra

por mais genomas que a Biologia desvende

por mais loucuras que me acometam

por mais curas que Psiquiatria garanta

por mais luz que a Física Quântica induza

por mais…

que a minha brilhante mente reluza

 

Porque um deus assim não seria princípio

mas seria apenas fim

não seria um deus criador

mas somente um deus destruidor

 

Quando muito

darei o benefício da dúvida a um deus poeta

 

Poderei acalentar a esperança

de que o Universo tenha sido criado por mim

inadvertidamente

sem o saber

ao correr da pena

 

E sempre poderei corrigir o mundo

e a Humanidade

já no próximo poema

apagando tudo que é dor

 

Oh! Não! Poeta sim. Apóstata não!

 

Se Deus não existir

então

adeus amor

 

Vale de Salgueiro, sábado, 8 de Novembro de 2008

Henrique António Pedro

 

sexta-feira, 14 de junho de 2024

A Deus só agradeço as cerejas

 


O bom Deus vai ficar descoroçoado comigo

pela certa

mesmo zangado

talvez

mas eu só Lhe agradeço as cerejas

a Sua mais saborosa dádiva

agora que é tempo delas

 

Já O imagino a interrogar-Se e a questionar-me:

«Sou tão generoso contigo e tu só me agradeces as cerejas,

tu que até nem vives à míngua?!»

 

Mas eu, que tenho a resposta estudada na ponta da língua

respondo de pronto, sem ponta de aleivosia:

«Mais generoso sou eu, Senhor, que não Te pedi nada

e ainda assim Te agradeço as cerejas»

 

Mas Deus

como Ser infinitamente inteligente e bom que é

vai perceber que eu, para lá do Amor

que também é da minha responsabilidade

e depende mim

apenas agradeço aquilo de que gosto de Verdade

 

Na esperança de que Ele apenas me dê

coisas do meu agrado

já se vê

embora a minha fé

sem favor

vá muito para além de cerejas e palavras

 

Assim sendo

sou eu que a todos os poetas peço, entusiasmado

independentemente das igrejas

que louvem ao Senhor em seus poemas, com alegria

a dádiva da poesia

porque se os poemas são amores

é porque as ideias são como flores

e as palavras são como as cerejas

 

Louvado seja Deus!

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 5 de Junho de 2012

Henrique António Pedro

 

 

 

sexta-feira, 7 de junho de 2024

Em matéria de amor vou mais além



Nesta vida

na outra

noutras mais

se mais houver

 

Em matéria de amor

vou mais além

 

Guio-me por outra via

 

Procuro a verdade na poesia

ansiedade de eternidade

da minha alma razão de ser

 

Na calma desperta do meu viver

que releva a paixão

odor que o Espírito liberta

Amor Apocalipse

Amor Revelação

 

Vale de Salgueiro, domingo, 28 de Novembro de 2010

Henrique António Pedro

 


sábado, 1 de junho de 2024

E um dia simplesmente nasci

 


Não me lembro do acto em que nasci

do parto de minha mãe

nem por quem

fui assistido

 

Tão pouco sei se gozei

sofri

ri ou chorei

muito menos donde vim

da razão de assim ser

e de estar aqui

por ou sem querer

 

Quanto depois disso já vivi

sofri e amei

eu recordo

ainda assim a vida me sorri

nada tenho que esquecer

de nada eu discordo

 

Ah!

 

Mas gostava de me lembrar

do espírito que fui e veio encarnar

no ventre da minha mãe amada

no tempo e no espaço encantado

onde com tanta alegria

desabrochei em poesia

 

Gostava, sim, de me lembrar

de tudo que se passou

do que fui e do que sou

sem fantasia

 

Gostava mais de saber

do que ainda vou viver

mesmo depois de morrer

na esperança de não mais sofrer

o que já sofri

já se vê

 

Mas não!

Apenas sei que um dia

sem que saiba porquê

simplesmente nasci 


Vale de Salgueiro, quarta-feira, 26 de Setembro de 2012

Henrique António Pedro