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segunda-feira, 13 de julho de 2020

A monção não traz a paz









Hoje
Não fui ver o pôr-do-sol
Não se ausentou a guerra de meus olhos
Nem senti que no céu lilás
Surge sempre um novo dia

Caminhei
Mais agitado que o vento
Que raivento varre a terra
Como se sua vontade de paz
E de amar
Fosse maior que a minha

...minha vontade amar é um ar assim raivento!

Hoje
Não fui ver o pôr-do-sol
Não se ausentou a guerra de meus olhos
Nem senti que no céu lilás
Surge sempre um novo dia
Vi que a monção não traz a Paz

...a monção não traz a Paz!

Caminhei
Mais agitado que o vento
Que raivento varre a terra
Minha vontade de paz
E de amar
É um ar assim raivento

...a monção não traz a Paz!
...a monção não traz a Paz!
...a monção não traz a Paz!


Nangade, 28 de Outubro de 1972
in Poemas da guerra, de mim e de outrem (Editora Piaget-2000)






quarta-feira, 24 de junho de 2020

Maria Soledade





Maria Soledade

in Mulheres de Amor Inventadas (1.ª Edição, Outubro de 2013)

 

Marcámos encontro para o sítio de sempre
embora de antigamente
num banco de jardim à beira do passado
que 
como sempre

embora antigamente
se encontrava desocupado

Ambos na ilusão de que voltaríamos a passear de barco

abraçados
como cisnes enamorados

Eu

ansioso

julgava reconhecê-la em cada transeunte

que se aproximava
e que tentava reconhecer-me

Ela

ainda assim

já se encontrava sentada no banco ao lado
há tanto tempo quanto eu
sem que eu a tivesse reconhecido a ela

nem ela a mim

Eu escutava

sim

os seus pensamentos
que eram eco dos meus

Mas não!


Não era ela aquela que eu amei
ela não era aquela que me amou
eu não era aquele que ela amou
nem eu era aquele que a amou a ela

Acabámos por voltar a partir
sem sequer sorrir
como se nem um nem o outro
tivéssemos comparecido ao encontro

Embora continuássemos convictos
de que ainda nos amávamos

Como sempre
embora antigamente


Vale de Salgueiro, sábado, 23 de Maio de 2009
Henrique António Pedro


segunda-feira, 22 de junho de 2020

Valquíria Sigrdrifa




Sinto-lhe o sopro
Finjo-me morto

Beija-me a pele
Besunta-me de fel

Beija-me os pés
Para mos decepar

Beija-me as mãos
Rói-me os dedos
Rouba-me os segredos

Beija-me os ouvidos
Para me ensurdecer

Beija-me a boca
Para me emudecer

Beija-me o sexo
Para me capar

Beija-me o coração
Exangue
Chupa-me o sangue

Beija-me os olhos
Para as lágrimas
Me sugar

Beija-me a face
Para me desfigurar

Está escrito
Resisto

Beija-me de morte
Sem me matar

Quer-me vivo
Nem morto nem vivo
Seu quero ser

Vá para onde eu for
Sigrdrifa me persegue
Com ardor

Beija-me a alma
Sugar-me o espírito
Não consegue

Sou um guerreiro invicto
Jamais um proscrito

In “Mulheres de Amor Inventadas”
Vale de Salgueiro, terça-feira, 10 de Agosto de 2010
Henrique Pedro



segunda-feira, 25 de maio de 2020

A feia bonita Beatriz




Uma feia bonita
mulher ultriz
é raiz
deste poema
contrito lamento
feérico fonema

Suspeitava que Beatriz me amava 
mas eu não sabia
o que comigo se passava

Tonto
disse-lhe que a achava feia

Era só meia verdade
a outra meia
era que muito a estimava

Mas a ultriz Beatriz 
de pronto
me fez a vontade

Nunca mais me olhou
nem me procurou
e o meu coração mergulhou
na mais cruel ansiedade


in Mulheres de amor inventadas (1.ª Edição, Outubro de 2013)


quinta-feira, 21 de maio de 2020

Não tapem os buracos da minha rua





Não tapem os buracos da minha rua
que eu quero ver 
neles reflectidos
o Céu
o Sol
as Estrelas
e a Lua
sempre que chover

Quero ver as nuvens a passar
empurradas pelo vento
e viajar com elas
em pensamento

Que eu quero ver
da minha janela
por detrás da vidraça
os salta-pocinhas
videirinhos
os pisa flores
a saltar de pedra em pedra
tão cheios de graça
e cautela
que acabam por pisar
na merda

Quero ver as damas emproadas
vaidosas de tanto asseio
a pavonear-se no passeio
ciosas da sua fama
serem salpicadas de lama
se algum carro passar
a alta velocidade
sem lhes ligar

Que eu quero poder manter
a irreverência de criança
e sorrir
com a esperança
de que a Humanidade
acabará por banir 
a hipocrisia
e governar-se pela Verdade

Quero eu poder viver a vida
com poesia
sem forçar o destino
e tornar a ser menino
sempre que me aprouver


Vale de Salgueiro, domingo, 14 de Março de 2010
Henrique Pedro

sexta-feira, 15 de maio de 2020

O dedo do vírus



Filósofos
Pensadores
Poetas
Profetas
Políticos
Cientistas
Santos e sacristas

Com seus génios
Fizeram história por milénios

Moldaram a Humanidade com amor
Mentira e verdade
Ódio e paixão
Paz e guerra
Por toda a Terra

Domarem instintos
Enalteceram virtudes
Ergueram a Civilização
Insana

Agora
Um vírus invisível
Incontido
Unha de um dedo desconhecido
Da mão escondida do diabo
Instrumento do pecado
Destroça a Humanidade ensandecida

Vale de Salgueiro, 10 de Maio de 2020
Henrique Pedro