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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Apenas angústia e lágrimas para partilhar



Quando
e onde nasci
mum pequeno mundo rural
do Portugal
implantado na  Europa
por engano
ainda se bendizia a Deus
pelo pão de cada dia
se benziam as colheitas de cada ano
e se celebrava o seu sucesso com alegria

Porque se sabia quanto custava
andar um ano inteiro a mourejar
ao sol ardente
à chuva
ao frio
e à geada
para se conseguir o sustento
um naco de pão que fosse
arado, semeado, ceifado, malhado, moído, amassado, cozido
partido e repartido
com dor
amor
e suor
à força da enxada
e do timão

Mergulhou-se depois num mundo fácil
de frágil
e fugaz ilusão

Com demasiada gente que deveria chorar mas que cantava
e ria
por tanto ter que esbanjar
que adorava os falsos deuses que lhes punham a mesa farta
e do mundo da miséria os apartava
mas lhes encondia a verdade

Agora
são milhares os seres humanos que não têm que comer
nem deuses a quem agradecer
e que apenas têm lágrimas
para partilhar!

Mais a angústia de não saber que fazer

Agora
mais do que nunca

tem sentido a palavra solidariedade

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Qual o destino dos sentimentos?



Qual o destino dos sentimentos
sobretudo dos afectos mais fortes
dos maiores amores
ódios
rancores
sobretudo daqueles que não dirimimos
e nos fazem andar dias e dias a sofrer
noites e noites sem dormir?

Acontece-lhes o mesmo que às pétalas inúteis das flores
que empalidecem até secar
com o perfume a diluir-se até deixar de ser aroma
e pés e espinhos a apodrecer
até deixarem de magoar
e de fazer sofrer

Mas não são lançados à terra
nem se transformam em húmus
não se reciclam em novas flores
em novas pétalas
novos espinhos
novos ódios
novos rancores
novos amores
novos perfumes

Convertem-se em inócuas lembranças
que o tempo lentamente faz atenuar
até acabarem por entrar em torpor
e definitivamente
se esquecer

Para que o espírito se possa
revelar
em amor
o destino dos sentimentos é se desvanecer

até morrer

quinta-feira, 31 de julho de 2014

O futuro do rio é o mar



Sobrevoo
vales velados de nuvens
por onde corre o rio
do destino
sendo certo que o seu futuro
é o mar

Acima de mim
o céu

Pesado
plúmbeo

De chumbo

Não rio
nem ouso pousar
em nenhum lugar

Assim vou continuar a voar
até me diluir
com poesia
numa gota de chuva
feito lágrima
de alegria

Na esperança de que o calor
do amor

me fará evaporar

terça-feira, 29 de julho de 2014

Não só no meu peito o meu coração bate



Não só no meu peito
o meu coração bate

Bate em toda a parte
em que ponho os olhos
ou os ouvidos
ou lanço a imaginação
alcance ou não
as coisas
com a mão

Bate em tudo que tacteio
em tudo que toco
com os sentidos
ou simplesmente anseio

Vá para onde eu vá
sempre lá estará
o meu coração a bater
assim
profundo
de permeio
entre mim
e o mundo

Bate também no peito de quem
também tem
um coração por mim
a bater

Bater a marcar o ritmo do meu amar
do meu sofrer
do meu prazer

E tanto assim é
que é minha fé
que mesmo depois de morrer
o meu coração

vai continuar a bater

sábado, 26 de julho de 2014

Daqui, da eternidade



Arrasto comigo o infinito
e a eternidade
para onde vou

Aqui onde estou
e no tempo em que vivo
é onde o infinito se inicia
e a eternidade começa

Vivesse noutro tempo
em qualquer outro lugar
com ar para respirar
e cérebro para pensar
sentiria a mesma sensação
o mesmo aperto de coração
o mesmo lapso de Razão

Existo
por isso
no Infinito

Moro na eternidade


in “Introdução à Eternidade” (revisto)

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Deus não é nada disso






Quem sou eu para determinar
o que Deus é
ou não é?

Atrevo-me a supor, até
que Deus não é nada disso
nada do que Dele dizem

No meu entendimento
Deus
não é nada disso
não é coisa nenhuma
nem criou nada
nem ninguém
porque tudo existe
Nele

Deus
não é nada do que Dele dizem

Bom ou mau
protector
misericordioso
justo ou injusto

Tão pouco é eterno
porque em Deus não há passado, presente ou futuro
e a eternidade começa na hora da morte
quando o tempo para

Deus
não é nada do que Dele dizem
não é nada disso

Não é o que Dele dizem os filósofos
os cientistas
os teólogos

Deus não é nada do que Dele dizem
nem existe
sequer

Deus apenas É


Deus é Aquele de que falam os místicos
os anjos
os santos

É o que nos diz o nosso coração

sempre que sente amor

quinta-feira, 17 de julho de 2014

A mim, Deus, apenas me deu …



A mim
Deus
apenas me deu pernas e braços
o corpo
e o sopro da vida
que passei a ser eu
a soprar

O espaço para viver
e sonhar
terei que ser eu
a porfiar

Resta-me o desejo angustiado
de ser grande
bom
e verdadeiro

Por isso me parto
e reparto
na ânsia de ser inteiro

A outros
Deus
deu mais

E a muitos nem tanto

Muitos talvez se sintam aptos
e capazes de dominar o mundo
a sorrir

Outros apenas encontrarão razão
para o destruir

Eu, não!

Tento apenas
fazer valer
o meu coração

É por isso
que tanto

me apoquento

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Reflectindo sobre a vida à hora em que já são horas de jantar





Mais um dia
uns tantos quantos momentos
com predisposição para a pensar na vida

A sério

Venho fazendo isto
quase sistematicamente
desde que me dei conta que sou gente
embora aparentemente
nos outros dias
não deixe de reflectir

Sem nada
até hoje
poder concluir

Talvez desta vez chegue a uma conclusão
quanto mais não seja que tudo está fora
do alcance da Razão

Mas eu não sou agnóstico confesso
e até professo a doutrina de Cristo

Embora sinta
por vezes
vontade de me rebelar
de mandar tudo à merda
e considere pura perda
estar assim a me martirizar

Mas acabo sempre por me humildar
por caminhar sem tino nem destino
de cabeça cabisbaixa
ao sabor do vento
por caminhos traçados por montes e vales
inteiramente mergulhado na Natureza
e subjugado às forças telúricas e cósmicas
que assim livres melhor se fazem sentir sobre mim
impondo-me o seu norte


À hora em que já são horas de jantar

É então que sinto o estômago falar mais alto que e Razão
e no coração melhor ouço a voz interior
que me segreda que a minha mente é sim insuficiente
demente
mas que não me importe

No coração palpita o espírito
que acende um calorzinho interior a que se chama amor

E aí
sem ter que pensar
encontro resposta para tudo


Até para a morte

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Há, em mim, uma angústia crónica





Há, em mim, uma angústia crónica


em mim
uma angústia crónica
que não tem a ver com sucessos ou derrotas
amores contrariados
saldos bancários deficitários
com a crise instalada
ou qualquer glândula avariada

É uma angústia telúrica
que a terra
exala

É hálito podre dos monturos de dejectos
do carvão e do petróleo
do alcatrão das estradas
dos escapes dos motores
da borracha e do óleo
da tirania dos ditadores
dos políticos impostores

em mim
uma amargura emergente
um aperto de coração
que tem a ver com a política
com o rumo que leva a civilização

É uma amargura a um tempo cósmica
e telúrica
a dizer-me que assim
não vamos a lado nenhum
que nem valerá a pena ousar conquistar o Espaço

Amargura telúrica
emanada do ar e da água
que causa nos seres profunda mágoa

Angústia cósmica
crónica
vinda dos confins do universos
que polui mentes, palavras e o versos

Que me levam à contemplação das estrelas
no silêncio da noite

A refugiar-me nos templos
em oração
a procurar refúgio na Eternidade

Porque indiciam a agonia da Terra
o fim da Humanidade


Vale de Salgueiro, domingo, 2 de Novembro de 2008
Henrique Pedro



quinta-feira, 19 de junho de 2014

Ninguém comanda o coração






Ousa persuadir-me a que a ame
com gestos ousados
de sedução

Eu tento dissuadi-la de que me ame
e de que pretenda que eu a ame
com gestos forçados
de desdém

Nem ela
nem eu
porém
sabemos como este jogo vai terminar

No amor não existe persuasão
nem dissuasão

Apenas há o momento certo
imprevisto
de amar
alguém


Ninguém comanda o coração

terça-feira, 10 de junho de 2014

De nada serve a luz do dia se nos amamos à noite






Fecho os olhos
para melhor a ver
com as minhas próprias mãos

Tenho gravado no cérebro
o seu olhar sedutor
e para melhor a ver
abro olhos em cada dedo das mãos
em cada poro da pele

Os meus ouvidos ouvem tudo o que tem para me dizer
diga-o ou não
mesmo quando em silêncio
se entrega à devassa dos meus braços
ao esquadrinhar dos meus dedos

Ademais o seu corpo ganha fluorescência de tanto prazer
e acaba por iluminar o meu

Nada mais temos para ver
ouvir
dizer
apenas e só
sentir

Senti-la
eu
a ela
sentir-me
ela
a mim

De nada serve a luz do dia
se nos amamos à noite
na doce obscuridade da mais estreme intimidade
e em silêncio
com esfuziante alegria
interior


Em transe de êxtase

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Voam versos, voam penas



Passo
por onde passo
esvoaço
como pássaro
soltando poemas
preso aos dilemas
do viver

Voam versos
voam penas
não paro de esvoaçar
quanto mais me solto
mais acabo de me prender
e enredar

A minha poesia voa
voam versos
voam penas
nas asas da fantasia
continuo a adejar
e a sofrer
ansiedade

Até um dia
poder ser eu
a voar

de verdade

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Em que alvorada irá meu espírito despertar?



Exausto
limito-me a deixar-me adormecer
sem saber
nem tão pouco me preocupar
quando
como
e aonde irei acordar

De pronto
entro a sonhar

Sonhos súcubos
coloridos
doridos
alma e corpo a guerrear

Fenómenos oníricos
pensamentos empíricos
que tento em vão traduzir
agora já acordado
enredado no insolúvel trilema
deste poema

Sou contudo levado a deduzir
que sempre que sonho a dormir
é o corpo que sonha
mas a alma
que tenta acordar

E que sonha o espírito
quando vivo
de verdade
no corpo e na alma
sonho ou realidade

Por isso anda a minha alma angustiada
a pretender saber
em que alvorada

irá meu espírito despertar