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quarta-feira, 12 de junho de 2019

Desde que passei a usar chapéu



Sou um homem diferente
desde que passei a usar chapéu
o que aconteceu recentemente

Já o vinha sendo antes
sem me dar conta
a cada cabelo que caía
sem me aperceber
à medida desmedida
da tristeza do dia
em que nova ruga desponta

É o sol de Verão a dardejar-me o crânio
a mordicar-me a pele
capaz de me fritar os miolos
que me impele a usar chapéu
ou boné seu sucedâneo

Se querem saber a verdade
a idade traz outra luz
novo conceito de beleza
mais respeito e lhaneza
vemos a vida com outros olhos
se usamos chapéu a preceito

Livres de ilusões
o mundo já não nos seduz
já não vamos em sermões
somos fiéis à nossa fé
tudo se concerta e compõe
e já nada nos põe
os cabelos em pé

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 28 de Novembro de 2012
Henrique Pedro

sexta-feira, 24 de maio de 2019

À janela do avião



Ainda hoje me considero criança
sempre me sento à janela do avião
para poder vê-lo correr
com confiança
ainda no chão
veloz
potente
a sugar voraz tudo que encontra pela frente

E a ouvi-lo roncar
e a gemer para se erguer 
e depois voar 
suave
sobre as nuvens

Só não tomo os comandos
com o receio de que me tomem a mim
por terrorista
quando eu nunca deixei de ser
uma criança com medo da cadeira de dentista

Mas que solta o coração no interior do avião
e deixa a alma saltar de nuvem em nuvem
irreal
a disparar relâmpagos
para combater o medo e o mal
como São Miguel Arcanjo

Mas que acaba por adormecer
a sonhar
como um anjo
até o avião pousar


quarta-feira, 15 de maio de 2019

Pára-brisas partido



Chove
Suavemente por agora
Conduzo estrada fora com velocidade moderada não vá a viatura esbarar na estrada molhada
Mais apressadas, gostas de chuva delicadas, deslizam subindo no para-brisas contrárias à lei da gravidade 
Deixam rastos rectilíneos, efémeros, como se de cometas líquidos se tratasse.
Como sonhos que fossem e já não sejam
Também no pára-brisas partido da minha alma há partículas de saudade liquefeitas que sobem velozmente na minha mente qual antolhos que me humedecem os olhos, toldam a visão e encharcam o coração
Quando a chuva aumenta de intensidade acciono o limpa pára-brisas e deminuo a velocidade
Em plena trovoada de Maio acabo por estacionar num desvio de saudade dos tempos em que fui feliz sem o saber.
A imaginar imagens imprecisas
Caio em mim sem querer volto a ser o que sou a estar onde estou
A poesia é o limpa-pára-brisas da minha alma que me ajuda a melhor ver o caminho sempre que caminho sozinho

Vale de Salgueiro, 15 de Maio de 2019

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Morrer? Qual o problema?




Morrer?
Qual o problema?

Desde que a morte seja suave
e tranquila
preferencialmente epílogo de uma velhice longa
e feliz

Nunca sentenciada por uma causa
fútil
e inútil

Por uma qualquer religião
pátria
justiça
ideia
verborreia
ou infeliz ilusão
terrena

Poder
por fim
dizer adeus
ao mundo e à dor
viver a fascinante aventura da eternidade
satisfazer a curiosidade imensa do além
conhecer toda a dimensão do amor 
e da verdade
libertar a mente
e encontrar 
quiçá
Deus
bem de frente

in Introdução à Eternidade (1.ª Edição, Outubro de 2013)


sábado, 13 de abril de 2019

Para ler de olhos fechados



Apoio os cotovelos na mesa e afago o crânio


Olho o mundo profundo de olhos fechados

banhados de lágrimas

para melhor o ver


Cerro a porta do palácio da ilusão

abro a janela da alma

por onde flui a calma brisa da solidão

 

Apago a luz

fecho os olhos

tapo os ouvidos

nenhum oiro agora reluz

só o meu espírito brilha

fosforescente

em minha mente

 

Lanço desejos e ambições ao fundo do mar

paro de me pasmar

 

Solto a imaginação

 

Aponto os olhos do espírito além do horizonte

escuto os sons que me chegam do fundo do Cosmos

 

Fixo-me no sonho

a realidade é agora mera ideia

 

Escrevo uma oração em minha mente

súplica ou devaneio

declamo-a na razão

e no coração de permeio

 

Se quero transformar o mundo

devo começar por mim primeiro

 

Rezo

 

Falo com Deus

tanto eu tenho para Lhe dizer

 

Até que acordo sem que haja adormecido

é o meu espírito que viaja

por nada ter que fazer

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 11 de abril de 2019

Henrique António Pedro

 


terça-feira, 9 de abril de 2019

Um copo de tinto com poesia




Sentado à mesa da insanidade
numa tasca escusa
barulhenta
que apenas gente de má nota
a frequenta

Que importa!

Com uma garrafa de poesia aberta
a beberricar versos
e a bolsar poemas

A falar de mim
a gesticular
embriagado de vida
sedento de amor e verdade

Nada tenho para esquecer
tudo tenho para lembrar

Só mesmo a poesia poderá ajudar-me a resolver
este meu dilema
este meu abstrato desiderato

Por isso o convido

Venha!

Sente-se aqui ao pé de mim
mas não fique calado
e beba
até cairmos ambos para o lado

Talvez acabemos por acordar
num banco de jardim
no centro da cidade
adormecida

Ainda antes do sol raiar
decididos a mudar de vida

Embriagados dessa mística alegria a que se chama poesia

Vale de Salgueiro, sábado, 28 de Agosto de 2010
Henrique Pedro

quinta-feira, 14 de março de 2019

À Mãe da Poesia




Revoadas de borboletas doiradas
geradas no Seu olhar
irão povoar
os canteiros do mundo inteiro
transformado em jardim
assim
a mim
me apraz sonhar

Verdadeiros poemários
viveiros de poemas
emanados das violetas
das rosas perfumadas
das florinhas de jasmim
dos amores-perfeitos
que florescem em santos peitos
e santificam os fadários
dos poetas anátemas

O mais belo poema é Ela
a Mãe de Jesus
a poetisa da Paz
alfobre de amor
flor que refulge de luz
e exala poesia
que noite e dia alumia
e adoça a dor
da vida mais sombria


Vale de Salgueiro, domingo, 18 de Julho de 2010
Henrique Pedro

terça-feira, 12 de março de 2019

O Mahatma




Sexo é luta de morte
é matar e morrer
devemos aprender 
a amar com serenidade
se filhos felizes queremos procriar
e um homem novo em nós ver
renascer

Não tem sentido foder apenas para resfolegar

Grande é o proveito que o homem pode tirar
de dormir
com lindas mulheres nuas
por uma, duas, três
e mais luas
ao luar
mas sem lhes tocar

Numa orgia de espiritualidade
se mergulha
de verdade
o espírito se torna mais leve
e livre
e salutar

Absoluta virtude é a virgindade
e definitivo prazer a castidade

Não se alcança a santidade
nas veredas da sexualidade

Isto quis o Mahatma ensinar


Vale de Salgueiro, quinta-feira, 14 de Outubro de 2010
Henrique Pedro

quarta-feira, 6 de março de 2019

Esta ilusão que a poesia a mim me dá




Esta ilusão que a poesia a mim me dá
com meus poemas
de que algum dia
serei alguém

Esta ilusão que a poesia a mim me dá
de que não serei apenas mais um
entre tantos mortais
meus iguais

Esta quimera
esta utopia
que a poesia a mim me dá
de estar sempre à espera

Esta nostalgia do paraíso perdido
lamento de anjo caído

Esta esperança
de que a todo tempo
a felicidade acabará por acontecer

Esta ilusão que a poesia a mim me dá
não me abandonará nunca mais
nem mesmo depois de morrer

Esta ilusão
esta alegria
esta tristeza
esta certeza
que a poesia me sopra no coração
é o motor do viver
de quem vive
de amor

Vale de Salgueiro, sábado, 21 de Agosto de 2010

segunda-feira, 4 de março de 2019

Só por amor escrevo poesia




Quando choro e rio

Quando me revolto
e me aborreço
quando canto e assobio
porque ando apaixonado
e escrevo poesia

Quando dou asas à imaginação
fazendo uso da Razão
ou me angustio
com apertos no coração

Quando louvo a Deus
declaro o meu amor aos meus
e canto a Natureza

Quando expresso a minha dor
ou a minha tristeza
as minhas glórias e as minhas desditas
a dor ou a alegria de outrem
por palavras escritas
são poemas de amor que escrevo
por bem
com certeza

Mesmo se o faço com enlevo
por pura fantasia
só por amor escrevo poesia

Vale de Salgueiro, segunda-feira, 23 de Março de 2009
Henrique Pedro

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Só o amor se não perde se a vida se perder




O tempo só tem sentido à medida que passa
o abraço quando se abraça
e o amor quando se ama
o fogo quando arde
feito chama

A vida só tem sentido quando vivida
com amor
por alguém

Não pára o tempo se o relógio parar
mas perde-se o pensamento
se a razão enlouquecer

Apaga-se a paixão quando o coração
deixa de bater
e tudo se perde
na hora de morrer

Só o amor se não perde
se a vida se perder


Vale de Salgueiro, sexta-feira, 18 de Julho de 2008
Henrique Pedro

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Há horas assim…





Há horas em que desperto
em que fico mais perto
de mim

Horas em que não leio
nem escrevo poesia
mas que melhor a sinto
ainda assim!

Horas em que só falo comigo
e com o meu umbigo
em que entro por mim a dentro
e me liberto

Horas em que não me engano
nem me minto

Horas em que tanto me encanto
só de pensar
que paro de respirar

Horas em que não dou pelas horas a passar
em que apenas sinto as ideias a fluir
e a fugir
como aves a voar

Horas sem tempo nem calendário
sem vocabulário 
para expressar o sinto

Horas em que sou um labirinto
e por tanto
me espanto

Há horas assim…


Vale de Salgueiro, quinta-feira, 7 de Agosto de 2008
Henrique Pedro

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Além, naquele astro ali



Além

naquele astro ali

que não é estrela

nem planeta

nem cometa

e já foi ventre

de minha mãe

onde nasci

 

Ali

naquele astro além

tão longe de tão perto

onde nada é errado

tudo bate certo

e só existe o bem

 

É lá que eu moro

me demoro

e exponho

por via do sonho

 

É ali que eu ando

errando

amando

e sofrendo

a mando

de Deus

 

Sem que diga adeus

nem nada diga

a ninguém

 

E de nada me arrependo

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 20 de Novembro de 2009

Henrique António Pedro


 




segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Ei-la! É ela de novo…





Ei-la!
É ela de novo…

Lábios carmim 
seios cheios torneados 
olhos doces amendoados…. 
leveza do caminhar
doçura do falar
irresistível simpatia 
e muita 
tanta 
tanta alegria …

Eu 
ainda assim 

ensimesmado

Refugio-me em mim 
gota de chuva
sopro de vento 
folha de amargura 
pozinho de tormento
raiva larvar 
tristeza de calar 
silêncio de cismar
vontade de voar para outro lugar e fugir do crepúsculo de tanto amar que teima em não chegar ao fim

É ela!
De novo… flor de jardim
tentadora tentação de voltar a amar…

Não 
desta vez não!

Não me vou deixar apaixonar

Vale de Salgueiro, domingo, 6 de Julho de 2008
Henrique Pedro 

sábado, 2 de fevereiro de 2019

Porque têm espinhos, as rosas?



Porque têm espinhos, as rosas
se são flores de tantos amores?

Para se defender, dir-se-á

Não!

Para se agarrar e trepar
para prender quem amam
para arranhar a quem desamam

Não e não!

Porque são malvadas
queimam com o lume do amor 
provocam ciúme
e causam dor

Não e não e não!

Talvez para se enaltecer 
e fazer mais valer o seu perfume
a sua cor
o seu fulgor

Não e não e não e não!

Porque têm espinhos, então
as rosas
se são amorosas, são amadas e têm coração?

Porque carecem de carinhos…
e porque não há rosas…
sem espinhos


Vale de Salgueiro, quarta-feira, 7 de Março de 2012
Henrique Pedro

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Toda a gente lê poesia, lá na minha freguesia




Toda a gente me conhece
e me merece
lá na minha aldeia

Tenho até a ideia
de que todos lêem a minha poesia
lá na minha freguesia
que canta o arrebol e o pôr-do-sol
as estrelas e o firmamento
os encantos da Primavera
a chuva, a neve e o vento
quimera da atmosfera

Mesmo antes de eu a escrever
já todos a ousaram ler

Digam lá se não sou um poeta notável!

Pudera!

Quando se mora numa aldeia assim adorável
é poeta qualquer um 
mesmo sem que tenha escrito
poema algum

É por isso que toda a gente me conhece
e me cumprimenta
lá na minha aldeia
e se enternece com a poesia
que é de todos
não é só de mim

Todos somos poetas de verdade
lá na minha aldeia
porque a sua vida é uma epopeia
e sabemos que coisas são saudade
tristeza e alegria

E porque muitos de lá saíram
para o Brasil e outras terras mil
por esse mundo além
levando no coração aldeão
a poesia da nossaTerra Mãe

Vale de Salgueiro, segunda-feira, 20 de Fevereiro de 2012
Henrique Pedro

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Adeus às armas



Noite tropical igual a tantas noites santas
nada se sente de mal

Há estrelas no céu esmeralda a brilhar
uma brisa perfumada a soprar poesia
nostalgia e desejo
muito muito desejo de muito amar

Eis que de repente
quando nada o fazia esperar
da floresta salta a serpente

Ilumina-se a noite de clarões e explosões
ouve-se o silvo das balas a voar
não tarda gritos e gemidos de homens aflitos
a morrer
ali mesmo a meu lado
sem que ninguém lhes possa valer

Também disparo
calado
revoltado
em lágrimas banhado

Eis que de repente
quando não era de esperar
o silêncio volta a reinar
a poesia à minha mente

Tiro a mão do gatilho
iluminado de um novo brilho
regressam ao mato os miasmas da guerra

Uma explosão maior de alegria em meu coração
me diz que a guerra é fugaz
apenas a eterna espera da paz

Digo adeus às armas


Terras do régulo Capoca (Norte de Moçambique), Setembro de 1973
(Poema reconstituído, de memória, em 21/10/2010)