Encontrámo-nos por curioso acaso
quando observávamos em simultâneo
e religioso silêncio
as esculturas eróticas do templo Jagannath
bem no coração da mítica Katmandu
Fitámo-nos com fugaz e instintiva malícia
mas ela afastou-se num ápice
rodeada pela colorida e vaporosa comitiva
mal se deu conta da matéria herética
dos meus impensados pensamentos
Andávamos por ali em busca de espiritualidade
levados nas asas da mais pura fantasia
mas acabaríamos em mútuo despertar
nu e cru
nos deleites de uma nova virtude
por força do viço da juventude
e dos encantos do verdejante vale de Katmandu
Indira era uma linda, tímida e sanguínea
viúva semi-virgem de um machucho lambão
que mal tivera tempo de a lambuzar
nem sequer de lhe tocar o coração
Eu vivia a ventura da livre aventura
cultivava a mais sã inocência
cruzava oceanos e continentes de continência
e abstenção
na ideia de que assim seria mais livre
forte e feliz e são
Indira não despertara ainda para a vida
e trazia um cosmos caótico dentro de si
Era uma mágica poção de virtude e paixão
envolvida por véu diáfano de santidade
e aspergida de inebriante perfume de sensualidade
Por dentro e por fora era a um só tempo
doce templo de artifício e religião
fascinante fogo de amor e tentação
Tornámos a encontrar-nos nesse mesmo dia
por curioso acaso
no átrio do hotel em que nos hospedáramos
na edénica cidade-lago de Pokhara
bem no coração do mítico vale de Katmandu
Bastaria agora o meu sorriso discreto e sedutor
em resposta ao seu olhar doce, tímido e tentador
carregado de indizível e oriental fascínio
para me franquear as portas da sua suíte de sonho
que em segredo se abriam amplas de luxúria
sobre as águas plácidas do lago Phewa
iluminadas pelo irreal albedo da neve e do luar
que igualmente doiravam
o seu triste e solitário degredo
Com um sorriso de universal feminina sedução
convidou-me a penetrar no seu reduto mais íntimo
discreta e delicada como se me levasse pela mão
Aventurei-me inflamado de desejo
inebriado de amor e despido de adrenalina
com a libido em calada combustão
confiante nos desígnios daquela fêmea divina
certo de que seria aquela a noite mais prazerosa
de todos os contos cor-de-rosa
que nem mesmo Sherezade ousara tanta magia
tão deleitosa veracidade e fantasia
Permanecemos durante longo tempo
em mútuo e sereno jogo de prazer
nus e melados
deliciados
no fascinante desconhecimento
que cada um tinha do outro
e nem os meus beijos mais apaixonados
nem as minhas carícias mais meigas
pareciam fazê-la rir de prazer como eu pretendia
e abrir-se em toda a sua pureza e verdade
mais parecia mergulhada num etéreo manto
de poética e distante frialdade
Apenas quando o meus dedos delicados
ousaram titilar o seu mimoso e melífico clítoris
explodiu então Indira lasciva e langorosa
que nem uma feroz fêmea loba faminta
descida do mais profundo e recôndito fojo
da mais cerrada floresta dos Himalaias
e se pôs a lutar por se dar por vencida
a gritar desmedia que era minha
que eu a poderia possuir e ousar fazer tudo
que a tudo se prestaria e a mais lhe apetecia
Quando por fim saciados
e ainda apaixonados por nós
e pelo ambiente de paz e deleite que nos envolvia
eu concluí para dentro de mim
sem nada lhe dizer todavia
que a não amava
Por certo
ela pensou o mesmo dentro de si
sem nada me dizer
porque mil vezes me agradeceu
solícita e esmerada
a sublime loucura que lhe propiciara
Talvez também porque inexoravelmente
cada um teria que regressar ao seu próprio mundo
de diferentes e afastados continentes
E porque aquele sublime acto de amor e sexo
fora imprevisto e não poderia acontecer novamente
já que a nossa vida em comum era imprevisível
e não teria qualquer nexo
Passadas que são décadas de doce esquecimento
recordo agora aquele sublime congresso
e concluo que afinal a amei e a amo ainda
também porque a sei agora mulher feliz
e de planetário público sucesso
sublimado produto por certo
da sua erotomania juvenil
Agora que coloco este poema memória na Web
e que nada lhe devo e ela nada me deve
talvez Indira acabe, sem querer, por lê-lo
sozinha no seu íntimo silêncio
E talvez de novo se acenda
nos seus olhos verde-esmeralda
o brilho carente de feroz fêmea loba dos Himalaias
num ápice semicerrados para o efeito
E talvez
como eu
acabe por guardá-lo no seu mais íntimo jardim
e segrede para si mesma
que afinal também ela ainda me ama como me amava
embora nada saiba de mim
in Mulheres de Amor Inventadas ( 1.ª Edição, Outubro de 2013)
Vale de Salgueiro, domingo, 5 de Abril de 2009
Henrique António Pedro
Imagem (Google Image)