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quarta-feira, 14 de abril de 2021

Indira



Encontrámo-nos por curioso acaso

quando observávamos em simultâneo

e religioso silêncio

as esculturas eróticas do templo Jagannath

bem no coração da mítica Katmandu

 

Fitámo-nos com fugaz e instintiva malícia

mas ela afastou-se num ápice

rodeada pela colorida e vaporosa comitiva

mal se deu conta da matéria herética

dos meus impensados pensamentos

 

Andávamos por ali em busca de espiritualidade

levados nas asas da mais pura fantasia

mas acabaríamos em mútuo despertar

nu e cru

nos deleites de uma nova virtude

por força do viço da juventude

e dos encantos do verdejante vale de Katmandu

 

Indira era uma linda, tímida e sanguínea

viúva semi-virgem de um machucho lambão

que mal tivera tempo de a lambuzar

nem sequer de lhe tocar o coração

 

Eu vivia a ventura da livre aventura

cultivava a mais sã inocência

cruzava oceanos e continentes de continência

e abstenção

na ideia de que assim seria mais livre

forte e feliz e são

 

Indira não despertara ainda para a vida

e trazia um cosmos caótico dentro de si

 

Era uma mágica poção de virtude e paixão

envolvida por véu diáfano de santidade

e aspergida de inebriante perfume de sensualidade

 

Por dentro e por fora era a um só tempo

doce templo de artifício e religião

fascinante fogo de amor e tentação

 

Tornámos a encontrar-nos nesse mesmo dia

por curioso acaso

no átrio do hotel em que nos hospedáramos

na edénica cidade-lago de Pokhara

bem no coração do mítico vale de Katmandu

 

Bastaria agora o meu sorriso discreto e sedutor

em resposta ao seu olhar doce, tímido e tentador

carregado de indizível e oriental fascínio

para me franquear as portas da sua suíte de sonho

que em segredo se abriam amplas de luxúria

sobre as águas plácidas do lago Phewa

iluminadas pelo irreal albedo da neve e do luar

que igualmente doiravam

o seu triste e solitário degredo

 

Com um sorriso de universal feminina sedução

convidou-me a penetrar no seu reduto mais íntimo

discreta e delicada como se me levasse pela mão

 

Aventurei-me inflamado de desejo

inebriado de amor e despido de adrenalina

com a libido em calada combustão

confiante nos desígnios daquela fêmea divina

certo de que seria aquela a noite mais prazerosa

de todos os contos cor-de-rosa

que nem mesmo Sherezade ousara tanta magia

tão deleitosa veracidade e fantasia

 

Permanecemos durante longo tempo

em mútuo e sereno jogo de prazer

nus e melados

deliciados

no fascinante desconhecimento

que cada um tinha do outro

e nem os meus beijos mais apaixonados

nem as minhas carícias mais meigas

pareciam fazê-la rir de prazer como eu pretendia

e abrir-se em toda a sua pureza e verdade

mais parecia mergulhada num etéreo manto

de poética e distante frialdade

 

Apenas quando o meus dedos delicados

ousaram titilar o seu mimoso e melífico clítoris

explodiu então Indira lasciva e langorosa

que nem uma feroz fêmea loba faminta

descida do mais profundo e recôndito fojo

da mais cerrada floresta dos Himalaias

e se pôs a lutar por se dar por vencida

a gritar desmedia que era minha

que eu a poderia possuir e ousar fazer tudo

que a tudo se prestaria e a mais lhe apetecia

 

Quando por fim saciados

e ainda apaixonados por nós

e pelo ambiente de paz e deleite que nos envolvia

eu concluí para dentro de mim

sem nada lhe dizer todavia

que a não amava

 

Por certo

ela pensou o mesmo dentro de si

sem nada me dizer

porque mil vezes me agradeceu

solícita e esmerada

a sublime loucura que lhe propiciara

 

Talvez também porque inexoravelmente

cada um teria que regressar ao seu próprio mundo

de diferentes e afastados continentes

 

E porque aquele sublime acto de amor e sexo

fora imprevisto e não poderia acontecer novamente

já que a nossa vida em comum era imprevisível

e não teria qualquer nexo

 

Passadas que são décadas de doce esquecimento

recordo agora aquele sublime congresso

e concluo que afinal a amei e a amo ainda

também porque a sei agora mulher feliz

e de planetário público sucesso

sublimado produto por certo

da sua erotomania juvenil

 

Agora que coloco este poema memória na Web

e que nada lhe devo e ela nada me deve

talvez Indira acabe, sem querer, por lê-lo

sozinha no seu íntimo silêncio

 

E talvez de novo se acenda

nos seus olhos verde-esmeralda

o brilho carente de feroz fêmea loba dos Himalaias

num ápice semicerrados para o efeito

 

E talvez

como eu

acabe por guardá-lo no seu mais íntimo jardim

e segrede para si mesma

que afinal também ela ainda me ama como me amava

embora nada saiba de mim

 

 in Mulheres de Amor Inventadas ( 1.ª Edição, Outubro de 2013)


Vale de Salgueiro, domingo, 5 de Abril de 2009

Henrique António Pedro

Imagem (Google Image)



 

sábado, 10 de abril de 2021

Sinfonia do fim do mundo


Começará lá pelo extremo Oriente

por certo

pelo fim do mundo distante

ao som de harpas

uivos de vento e trovões

rugidos de leões

gritos de gente demente

não aqui por tão perto

 

Terei tempo de me pôr a salvo

antes da hecatombe aqui chegar

e de o tudo reduzir a nada

e o nada a coisa nenhuma


E se por ventura não acontecer já na próxima alvorada

voltar-me-ei, então, para poente

e louvarei o Criador

como sempre

 

Ele que pôs o Sol a girar com formosura

conferiu à Terra a sua diária rotação

e a mim me põe a sonhar sonhos que ninguém sequer

será capaz de imaginar

ou sentir em seu coração

por maior que seja a loucura

 

Pedir-Lhe-ei que se um dia

decidir pôr termo a esta insana Civilização

que a tantos faz sofrer

o faça com brandura e poesia

sem dor

ao som de uma sinfonia de embalar

com mil coros de anjos a cantar

para os justos adormecer

e salvar

o Amor

  

Vale de Salgueiro, segunda-feira, 15 de Junho de 2009

Henrique Pedro


quarta-feira, 24 de março de 2021

A Virtudes





Era a mais bela criatura da minha geração

um prodígio de beleza e candura

não tinha comparação

 

Chamava-se Virtudes

e não era por engano

porque era amorosa que nem uma rosa

de angelical formosura

e até a tocar piano

era virtuosa

 

Pinga amor, eu?

Não, não!

 

Mas, oh…com que ardor por ela me apaixonei

e com tanta elevação a amei

mesmo se admitir que mutuamente acabamos por nos possuir

como, de facto, aconteceu

 

Porque a rosa da Virtudes um dia me sorriu

e sabe-se lá porque razão a ideia de pecar floriu…

 …no meu coração, que no dela…

primeiro terá ganho tal feição

 

Ainda hoje estou em crer

que o amor mais comum em toda a latitude

que mete beijos e abraços

e sexo

poderá também ter um nexo de virtude

de meiguice

e não ser apenas cega paixão

malandrice

desilusão

 

Isso aprendi com a Virtudes

com quem o acto de amor era um sonho

de demorados e etéreos espasmos

sem sombra de maldade

ou de imoralidade

 

Para lá do epílogo menos decoroso

composto de gritos de gozo

síncronos de orgasmos

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 19 de Novembro de 2008

Henrique António Pedro



domingo, 21 de março de 2021

Que viva a poesia!


Que viva a poesia

esta infinita vontade interior de amar

cantar

dar e receber

e com amor adoçar o sofrer

 

Que expluda em alegria o desejo de ser livre

de abrir os braços ao sol nascente

e espalhar abraços por toda a gente

 

Que resplandeça de poesia

o mar de amor que há em nós

 

Que viva a poesia

este encantamento do pensamento

ideia de partilhar o nosso ser

com a Terra inteira

 

E que a partir daqui de agora

deste lugar e deste país

seja de onde seja

tanto faz

com emoção se ouça a voz do coração

o grito da paz

 

Que viva a poesia

esta inexplicável tropia

esta fantasia verdadeira

de que a Humanidade

por força da verdade

virá um dia a ser una

livre

feliz

inteira

 

Vale de Salgueiro, domingo, 1 de Agosto de 2010

Henrique António Pedro


sexta-feira, 19 de março de 2021

Missiva póstuma para meu pais


Pai!

 

Gostaria de vos poder dizer

de viva voz

a ti e à mãe

que continuais bem vivos

no meu amor

e na minha fé

e que a minha lembrança de vós

não se esvai

continua viva

bem de pé

 

Muitos dos meus sonhos ainda não se realizaram

e outros já ficaram pelo caminho

depois que partiste

mas eu continuo a acreditar

e a sonhar

 

A esgaravatar a terra com as mãos

e humildade

como me ensinaste

 

As árvores que plantaste

e outras que eu plantei depois

estão vivas e bem firmes em seu pé

cresceram desmedidamente

e até já dão frutos de verdade

e esperança

 

Eu continuo a escrever versos lindos

como aqueles que escrevia

e lia

à mãe

que os escutava embevecida

quando eu ainda era criança

e a quem

também envio

uma flor

porque sois um só

no meu infinito amor

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 4 de Maio de 2012

Henrique António Pedro


quarta-feira, 10 de março de 2021

Fartos de fome


Os donos do Mundo vivem famintos

 

Famintos de poder

prazer

riqueza

e vanglória

 

Os famintos de pão

esses

morrem de tristeza

 

Fartos de fome

sem compaixão

nem misericórdia

 

Não há mentira capaz de enganar

tão vera verdade

 

Fartura capaz de saciar

tão crua penúria

 

Ciência capaz de curar

tão fria epidemia

 

Ideologia capaz de abafar

tão sinistra hipocrisia

 

Revolta capaz de branquear

tão negra injustiça

 

A dor e a miséria alastram por toda a Terra

a Humanidade morre farta de guerra

de ódio

opróbrio

 de falsidade

 

Faminta de verdade

de paz

e de amor

 

Só o amor-luz de Cristo Jesus

a poderá salvar

 

Vale de Salgueiro, sábado, 24 de Julho de 2010

Henrique António Pedro


sábado, 6 de março de 2021

Confinados nos confins da Razão

 



 

Entregue à sua própria maldição

Está a Humanidade confinada

Nos confins da Razão

 

Esperançada, embora, na complacência da ciência

Que a livre da miséria e da guerra

Do vírus e do vício

 

Oh, que avassaladora demência

Converteu a Terra num hospício!

 

Sem outra condição

Que não seja a contradição

Entre o progresso e a morte

 

Que procure outra melhor sorte

Outro mais feliz devir

Que não seja viver para morrer

 

Só o Amor, porém, lhe poderá valer

Se o Espírito a Deus se abrir

 

Haja clemência, Ó Criador!

 

Vale de Salgueiro, 28 de Abril de 2020



segunda-feira, 1 de março de 2021

Esquerda, direita, um, dois…



Esquerda, direita, um, dois…

 “boys”, “bois” e que tais

o mais que se verá

e o que já se viu

puta que os pariu

 

Não sou de esquerda nem de direita

nem do centro

sou do alto

transparente

independente

sou vertical

mais do bem que do mal

  

Tenho braço esquerdo e braço direito

mão esquerda e mão direita

não sou dextro

não sou esquerdino

sou destro desde menino!

 

Tenho perna direita e perna esquerda

pé direito  e pé esquerdo

só com ambos sei caminhar

e  muito melhor bailar

 

Olho esquerdo e olho direito

ouvido esquerdo  e ouvido direito

para melhor ver e melhor ouvir

uma só boca para bem falar

 

Dois hemisférios tem o meu cérebro

não sou lerdo

só com os dois sei reflectir

a Razão formatar

 

Não tenho partido

nem ando perdido

não rastejo, caminho de pé

verdade, liberdade e poesia

são a minha ideologia

tenho a minha própria Fé

o bem estar a todos desejo

 

Sou um só Ser

um coração a pulsar

um todo a viver

a gozar

a sentir

a sofrer

e a

amar

 

Vale de Salgueiro, 1 de Março de 2021

Henrique António Pedro



terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Descolonização

 


O sangue da criminosa

insidiosa

descolonização

ensopou o chão

e maculou a História gloriosa

 

E o verde-esmeralda do mar interior

mar mediterrânico de amor

debruado de lampejos doirados

pintalgou-se de botões de rosa pálidos

tantas foram as desilusões

e os enganos

 

De pronto, porém, um arco-íris de paixão

qual grinalda florida

armou ponte sobre os oceanos

 e à paz deu guarida

no mais nobre coração

 

Já a larva voraz da saudade

se transmuta em borboleta colorida

em versos de rima redimida

estrelas e cometas a alumiar 

poetas poemas a declamar

almas a bater palmas

 

A História não é a má memória

e só o  amor com seu querer

pode bem descolonizar

 

A mim ninguém me vai ver a acenar

a dizer adeus

 

Sempre nos poderemos voltar a abraçar

nem que seja no meio do mar

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 4 de Março de 2010

Henrique António Pedro

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

O amor não tem asas mas voa

 


Um par de pombas enamoradas

pôs-se a dançar danças de amor

despudoradas

de fronte da minha janela

por certo para me provocar

 

Fascinado

deixei-me ficar com cautela

qual aprendiz enlevado

calado

a vê-las dançar

entrelaçadas

em feliz liberdade

 

A pousar e a levantar

a voar

adejando com graciosidade

a vencer a gravidade

 

De pronto me imaginei a dançar com elas

e me pus a pensar:

Porque não nos deu asas

o Criador?

 

E fez também do homem um ser voador

para assim poder melhor amar a mulher amada

também ela alada

e ambos a voar se poderem amar?

 

Porque não são precisas asas

para amar

assim à toa

 

Porque o amor não tem asas

mas voa

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 1 de Maio de 2009

Henrique António Pedro


 

sábado, 6 de fevereiro de 2021

Não vá o poeta além do poema

 


Diverte-se a escrever poesia com o olhar

para eu ler na minha imaginação

 

A soprar palavras e perfumes

que sabe ateiam lumes no meu coração

 

Eu fico aflito por não saber se é lícito

o terno erotismo que leio

nem donde veio

aquele seu interesse por mim

 

Peço-lhe que seja mais explícita

ainda assim

que se deixe de cinismo

 

Que me mostre que não sofro de daltonismo

que me belisque

que pouse a sua a mão no meu coração

 

Responde-me com crueldade

fazendo valer a sua falsa verdade

dizendo-me que é apenas poesia

uma sua e minha divertida fantasia

o que de facto condiz

 

E ainda mais circunspeta me diz

que não vá o poeta além do poema

 

De pronto

sem condição

como que por magia

este tonto dilema

vira pura contemplação

 

Vale de Salgueiro, domingo, 13 de Março de 2011

Henrique António Pedro