X
Elif
Poderá
ser santa a religião
Que
macula de sangue a terra
E
asperge ódio pelo céu?!
E
asfixia com o véu da hipocrisia
Os
sonhos, os sorrisos, os olhares da mulher
E
a inibe de viver?!
Não!
Mil vezes não!
E
poderá ser divino
O
amor clandestino?
Sim.
Mil vezes sim
Puro
é o sexo com nexo
Sem
constrangimentos de paixão
E
apertos de coração
Ainda
que possa não ser essa
A
senda da santidade
Homem
e mulher livres
Que
se amem de verdade
Sob
o véu da poesia e da fantasia conexa
Saboreiam
na terra
O
sabor que tem no céu
A
feliz felicidade
De
nada vale sofismar
Foram
o amor e a verdade
Que
levaram Elif a se desvelar
Afeganistão,
Ponto GPS Afrodite , 20092005
Daniel
Rio Livre (Repórter de guerra fictício)
Apostila:
Reunimos
com a célula “Falak” da RWA (Associação Revolucionária das Mulheres do Afegão),
ainda nessa mesma noite e na mais rigorosa clandestinidade. O ambiente era
extremamente pesado, de grande temor e constrangimento. Ouviam-se bater os
corações e percebia-se que os olhos se agitavam, por de trás das redes das
burcas, sobressaltados, em permanentes entreolhares de angústia.
A
conferência, toda falada em pastó, língua de que não conheço uma só palavra que
seja, foi, para minha surpresa, muito breve. Todas as mulheres começaram por
ser beijadas pela minha companheira turca, alinhadas e sempre de rostos
cobertos, para desgosto meu. Mantive-me sempre em silêncio, embora
profundamente atento ao menor gesto ou ruído, pronto para reagir pelas armas a
qualquer ameaça evidente.
Depois
de um breve exposição da agente turca, e sem que tivesse havido diálogo, as
mulheres dispersaram rapidamente, como sombras. Ficou apenas uma que nos
conduziu, por corredores esconsos a um amplo aposento, onde acabamos por
pernoitar.
Tapetes
e almofadas espalhadas pelo chão, uma pequena mesa com duas chávenas, um bule
repleto de chá-mate, frutas e acepipes diversos era tudo que o aposento
comportava.
Sentamo-nos.
Continuei mantendo o silêncio e a dar a iniciativa à minha estranha companheira
que, num gesto abrupto, retirou a burca e soltou os cabelos. Fiquei
perfeitamente siderado com tanta, beleza e juventude. Percebi, depois, o seu
olhar determinado, meigo e sofrido.
Apercebeu-se
do meu espanto. Tranquilizou-me com um sorriso, levou os dedos à testa, depois
aos lábios e soprou-me um beijo convidando-me a que também eu me libertasse da
incómoda farpela exterior.
Sorri-lhe
e repeti o gesto. E perguntei de imediato:
-
Qual é o teu verdadeiro nome, posso saber?
-
Claro! Tens todo o direito, porque eu já há muito que conheço o teu rosto e sei
o teu nome. – Redarguiu, e continuou:
-
Chamo-me Elif Shafak Sali. Elif, para ti. Sou turca, como já sabes, com
ascendentes afegãs. E muçulmana.
Não
resisti, e ainda confuso de espanto por tão encantadora criatura feminina que,
sem que o esperasse, se revelava a meus olhos, retorqui:
-
E que razões tão fortes te levam a tão grandes riscos e provações?
-
Por certo o mesmo que a ti! – Rematou com convincente doçura.
Explicar-me
– ia, depois, que a reunião foi rápida porque logo no cerimonial de abertura,
ou seja, no cumprimento com um beijo a cada mulher, desconfiou haver uma agente
taliban infiltrada, porquanto não usava o perfume que por ela é distribuído
desde Cabul.
Por
isso não deu ordem para que as mulheres destapassem os rostos e lhes explicou
que receberiam instruções individuais, logo que possível, exortando-as a que
mantivessem a calma.
E
depois, nós, sós, falamos de tudo sem saber o que verdadeiramente nos ligava e
o que sentíamos um pelo outro.
Inesperadamente,
com naturalidade, libertamo-nos de vestes, armas e preconceitos, de todos os
temores e angústias e entramos, abraçados, em êxtase.