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sábado, 3 de julho de 2021

Agora ando a aprender a pensar


Andei a vida inteira

a aprender a melhor maneira

de bem raciocinar

 

Oh, que grande asneira!

 

Aprendi a soletrar

palavras e letras

a ler

e a escrever

 

Tretas!

 

Aprendi números e algarismos

a contar

somar

subtrair

multiplicar

e dividir

 

Calculismos!

 

Devorei compêndios de gramática

e de matemática

poesias e analogias

tratados de ética e de lógica

físicas e filosóficas

 

Fantasias!

 

Aprendi a falar verdade

e a mentir

a ficar e a fugir

a tocar violão

a matar ou morrer

a sobreviver

 

Socialização!

 

Agora ando a aprender a pensar

e a amar

para me libertar

e salvar

 

Sem números ou letras

nem outras petas e tretas

 

Iluminação!

  

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 3 de Outubro de 2012

Henrique António Pedro


 

segunda-feira, 28 de junho de 2021

Uma pedra de gelo a arder


Este poema é uma pedra de gelo que arde

e se derrete

com o calor da imaginação

 

É um monte de caruma que será fogueira

se ateada pela chama

de quem o ler

para se aquecer

 

É um emaranhado de palavras

à espera de serem lidas

e sentidas com poesia

mesmo sem que tenham

rima alguma

 

É um novelo de lã que será meia

depois de tecido e fiado

pelas mãos da tecedeira

 

É o presente que será futuro

quando tiver passado que contar

 

É uma madrugada que será dia

quando o Sol raiar

 

Este poema é uma pedra de gelo

que o calor da poesia transforma em água

que levanta fervura

e vira vapor

 

É uma ideia que será iluminação

quando for gelo

a arder

 

Porque o amor só o é na dor

e sem condição

  

Vale de Salgueiro, 20 de julho de 2020

Henrique António Pedro


sexta-feira, 18 de junho de 2021

O mais certo é eu não ser eu e ser outro


Poderei ser eu mesmo, sim

e não ser mais ninguém

ainda assim

 

Poderei ter-me assumido, assim como sou

ainda no ventre de minha mãe

 

Mas pode dar-se a coincidência, também

de eu ser outro

em coexistência  com o eu que agora sou

 

Eu

um outro

ninguém

algum

ou nenhum

 

Neutro

 

Um pensamento impróprio

para consumo comum

 

O mais certo, portanto

será

quiçá

eu não ser eu

ser outro

que se ilude a si mesmo

e me engana a mim próprio

entretanto

 

Um encanto

 

Um outro que já fui

mas já não sou

 

Um outro que poderei vir a ser

mas ainda sou

 

Um outro que serei se o for

 

Um outro eu

muitos mais

ou talvez nenhum

 

O mais certo é eu não ser eu e ser outro


Vale de Salgueiro, domingo, 13 de Setembro de 2009

Henrique António Pedro


 

sábado, 29 de maio de 2021

À janela à espera da próxima revolução



À janela à espera da próxima revolução

 

Foi a vida ou talvez não

 

Talvez o Governo sem noção de Nação

que lhe atou os pés e as mãos

lhe abafou o coração

a deixou louca

 

Não lhe vendou os olhos

nem lhe tapou os ouvidos

nem lhe calou a boca

e demais sentidos

 

Continua a ver

a ouvir

a falar

atenta ao mundo

embora sem nada mais poder

por agora

que fazer

 

Esta mulher à janela é o retrato da Nação

 

Mergulhada no conformismo desconcertante

de amargura instalada no coração

angustiada

a esperança a mantém acordada

vigilante

 

Foi a vida ou talvez não

 

Talvez o Governo sem noção da Nação

 

Está atenta

à janela

preparada para o que der e vier

à espera da próxima revolução

 

Que venha ela

 

Já!

 

Mas que seja de amor

de verdade

 

De salvação!

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 18 de Agosto de 2010

Henrique António Pedro



quarta-feira, 26 de maio de 2021

Onde é o além?


Deito-me

em decúbito dorsal

relaxado

livre do bem

e do mal

 

Envolto em perfeito silêncio

e escuridão

os olhos fechados sem nada ver

os ouvidos sem nada ouvir

sem sentir o coração bater

nem me dar conta de respirar

nem do tempo fluir

 

Sem me afectar a mais leve emoção

no  presente

a mais ténue saudade

do passado

a ansiedade mais débil

do futuro

 

De memória desmemorizada

de nada

e a consciência em total ausência

de tudo

 

Com o cérebro a “cerebrar”

que não a pensar

e que tento também, em vão

parar

 

Acabo por acordar

e deixar de sonhar

 

Num sopro saio do corpo

 

Passo a tudo ver

ouvir

e sentir

 

Fico sem saber

porém

para aonde ir

nem onde é o além

 

 

 

in Anamnesis

Copyright: Henrique António Pedro

1.ª Edição: Janeiro de 2016