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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Em decúbito dorsal




Acordo mas deixo-me ficar deitado
absorto
desperto
enlevado

Em posição de decúbito dorsal
de mãos atrás da nuca 
a olhar o tecto
sem nada ver
nem sofrer de qualquer mal
apenas a pensar
porque magia
se dormia 
porque despertei

Apenas à espera
que o despertador toque 
à hora para que o regulei
antes de me deitar

Já a obscuridade do quarto
é rasgada pelos raios da aurora
já lá fora se ouvem chilreios
tomado eu dos anseios
da saudade
não sinto pressa de me levantar

E porque haveria eu
de sentir pressa de me levantar
antes do despertador
tocar?

Só porque acordei antes da hora para que o regulei?

É assim o amor
é assim a saudade
assim é o dom de amar

Um despertador que nos desperta sem hora certa
estejamos ou não acordados
só com pressa de regressar


in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)


quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Uma solução sem Deus




Para tudo que me rodeia
E não compreendo
E mais me angustia
Procuro uma explicação
Uma solução sem Deus
E sem mais fantasia

Para o Universo 
Próximo e distante
Para o Cosmo que pressinto
Em cada gota
Em cada verso
Em cada célula

No aroma da flor
No arco-íris das asas da libélula
No fel das folhas do absinto
Nas modalidades do amor

Procuro uma solução sem Deus
Para a angústia atroz que me atormenta
Sem perceber porque sofro
Nem a razão de ser e de estar aqui
E não além
E de a vida ser
Nada mais que um sopro
Uma causa perdida

Procuro uma solução sem Ética 
Ou Estética
Sem Moral
Sem Mal
E sem Bem

Uma solução que ignore a Razão
Porque raciocinar
Não me impede de morrer

Procuro
Não encontro
Mas também não esmoreço

Esboroo-me em dor
Como a pedra de xisto
Percebo que só no amor
De Deus
Me restabeleço

Com a mediação
Da palavra
De Jesus Cristo
 
Vale de Salgueiro, quinta-feira, 29 de Janeiro de 2009
Henrique Pedro




segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Tantos são os sinais que nos dais, Deus!





Tantos são os sinais
que nos dais
Deus
quando amamos
a dizer-nos que amemos ainda mais
e mais

Tantos são os sinais
que nos dais
Deus
quando bem fazemos 
a dizer-nos que bem façamos ainda mais
e mais

Tantos são os sinais
que nos dais
Deus
quando sofremos
a dizer-nos que teremos que sofrer
ainda mais

Mas porque havemos
nós
de sofrer mais
e mais
e mais
Deus?!

Porque temos nós que sofrer
para aprender
a amar
meu Deus?!

E porque só pela dor
nos  dais a conhecer
o Amor
meu Deus?!

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 20 de Outubro de 2010
Henrique Pedro


quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Qual o valor do amor no mercado?





O amor cotado no mercado
sem o sentir do coração
tem baixa cotação
é pecado
é prostituição

E eu não vendo a minha paz interior
seja porque preço for

Não troco a felicidade genuína dum amor verdadeiro
pelas bacias diamantíferas da África do Sul
pelos campos petrolíferos da Arábia Saudita
por todos os camelos do deserto do Sahara
ou pela riqueza inaudita contabilizada em Wall Street

Nem mesmo pelo mundo inteiro
por todo o ouro guardado em Fort Knox
pelo poder instalado na Casa Branca
tão pouco pela glória das maiores estrelas de Hollywood
do futebol
da música
ou da dança
seja qual for a cor do dinheiro

Por nada deste mundo
por tanta coisa fútil que nada me diz
e que à Humanidade e à verdade
não acrescentam nada
apenas desesperança

Mesmo sabendo que até o amor e a paz
são  tão efémeros como o sorriso de criança

Meros mas decisivos sinais 
da Felicidade maior
que é amar mais e mais

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 3 de Dezembro de 2008
Henrique Pedro


quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Auuuuu…Auuuu…Auuuuu...



Dedicado aos meus cães
seus pais e suas mães
solto um triplo latido
sentido
em verso prosaico
disperso
onomatopaico

Auuuuu… auuuuu… auuuuu!

Talvez preferissem que esta poesia
tivesse forma e substância de osso
mas não duvido
que quando pressuroso
lhes assobiar este poema
com jactância
me ouvirão com atenção
orelhas espetadas
abanando o rabo
sentados no chão

E também eles latirão
com alegria
quando eu terminar

Auuuuu… auuuuu… auuuuu!

Muito tenho aprendido eu
com o meu irmão
cão

Encanta-me a sua afectividade
a sua lealdade
a sua disponibilidade
a sua ternura
a sua bravura
e a sua liberdade

Oh, como eu gostava de ser como eles
forte e livre!

Poder correr
sem tino
atrás das aves
e sem me perder
como quando menino

Dormir ao relento sem me constipar
poder fazer sexo
livremente
à vista de toda agente
sem complexo

Uauuuuu…

isso não…é só mesmo de cão!

Ficar enleado
com minha amada
em prolongado amplexo
e latir, latir, latir
até me fartar

Auuuuu… auuuuu… auuuuu!

Não fora o caso de ter que ter dono
de ser deixado ao abandono
ou de outra maior selvajaria
chego mesmo a pensar
se não valeria mais ser cão
que um vulgar cidadão
a quem na actual democracia
nada adianta ladrar

Vale de Salgueiro, 14 de Fevereiro de 2008
Henrique Pedro


terça-feira, 12 de novembro de 2019

A canção de amor de Dores Roha




Apenas tu ser amado
não duvido
tens a ver com a felicidade
que vivo a teu lado

Se me assalta a angústia da separação
qual vento desalmado
te digo do fundo do meu coração
o sofrimento que adviria
nada teria a ver contigo

Porque ninguém ama por obrigação
ou continua a amar
por gratidão

Depende de mim continuar
a apertar as tuas mãos
e de ti continuar a beijar
com teus lábios os meus
mas é no amar e desamar
que mais dependemos de Deus

Não deixaria de te amar
nem que te afastasses de mim
ainda que o amor fosse então
uma saudade sem fim

henrique pedro, in Códice da Pátria Luanca (Ver o Verso Edições, 2006)