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quarta-feira, 30 de setembro de 2020

A sua ausência suporto-a. A sua presença não!


Oh, que atroz dilema

que magna contradição!

A sua ausência, suporto-a

mas a sua presença não

embora a ame

sem condição


Na sua ausência sonho

sufoco o desejo

divirto o espírito com poesia

calo o coração…

 

…ardo em doce saudade…

 

À sua presença não resisto:

expludo em alegria…

perco a paciência

solto a ansiedade

abraço-a

beijo-a…

perco a razão!

 

Vale de Salgueiro, domingo, 25 de Setembro de 2011



quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Cristo Maconde

                


Estive em Nangololo (Cabo Delgado, Moçambique) em 1973, em cumprimento do serviço militar, onde padres holandeses haviam estabelecido uma importante Missão Católica. Ali foi assassinado pela Frelimo o jovem padre Daniel Boormans, em 24.08.1964.

A lápide do seu túmulo rezava assim:

 In Memorium

Daniel Boormans

d.m.m

13.09.1931 - 24.08.1964

R.I.P.

Nangololo é igualmente um dos cenários do meu romance Cruzes de Guerra (Romance do fim do império).

Notícias recentes, que recebo com amarga tristeza, referem que a referida Missão foi agora destruída pelos chamados insurgentes.

Aqui deixo o poema escrito na altura, tocado pela beleza e espiritualidade do Cristo de pau-preto que existia por cima do altar mor.

 

Cristo Maconde

 

Feriram agora com um tiro

A parede que O sustém

 

Mataram-lhe o próprio servo

Como sinal primeiro

Da guerra que O deixou só

 

Espera o povo disperso

Na floresta do abandono

Entregue a falsos profetas

Que alimentam de palavras

Este presente amargo

 

Sorri no espaço suspenso

 

Em Sua beleza de ébano

 

Tem um sorriso sem cor

 

O Cristo deixado só

 

 Nangololo (Cabo Delgado, Moçambique)

22 de Dezembro de 1972


sábado, 12 de setembro de 2020

Qual foice? Qual martelo!? Qual punho fechado!?Qual sinistra globalização?!



Era de amor e de glória

o vento da História

que na memória

se não perdeu

 

Salazar leu, por certo, inquieto

a história aos quadradinhos para meninos

que falava de  Camões, Gama e Albuquerque

e como qualquer moleque

sonhou

 

Imaginou nova mítica ínclita gente

tomou a peito o suspeito papel de ditador

e ousou ir além do Bojador

qual preito de virtude

 

Embalado pelo legado de Xavier, Vieira e Pessoa

de um tal Aleixo Corte-Real

de um notório Honório Barreto

e demais sagradas aparições

deste e do outro mundo se houver

lançou à toa a lusa juventude

em nova epopeia

no mar da doutrina de Cristo

em caravelas de amor e verdade

ideia de império místico salvífico

ébrio de humanidade

 

Muitos foram os que acreditaram

e não desertaram

os que ingloriamente morreram

 

Muitos mais são hoje em dia

os deserdados do patético império soviético

a quem Deus nada dizia

nem disse

e acabaram por tudo perder

 

Muitos aqueles a quem a mal quista marxista

internacional socialista

dia a dia desiludia

com mentira, falsidade e fantasia

 

Qual foice?! Qual martelo!?

Qual punho fechado!?

Qual sinistra globalização?!

 

Não é que a velha portugalidade

que irmanava brancos, negros e amarelos

agnósticos, lobos e agnelos

numa una lusa fraternidade

esteve a beira de vingar?!

 

Mas não!

Tudo se afundou

na criminosa, ignominiosa, trágica descolonização

 

Qual foice?! Qual martelo!?

Qual punho fechado!?

Qual sinistra globalização?!

 

Só uma nova portugalidade

plena de justiça, amor e liberdade

a brancos e negros poderá salvar


 Henrique António Pedro

Vale de Salgueiro, 12 de Setembro de 2020

 


domingo, 23 de agosto de 2020

Bem me quer quem me quer bem

 

A sua imagem

reflectida no meu olhar

me impediu de a ver


O seu falar

a ecoar nos meus ouvidos

não me deixou ouvir a sua voz

 

O seu perfume

me impediu de aspirar o seu aroma

 

Os seus lábios sôfregos

ao beijar os meus

sufocaram os beijos

 

O viço da sua púbis

viciou os meus desejos

e me inibiu de a ter

 

O bater do seu coração

perturbou o bater do meu

e desvirtuou o nosso amor

 

Fechei os olhos

procurei outras imagens

na minha mente

mas só encontrei frustração

e dor

 

Ela dizia sim à paixão

mas ao amor

não

 

Bem me quer

mal me quer

bem me quer quem me quer bem

 

Vale de Salgueiro, domingo, 15 de Março de 2009

Henrique Pedro



domingo, 16 de agosto de 2020

Para onde quer que vás Luís Vaz…





O imortal poeta da gesta da lusa gente

morreu na miséria

indigente

Dele me lembrei quando também passei

pela Ilha de Moçambique

a mítica ilha do mar Índico onde Luís Vaz

o Camões

penou de verdade
de mão estendida à caridade

no regresso do Oriente

expoente de mil desilusões


Ali havia uma estátua de bronze
erigida num recanto sem encanto

que servia de pouso a pássaros

que lhe defecavam na cabeça

embora melhor mereça

Não sei se ainda lá estará
se agora já não jazerá

nalgum monturo de inutilidades

nalgum armazém de banalidades
ou ornamentará o lar dalgum nativo

mais imaginativo

que nele pressentiu a magia

e o perfume

da poesia

 
Foi lá
e então
que me ocorreu este poema
embora só agora o dê a lume
porque hoje em dia

na minha desilusão ardem

sentimentos frustrantes

de ser português

e também talvez

por também eu pertencer aos Vaz de Vilar de Nantes

onde o poeta nasceu

 

Luís Vaz foi um inútil até deixar de o ser

quando a genialidade da sua poesia
gerou ventos e marés
e construiu autoestradas de sonho

por cima do mar medonho

Foi um verdadeiro indigente
mais mal pago que um qualquer operário

que com mais acerto, por certo

lavrava a terra ou caiava paredes

 

Foi um sem-abrigo

um semi-anjo
um quasi-deus

um apátrida
um extraterrestre sem interesse
a quem o soldo não bastou

para regressar à Pátria

que o enjeitou

Poeta e soldado o foi onde houve verdade

sonho, amor, mistério e poesia

que um dia ergueram um Império de Humanidade

hoje em dia sem utilidade

tanto quanto sei

 

Para onde quer que vás, Luís Vaz…

contigo

lá estarei!

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 30 de Setembro de 2010

Henrique António Pedro

 

 

 


segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Aurora




Ainda na aurora da puberdade
nem sabíamos bem
o que mentira e verdade seriam
ou deixariam de ser

As primeiras chispas de amor
vi-as no olhar de Aurora
embora eu não visse
as que saíam do meu

Embora ela me dissesse que os meus olhos
faiscavam amor

Embora talvez ela as confundisse
com centelhas
de desejo

Certo que o ensejo
dos primeiros choques eléctricos
os experimentámos no toque das mãos

Depois
depressa percebemos o embaraço
mais forte
do abraço
e já deslumbrados sentimos que os lábios
sempre que se uniam
disparavam faíscas

Passámos então a divertir-nos
a provocar relâmpagos
tocando as pontas das línguas

Até que o meu corpo
e o dela
em perfeita conexão
se envolveram em fantástica tempestade electromagnética
com os músculos e nervos em convulsão
electrocutados
e os espíritos em frenesim

Foi assim
que aprendemos a gerar
energia suficiente para iluminar toda a cidade

E tantas vezes as lâmpadas se acenderam
e apagaram
que acabámos por descobrir
já à míngua de novidade
que amar é mais que isso
muito mais que química
ou electricidade

É força anímica

É o acender de uma luz suave
no fundo da alma

Muito mais do que soltar relâmpagos
na ponta da língua

in Mulheres de amor inventadas (1.ª Edição, Outubro de 2013)