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domingo, 25 de outubro de 2020

Angola, Pátria mulata



Angola

Pátria mulata

Mista amor ardente

Europa e África

 

Rosto de ébano perfeito

Mãos cálidas de cavador

Gota de honrado suor

 

Frémito delirante de batuque

Sorriso puro de rubra romã

Grito de amor ao sol pôr

 

Queimada ateada na vastidão

Pirão amassado com o suor do rosto

Liberdade hasteada em pau de coqueiro

 

Cheiro a peixe seco em colmo de cubata

Picada regada de suor e angústia

Sanzala perdida nos confins do sertão

 

Pó de mandioca de alvura infinita

Canção de embalar de uma mãe preta

Rio espraiado em fauna e flora

 

Grácil mulher em sombra de palmeira

Rosa nascida por entre o capim

Fortaleza antiga a guardar a História

 

Tantã batido em ritmo novo

Amor e ódio a dilacerar o povo

 

Lufadas de guerra exaladas da terra

Humanismo de futuro

Glória e martírio das gentes

Sem cor.

 

Vendas Novas, 11 de Janeiro de 1971

 

in Poemas da Guerra de Mim e de Outrem (Editora Piaget-2001)



terça-feira, 6 de outubro de 2020

Amo-a mas não gosto dela.

 


Amo-a

com enlevo

mais do que devo

ainda assim

lhe digo que não gosto dela

embora seja ela muito bela

 

Gostava isso sim

que ela fosse diferente

ou me fosse indiferente

 

Gostava de a amar e dela gostar

tal como ela é e como ela quer, mas…

sinceramente

não gosto dela!

 

Diz-me ela que não há mas nem meio mas

que é meu puro engano

ou a amo e gosto dela

assim como ela é

ou não amo

 

Saber que a amo

mas que não gosto dela

e que assim a ela não lhe gosto

como espero

e não reclamo

é o meu desgosto

 

Amo-a mas não gosto dela

nem a quero!

 

Henrique Pedro-1967



domingo, 4 de outubro de 2020

O amor não tem asas mas voa

 


Um par de pombas enamoradas

pôs-se a dançar danças de amor

despudoradas

de fronte da minha janela

só para me provocar

 

Fascinado

deixei-me ficar com cautela

aprendiz a elas enleado

calado

e a vê-las dançar

entrelaçadas

em feliz liberdade

 

A pousar e a levantar

a voar

adejando com graciosidade

 

De pronto me imaginei a dançar com elas

e me pus a pensar:

Porque não nos deu asas

o Criador?

 

E fez também do homem um ser voador

para assim poder bem amar a mulher amada

também ela alada

e ambos a voar se poderem amar?

 

Porque não são precisas asas

para amar

assim à toa

 

Porque o amor não tem asas

mas voa

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 1 de Maio de 2009

Henrique António Pedro



quarta-feira, 30 de setembro de 2020

A sua ausência suporto-a. A sua presença não!


Oh, que atroz dilema

que magna contradição!

A sua ausência, suporto-a

mas a sua presença não

embora a ame

sem condição


Na sua ausência sonho

sufoco o desejo

divirto o espírito com poesia

calo o coração…

 

…ardo em doce saudade…

 

À sua presença não resisto:

expludo em alegria…

perco a paciência

solto a ansiedade

abraço-a

beijo-a…

perco a razão!

 

Vale de Salgueiro, domingo, 25 de Setembro de 2011



quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Cristo Maconde

                


Estive em Nangololo (Cabo Delgado, Moçambique) em 1973, em cumprimento do serviço militar, onde padres holandeses haviam estabelecido uma importante Missão Católica. Ali foi assassinado pela Frelimo o jovem padre Daniel Boormans, em 24.08.1964.

A lápide do seu túmulo rezava assim:

 In Memorium

Daniel Boormans

d.m.m

13.09.1931 - 24.08.1964

R.I.P.

Nangololo é igualmente um dos cenários do meu romance Cruzes de Guerra (Romance do fim do império).

Notícias recentes, que recebo com amarga tristeza, referem que a referida Missão foi agora destruída pelos chamados insurgentes.

Aqui deixo o poema escrito na altura, tocado pela beleza e espiritualidade do Cristo de pau-preto que existia por cima do altar mor.

 

Cristo Maconde

 

Feriram agora com um tiro

A parede que O sustém

 

Mataram-lhe o próprio servo

Como sinal primeiro

Da guerra que O deixou só

 

Espera o povo disperso

Na floresta do abandono

Entregue a falsos profetas

Que alimentam de palavras

Este presente amargo

 

Sorri no espaço suspenso

 

Em Sua beleza de ébano

 

Tem um sorriso sem cor

 

O Cristo deixado só

 

 Nangololo (Cabo Delgado, Moçambique)

22 de Dezembro de 1972


sábado, 12 de setembro de 2020

Qual foice? Qual martelo!? Qual punho fechado!?Qual sinistra globalização?!



Era de amor e de glória

o vento da História

que na memória

se não perdeu

 

Salazar leu, por certo, inquieto

a história aos quadradinhos para meninos

que falava de  Camões, Gama e Albuquerque

e como qualquer moleque

sonhou

 

Imaginou nova mítica ínclita gente

tomou a peito o suspeito papel de ditador

e ousou ir além do Bojador

qual preito de virtude

 

Embalado pelo legado de Xavier, Vieira e Pessoa

de um tal Aleixo Corte-Real

de um notório Honório Barreto

e demais sagradas aparições

deste e do outro mundo se houver

lançou à toa a lusa juventude

em nova epopeia

no mar da doutrina de Cristo

em caravelas de amor e verdade

ideia de império místico salvífico

ébrio de humanidade

 

Muitos foram os que acreditaram

e não desertaram

os que ingloriamente morreram

 

Muitos mais são hoje em dia

os deserdados do patético império soviético

a quem Deus nada dizia

nem disse

e acabaram por tudo perder

 

Muitos aqueles a quem a mal quista marxista

internacional socialista

dia a dia desiludia

com mentira, falsidade e fantasia

 

Qual foice?! Qual martelo!?

Qual punho fechado!?

Qual sinistra globalização?!

 

Não é que a velha portugalidade

que irmanava brancos, negros e amarelos

agnósticos, lobos e agnelos

numa una lusa fraternidade

esteve a beira de vingar?!

 

Mas não!

Tudo se afundou

na criminosa, ignominiosa, trágica descolonização

 

Qual foice?! Qual martelo!?

Qual punho fechado!?

Qual sinistra globalização?!

 

Só uma nova portugalidade

plena de justiça, amor e liberdade

a brancos e negros poderá salvar


 Henrique António Pedro

Vale de Salgueiro, 12 de Setembro de 2020