Seja bem vindo/a. A mesa da poesia está posta. Sirva-se. Deixe, por favor, uma breve mensagem. Poderá fazê-lo para o email: hacpedro@hotmail.com. Bem haja. Please leave a brief message. You can do so by email: hacpedro@hotmail.com. Well done.

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Dissecando a alma da mulher vaidosa


Até a mais rubra rosa tem espinhos

e no espírito de uma mulher virtuosa

sempre existe o espinho da vaidade

e mais espinhosos são os caminhos

se a rosa é vaidosa

 

Tomei alfinetes de prata e de marfim

para dissecar a alma de uma mulher vaidosa

que aparentava ser santa

acabei por me retalhar a mim

 

Dei-lhe a beber o veneno da fantasia

que não mata

mas encanta

se diluído em poesia

 

Provoquei-lhe mil desejos

e perdi-me em seus cabelos

olhos

seios

coxas

e humores

 

Povoei o meu ser de flores roxas

e dos ensinamentos sábios

que bebi em seus lábios

 

Apenas quando

por fim

o sopro da verdade me percorreu o corpo

e a punção da sexualidade

me alterou o coração

se libertou em mim o escopro da espiritualidade

 

De mil formas são as formas da vaidade

uma só a forma da verdade

 

Vale de Salgueiro, segunda-feira, 26 de Julho de 2010

Henrique António Pedro


domingo, 25 de outubro de 2020

Angola, Pátria mulata



Angola

Pátria mulata

Mista amor ardente

Europa e África

 

Rosto de ébano perfeito

Mãos cálidas de cavador

Gota de honrado suor

 

Frémito delirante de batuque

Sorriso puro de rubra romã

Grito de amor ao sol pôr

 

Queimada ateada na vastidão

Pirão amassado com o suor do rosto

Liberdade hasteada em pau de coqueiro

 

Cheiro a peixe seco em colmo de cubata

Picada regada de suor e angústia

Sanzala perdida nos confins do sertão

 

Pó de mandioca de alvura infinita

Canção de embalar de uma mãe preta

Rio espraiado em fauna e flora

 

Grácil mulher em sombra de palmeira

Rosa nascida por entre o capim

Fortaleza antiga a guardar a História

 

Tantã batido em ritmo novo

Amor e ódio a dilacerar o povo

 

Lufadas de guerra exaladas da terra

Humanismo de futuro

Glória e martírio das gentes

Sem cor.

 

Vendas Novas, 11 de Janeiro de 1971

 

in Poemas da Guerra de Mim e de Outrem (Editora Piaget-2001)



terça-feira, 6 de outubro de 2020

Amo-a mas não gosto dela.

 


Amo-a

com enlevo

mais do que devo

ainda assim

lhe digo que não gosto dela

embora seja ela muito bela

 

Gostava isso sim

que ela fosse diferente

ou me fosse indiferente

 

Gostava de a amar e dela gostar

tal como ela é e como ela quer, mas…

sinceramente

não gosto dela!

 

Diz-me ela que não há mas nem meio mas

que é meu puro engano

ou a amo e gosto dela

assim como ela é

ou não amo

 

Saber que a amo

mas que não gosto dela

e que assim a ela não lhe gosto

como espero

e não reclamo

é o meu desgosto

 

Amo-a mas não gosto dela

nem a quero!

 

Henrique Pedro-1967



domingo, 4 de outubro de 2020

O amor não tem asas mas voa

 


Um par de pombas enamoradas

pôs-se a dançar danças de amor

despudoradas

de fronte da minha janela

só para me provocar

 

Fascinado

deixei-me ficar com cautela

aprendiz a elas enleado

calado

e a vê-las dançar

entrelaçadas

em feliz liberdade

 

A pousar e a levantar

a voar

adejando com graciosidade

 

De pronto me imaginei a dançar com elas

e me pus a pensar:

Porque não nos deu asas

o Criador?

 

E fez também do homem um ser voador

para assim poder bem amar a mulher amada

também ela alada

e ambos a voar se poderem amar?

 

Porque não são precisas asas

para amar

assim à toa

 

Porque o amor não tem asas

mas voa

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 1 de Maio de 2009

Henrique António Pedro



quarta-feira, 30 de setembro de 2020

A sua ausência suporto-a. A sua presença não!


Oh, que atroz dilema

que magna contradição!

A sua ausência, suporto-a

mas a sua presença não

embora a ame

sem condição


Na sua ausência sonho

sufoco o desejo

divirto o espírito com poesia

calo o coração…

 

…ardo em doce saudade…

 

À sua presença não resisto:

expludo em alegria…

perco a paciência

solto a ansiedade

abraço-a

beijo-a…

perco a razão!

 

Vale de Salgueiro, domingo, 25 de Setembro de 2011



quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Cristo Maconde

                


Estive em Nangololo (Cabo Delgado, Moçambique) em 1973, em cumprimento do serviço militar, onde padres holandeses haviam estabelecido uma importante Missão Católica. Ali foi assassinado pela Frelimo o jovem padre Daniel Boormans, em 24.08.1964.

A lápide do seu túmulo rezava assim:

 In Memorium

Daniel Boormans

d.m.m

13.09.1931 - 24.08.1964

R.I.P.

Nangololo é igualmente um dos cenários do meu romance Cruzes de Guerra (Romance do fim do império).

Notícias recentes, que recebo com amarga tristeza, referem que a referida Missão foi agora destruída pelos chamados insurgentes.

Aqui deixo o poema escrito na altura, tocado pela beleza e espiritualidade do Cristo de pau-preto que existia por cima do altar mor.

 

Cristo Maconde

 

Feriram agora com um tiro

A parede que O sustém

 

Mataram-lhe o próprio servo

Como sinal primeiro

Da guerra que O deixou só

 

Espera o povo disperso

Na floresta do abandono

Entregue a falsos profetas

Que alimentam de palavras

Este presente amargo

 

Sorri no espaço suspenso

 

Em Sua beleza de ébano

 

Tem um sorriso sem cor

 

O Cristo deixado só

 

 Nangololo (Cabo Delgado, Moçambique)

22 de Dezembro de 1972