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sexta-feira, 10 de maio de 2013

Em mim não acredito e de Deus desconfio






O Cosmos de meu avô João

era toda a terra em que à luz das estrelas

semeava pão


O meu

é todo o espaço-tempo

em que planto poemas

eivados de dilemas

e de contrição

 

Cosmos infinito

mas pequenino

o meu!

 

Do tamanho do silêncio

indiferente

de Deus

 

Magistério de mistério

que professo como monge

porfiando poesia

 

A gritar poemas sem tino

e a acenar

a acenar

na esperança de que alguém

me virá salvar

 

Se é que não ando a deitar

tudo a perder

 

Em mim não acredito

e de Deus desconfio…

que só Ele

me poderá valer

 

Vale de Salgueiro, 24 de Outubro de 2007

Henrique António Pedro

 ção, Outubro de 2013)

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Assim a inspiração bate à porta




Geia lá fora
há estrelas no céu
a luzir
ao luar

Àquela hora morta
durmo a bom dormir

A Natureza que me rodeia
enrolada em silêncio
e neblina
é uma menina
que seria malvadez
acordar

Mas eis que a inspiração
bate à porta
a preceito
sem timidez

Pancadas fortes
rimadas
é um poema que quer entrar
que se obstina
em não se deixar esquecer
não tenho outro jeito
senão
me levantar

Ossos do ofício de poeta
que teima em dormir
de alma desperta

Pois seja

Ei-lo!

Amanhã
de manhã
mal o sol raiar
cuidarei de o publicar


in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)



segunda-feira, 6 de maio de 2013

Amor de Maio




Agora que entrou Maio
langoroso, sensual e perfumado
lembro
saudoso
e sorrio
com agrado

A pantera cor-de-rosa
que eu acariciava
temeroso
deliciado

No prado
ameno
à beira rio
marchetado de malmequeres

Reclinava a cabeça no meu peito
amorosa
a jeito de que eu a pudesse mimar
com a juba odorada de feno
a esvoaçar

A sua mão era a brisa
que me abria a camisa
e me convidava a voar

Agora que entrou Maio
langoroso, sensual e perfumado
lembro
saudoso
e sorrio
com agrado

domingo, 5 de maio de 2013

Amai mais e mais





Amai!

Amai
tudo e todos

Amai!

Amai
as pedras do caminho
o capim daninho que pisais

Amai
mais e mais

Amai!

Escutai vosso amor em eco
reflectido no horizonte
no ermo sem vivalma
no deserto mais seco
nas fragas do monte
dentro e fora de vós
mesmo se estais
sós

Amai!

Amai
a água que bebeis
o ar que respirais
não deixeis que a Natureza
seja conspurcada jamais

Amai!

Deixai que a voz do amor
se ouça mais
que o ranger de rancor
ou a raiva de dor

Amai!
Mais e mais

sábado, 4 de maio de 2013

À hora a que os ceifeiros dormiam a sesta





À hora a que os ceifeiros dormiam a sesta

 

Vou permanecer por aqui, por agora

postado neste meu calmo cais cósmico

natureza adoçada em ondas suaves de colinas

sobrevoadas por nuvens, no azul cerúleo

e por aves em revoada

que arrulham seus cantares de Primavera

desde o nascer ao sol-pôr, em divinas rotinas

de amor

 

Tudo observo e sorvo de alma calada

em espera paciente do dia em que irei renascer

 

Ainda não é a hora do crepúsculo

o sol mediurno ainda vai alto e queima

 

É a hora a que os ceifeiros dormiam a sesta

descansando da longa e penosa madrugada

 

Assim desejaria eu viver para sempre

fazendo do presente um eterno devir

malgrado os ventos desta angústia estranha

de um dia ter que partir

tenha eu, para tanto, coragem tamanha

 

Há já uma eternidade que espero

sem saber bem porque assim vivo

neste espaço-tempo feito de espuma

e de bruma

 

Mas esperarei mais outra eternidade

se necessário for

porque não duvido do Amor

acredito em Deus

e estou certo de ser eterno

 

E nunca digo adeus a ninguém

nem a coisa nenhuma

 

Vale de Salgueiro, 1 de Maio de 2008

Henrique António Pedro

 

in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)





sábado, 27 de abril de 2013

O nosso fim é ser anjos




O nosso fim é ser anjos
libertarmo-nos do peso do corpo
e ganhar asas
para poder voar

À custa de sofrer
e de amar
e disso tomar consciência
pela ciência
e pelo saber
pelo sopro de Deus
sobretudo
que é o amor

Este o sentido da dor
da verdade
e da castidade

Antíteses do prazer
e da vaidade
que nos  amarram à terra
em que a vida se encerra

Razão de ser de nascer
viver
e morrer

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Siddhartha




Releio Hermann Hesse
sentado à sombra de uma figueira
em tarde quente de Verão
afagado pelo vento suão
que me entorpece

Adormeço

Reacende-se o sonho
de uma vida inteira
que fantasio noite e dia

A doce Kamara solta o sari
voluptuosa
desnuda o peito
rosa
coloca o seu pé direito
sobre o meu pé direito
e convida-me a amar
da forma que as escrituras
chamam de “subir à árvore”

Agora que as mangas já estão maduras
sanguíneas
o sangue ferve
por dá cá aquela palha
e nos ilumina a poalha
do prazer

A sua boca explode num sorriso de sedução
tomo-lhe um seio na mão
e beijo-lhe os cumes róseos
ora um ora outro
e ela começa a entoar canções de amor
sem compasso

Trepamos tronco acima
tronco a baixo
sem jeito
tronco contra tronco
peito contra peito

Acabamos sentados num ramo
lado a lado
abraçados
coabitando com aves e macacos
deliciando-nos com os frutos

Sem asas para voar
nem escada para descer

Apenas com beijos
e mais beijos
e mais desejos
e mais sonhos para sonhar

quinta-feira, 25 de abril de 2013

As armas de Abril não chegaram a florir



O País está em crise

a Nação em comoção

 

O Estado foi espoliado

a Pátria expatriada

a República traída

a Língua assassinada

a Democracia pervertida

 

À História roubaram a glória

 

Ouvem-se Álvares Pereira, Gama e Camões

Albuquerque e Vieira

Santo António de Lisboa e Fernando Pessoa

a protestar

 

As armas de Abril não chegaram a florir

 

Há cardos a florear na lapela

dos campeões do regime

democracia do crime

nova ditadura dos donos da fartura

da vida boa e bela

a cantar e a sorrir

 

E há cravos a cravejar o peito do povo servil

cravados pelo socialismo radical

pelo capitalismo mais vil

os traidores de Portugal

 

Nas ruas da amargura batem os corações

das multidões esfomeadas

injustiçadas

dos sem eira nem beira

a reclamar

 

A cantar um canto de desencanto

em seu peito febril

a jeito de quem diz: retomai Abril!

com verdade e em liberdade

votar já não basta

já de nada vale votar

 

A Bem da Nação, portugueses, gritai basta

votai sim, mas dizei não!

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 8 de Dezembro de 2010

Henrique António Pedro

 

 



terça-feira, 23 de abril de 2013

Angústia glandular




Esta angústia silenciosa
que ora por ora me aflige
como se fora uma saudade
dolorosa
com causa desconhecida
poderá nada ser
de verdade
nem passar
sequer
de uma disfunção glandular
aborrecida

Escuso portanto
de me afligir
muito menos de me angustiar

Mas melhor será
ainda assim
fingir
que embora expulso do Paraíso
me encontro de perfeito juízo
e não tardo a para lá voltar
se foi de lá que eu vim

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Amor sem rosto





Não lhe conheço o rosto
nem a voz
nem a cor
Mas tenho-lhe amor

Disfarça a face
nas imagens em que se abre
e se fecha
em segredo

E quanto mais se cala
mais a sua fala
me exaspera
mais dolorosa se torna
a espera
e mais me envolvo com miragens

Sonho súcubo em que me enredo
será que tem alma?
Que é seu o corpo?

Alma tem
que lhe pressinto o sopro
corpo não sei
que ainda o não amei

Será que a amo
e a não conheço
porque a não mereço?

Amar assim resoluto
em pura fantasia
um amor sem rosto
indiferente à dor
apenas indicia
o carácter absoluto
do amor

domingo, 21 de abril de 2013

Amor pretérito passado simples






O nosso amor já não é
Foi!

É pretérito passado simples
simplesmente

Este amor já não é!
Ponto final

Teria sido, fora
quando também tu me amavas!
Pretérito passado composto

Ponto e vírgula

Este amor já não é!
É, ainda!
Pretérito mais que perfeito

Fora sim
amor
se..

Reticências

Este amor já não é!
É!

Presente do indicativo

Agora se cumpre
na memória
plenamente

Com todo o impacto
das coisas boas e más
que subsistem em nossas vidas

Dois pontos

Este amor já não é
Será!

Futuro condicional

Lembrança pura
enquanto dele memória houver

Ponto de interrogação

sábado, 20 de abril de 2013

Amar mais e mais




Os meus olhos
não vêem além do horizonte
e os ouvidos não escutam mais que os sons e os ruídos próximos
fugidios

As mãos não tacteiam mais que a pele de corpos
e a superfície dos objectos

O coração apaixona-se sem sabe porquê
e o cérebro apenas suporta uns quantos cálculos, associações e deduções

O meu espírito angustia-se
e oprime-me a ansiedade
porque não sou livre
porque estou limitado
encarcerado
dentro de mim

A olhar o mundo e o cosmos
por uma estreita fresta
por onde mal passa a luz

Mas o meu espírito anseia por ver mais
tactear mais
ouvir mais
amar mais
e mais
e mais

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Amo-a quando…




Amo-a quando…
a olho
lhe falo
a desejo
a afago
a beijo

Quando grito ao vento
a minha paixão
e sem remissão
lhe declaro o meu amor
para todo o tempo

Amo-a quando
sonho o futuro de sonho
com ela
quando nos amamos
ou sofremos em comum

Quando sinto as suas dores de parto
quando dela me aparto
a sofrer
mas forte bate o coração
e sem razão
sinto medo de a perder

Amo-a quando escrevo versos
sentidos
mas banais
como estes
que
só porque a amo
são para mim
poemas geniais

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Escadas helicoidais




Surgiu-me esta ideia
quando subia as escadas que todos os dias subo
quando me vou deitar

Poderia ter-me surgido ao descer
depois de acordar
o que seria bem mais difícil
porque sempre desço mais atento
aos passos
mais ainda que às ideias
porque maior é o risco de tropeçar
e de cair

Por isso nunca liberto as ideias
ao descer
e antes me seguro ao corrimão
com uma mão
para as não deixar fugir

São umas escadas altas
em madeira de castanho
enroladas
de formato helicoidal
que dão acesso a uma varanda
interior
que
como se vê
também me conduzem por mim a dentro
quando me vou deitar

Sendo que o mais certo
será com alguma coisa sonhar
enquanto durmo
de espírito ao léu

Escadas de sonho
que sempre que sinto sono
subo
como se subisse para o céu

Surgiu-me esta ideia
ao subir as escadas que todos os dias subo
quando me vou deitar