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sexta-feira, 20 de outubro de 2023

História de um amor tresmalhado

 



Não foi o vento não

 

Foi uma lufada da mais cruel verdade

um ciclone de desilusão

que soprou pelo Outono

na alma indefesa

demasiado presa

ao coração

 

Foi uma aragem de angústia

um sopro de saudade

eriçada a destempo

em tempestade

 

A chuva dissolveu os versos

o vento dispersou as palavras

 

E as sílabas voaram feitas folhas soltas

por entre ruídos

de ideias rasgadas

 

Que nas voltas e reviravoltas da amargura

retornaram à razão

entristecidas

com o espírito votado ao abandono

esfrangalhado

roído de dor

caído na loucura

 

Restou

este poema memória

história triste

crua

de um amor tresmalhado

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 17 de Abril de 2009

Henrique António Pedro

 

terça-feira, 17 de outubro de 2023

É assim que eu te amo


Com o viço do jacinto

que resplandece em cada dia

com o sol nascente

é assim que eu me sinto

quando te vejo surgir de repente

a sorrir

inundando de alegria

o ambiente

 

É assim que eu te amo

 

Com o encanto do poeta

em quem o sorriso de uma mulher bela

que graciosa lhe sorri

desperta inspiração

sem outra intenção

que não seja olhar para ela

e amá-la

só de contemplá-la

 

É assim que eu te amo

 

Com a doce sensualidade

que emana dos anjos

é como eu te amo

 

E de que outra forma haveria eu

de te amar?

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 4 de Agosto de 2010

Henrique António Pedro

 

sábado, 14 de outubro de 2023

Acendo a minha própria pira funerária

 


Ergo a minha própria pira funerária

numa planície erma e desolada

em dia de vento gélido, neve e geada

quando o Outono já é quase Inverno

fujo do inferno


Amontoo folhas secas perfumadas

esqueletos de roseiras decepadas

ramos de oliveiras bentas

farrapos de bandeiras

livros, sebentas e jornais inúteis

lembranças de amores vencidos

sucessos, insucessos e vãs glórias

histórias de encantar

confidencias de fazer corar

 

Coloco ideias loucas a servir de rastilho

ponho-me de pé no topo do monturo

em pose olímpica

qual estátua de Júlio César

de calvície coroada de folhas de louro

faço o meu próprio auto de fé


Risco um verso

 

De pronto fumega a minha épica loucura

em breve surgirão as primeiras chamas

 

Torturam-me imagens das viúvas indianas imoladas

dos relaxados nas fogueiras da Santa Inquisição

dos kamikazes dementes do Médio Oriente e do Japão

dos bombeiros imolados nas Torres Gémeas

das crianças degoladas na Palestina

e abandonadas à sua sorte maligna

 

Quando as labaredas me alcançam

e ameaçam queimar-me

expludo!

 

É o meu espírito que estoura como fogo de artifício

e se reintegra no seio de Deus

 

De mim poeta nada resta

porque a minha inutilidade é total

 

Apenas uns versos soltos

fumos sem fogo

com as quais o vento se diverte

insuflando-lhes vida aparente

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 2 de Dezembro de 2008

Henrique António Pedro


 

 

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

A vida é um rio e a morte é o mar

 


 

A vida é um rio

e a morte é o mar

vazio

 

Rio de fantasia

a correr sem parar

de montante para jusante

e por aí adiante

 

Rio de agonia

que corre

veloz

do nascimento até à foz

onde morre

 

E nós no meio das águas

a ver as margens passar

só mesmo com poesia

ousamos nele navegar

ao sabor da sorte

tentando não nos afogar

embora certa seja

a morte

 

Morte que é um mar

vazio

sem espaço nem tempo

nem outro lugar

 

A vida é um rio

e a morte é o mar

onde as almas almejam velejar

nas ondas do destino

rumo à Eternidade

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 6 de Outubro de 2010

Henrique António Pedro

 

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

A rosa de Saron


Naquele palácio agora vazio

de paredes indignadas de silêncio

e martírio

 

Pedras chagadas pelo tempo

e pelo vento

pela areia que medeia novo tormento

cobiça de fantasmas

que se alimentam de miasmas

a gemer

 

Havia tapeçarias

e archotes a arder

bailarinas

e cisternas de águas cristalinas

 

Ali

fui principe e fui rei

essénio e soldado

enamorado

 

Ali matei e morri

e amei, amei, amei

 

Ademais

renasci

 

Ali

a rosa de Saron

o lírio dos vales

bálsamo de todos os males

se enraizou no meu peito

e não mais parou de florir

 

E Massada não cairá nunca mais

 

Jamais!

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 29 de Setembro de 2010

Henrique António Pedro

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Fadas, Faunos e Fragas

 


Quem me dera poder viver no seio da Mãe Natureza

Tendo por morada o ninho duma águia

A cova dum lobo

A covil dum cão

A toca duma amorosa raposa

Ou a lura duma lebre alegre

Como tantas que se acoitam com destreza

Nos fojos profundos do quadraçal

Onde há milénios corre silencioso

Em seu leito de mistério e emoção

Povoado de fadas, faunos e fragas

O meu amoroso rio Rabaçal

 

Pernoitar entocado entre penedos

Não sentir frio, calor ou medos

Nem outro incómodo maior

Que a mística enxerga matriz da humanidade

Que acomodava Francisco de Assis

 

Alimentar-me de medronho e de amoras silvestres

Beber água pura da nascente

Namorar ao luar

Tendo as estrelas como luzeiros para me alumiar

E a sinfonia tangida pela brisa do cair da tarde

Nas copas dos pinheiros altaneiros

Para me tranquilizar

 

Apenas morrer quando me apetecer

Deixando meus poemas gravados nas pedras disformes

Informes do amor e da verdade que a todos redime

 

E continuar a evolar com alegria

Nesta fantasia sublime

Qual fauno converso neste universo

Que é templo de palavras lavradas em verso

 

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 12 de Fevereiro de 2010

Henrique António Pedro

 

 

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

No limiar da minha lembrança de criança

 


No tempo em que a minha lembrança

de criança

se inicia

 

E no meu entendimento

embora fosse Deus alguém que eu desconhecia

admitia

ainda assim

que fora Ele a criar meus avós

primeiro

e meus pais

depois

 

Embora fossem meus pais

que eu conhecia melhor

ainda assim

que moviam sós

todo o mundo só para mim

 

Eu nem sequer me conhecia a mim tão bem

como conhecia meu pai e minha mãe

 

Com eles partilhava um mundo que era só meu

que melhor eu bem compreendia

e sentia

porque ainda não sabia

que coisa era a dor

 

No limiar da minha lembrança de criança

não havia espaço sequer

para o sonho, o temor ou a esperança

ou para o que a Deus aprouver

 

Porque esse meu mundo era um mundo só meu

 e era só puro amor

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 3 de Agosto de 2010

Henrique António Pedro

sábado, 7 de outubro de 2023

Nem sei se ainda por aqui ando ou se já me fui embora daqui

 


Nem sei se ainda por aqui ando ou se já me fui embora daqui

 

Esta melancolia que me assola

em dias de chuva aborridos

ou quando o sol poente

me deixa lânguido da saudade

de quem anda ausente

estando embora presente

é uma tristeza deliquescente

mais própria dos vencidos

 

Abandono-me à nostalgia emergente

e paro de me angustiar

viro as costas às perguntas do costume

que sei

de antemão

não terem respostas

 

É quando uma morrinha miudinha

me toma os sentidos

a ponto de não me sentir nada

nem ninguém

nem magma

nem matéria

em nada materializado

em nenhum estado de espírito realizado

ocaso ou aurora

 

Fico sem saber se ainda por aqui ando

ou se já me fui embora daqui

se a poesia é coisa séria

ou não passa de uma pilhéria

 

Até que o ensejo de um bocejo sorri

me faz despertar dessa sonolência demente

e retomar a vida corrente

 

Vale de Salgueiro, domingo, 24 de Maio de 2009

Henrique António Pedro


 

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Estado de alma estranho ao normal sentir

 


Estado de alma estranho ao normal sentir

 

Não é angústia nem ansiedade

dúvida ou falta de vontade

dor interior ou exterior

 

Não é aborrecimento nem saudade

contentamento ou felicidade

náusea ou fastio

alegria ou desilusão

medo da morte

vontade de morrer

delírio

alvedrio

vazio

frio

arrepio

premonição

 

É uma espécie de apatia activa

uma viva abolia

 

É um desejo de fugir

daqui

de mim

d`além

sem que saiba bem

para onde quero ir

 

É um estado de alma estranho ao normal sentir

que eu não sei definir

 

Talvez seja só contemplação

alegoria de iluminação

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 13 de Fevereiro de 2009

Henrique António Pedro

 

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Voluptuosa Idade


Voluptuosa Idade


Agora que passei dos setenta

que o cabelo rareia e as rugas da face concorrem com as do ventre

já sinto necessidade de usar chapéu para me proteger do calor de Verão

que mordisca a pele desguarnecida pela força dos anos
e do frio de Inverno que me arrepia com o mesmo arrepio

que me causou a água fria da pia baptismal
no meu crânio escalvado de recém-nascido

Agora que já me apetece dormitar à beira da lareira
com o mesmo enlevo com que em menino
adormecia em sonhos no escano fronteiro
bafejado pelas labaredas crepitantes da raiz de oliveira
e pelo vapor do caldo verde que fervia na panela cantante
em intróito ritmado de sagrada ceia
protegido pela proximidade atenta de minha mãe
e mais além por uma estrela distante
que luzia

noite e dia

Agora quando a púbis da mulher sensual e jovem
já não me provoca voluptuosidade, heroísmo ou vaidade
perco-me em truísmos de ternura, estética e saudade
e já não penso as mesmas ideias de domínio e conquista da Terra inteira


Agora que passei das setenta

outras volúpias de prazer me envolvem, me animam e me fazem viver

sonhar mais alto ainda porque fui feliz na infância
fui rei
fui príncipe
fui criança
e acabo de renunciar às glórias do mundo
e partir à reconquista do Universo pelo amor e pela palavra

de um mero verso


Agora e aqui
ensaio amar-me a mim mesmo com verdade
e a amar os outros
o próximo e o distante
como diz Jesus
na liturgia da palavra de Cristo

e na prática de Francisco de Assis

Respeito a diferença, a humildade da erva rasteira
a simplicidade do cronómetro do caracol
que contemporiza os ponteiros do relógio com os desígnios do sol

Agora e aqui vivo o dia-a-dia com o labor da formiga
na plenitude e autenticidade da paz e liberdade das nuvens e das aves
deixo que a alma amadureça de verdade como a cereja
por força do húmus e dos raios cósmicos
trazidos pelo sol
pelo luar
pela dor

e pelo amor

Esta a minha heresia maior

a minha igreja:

não conseguir viver
ver e sentir
agir e amar
sem uma absoluta referência divina, terna, eterna, terrena

Agora sim
sinto sede de viver sem que tenha medo de morrer


Não anseio passar à posteridade
procuro apenas a imortalidade

 

Henrique António Pedro

Vale de Salgueiro, 10 de Setembro de 2007

domingo, 17 de setembro de 2023

Vem, amor, vem!

 

 


Vem, amor, vem!

 

Vem, amor, vem!

senta-te aqui a meu lado

e esquece

por agora

essa dança de sedução

 

Reclina a cabeça no meu peito

a jeito de deusa

e deixa que a brisa

roçague os teus cabelos de mansinho

por sobre o meu rosto

como fios de seda em desalinho

 

Mas fiquemos calados

deixando que os nossos corpos

se comprometam

em surdina

mesmo contra nossa vontade

 

Deixando que a libido

e demais humores

fervam em banho-maria

e nós em silenciosa alegria

com a ideia de que temos o imenso oceano por cama

não apenas uma toalha estendida na areia da praia

ou os lençóis de cambraia do leito conjugal

porque o tálamo nupcial das almas é o Cosmos

tecido de amor e espiritualidade

 

Vem, amor, vem!

deixa que a minha mão escorregue

delicada

por entre o botão desapertado da tua blusa

não para acariciar o teu seio

mas para sentir o palpitar do teu coração

 

E coloca também tu

a tua mão

no meu peito

para escutar a mesma doce arritmia

e afinar essa mística melodia

pelo mesmo diapasão

 

Vem, amor, vem!

E vê por ti mesma

que não és apenas mais uma mulher

uma fêmea qualquer que deseja e apetece

antes uma alma livre que no amor

se recria e engrandece

 

Mas não me olhes apenas como mero macho

que te deseja e te quer ter

fica também a saber

que há uma infinidade de outras volúpias para comungar

 

Vem, amor, vem!

Mas não queiras ser amante por agora

a correr

sê apenas musa

parceira desta doce aventura

companheira de viajem desta romântica longa-metragem

 

Vem, amor, vem!

Vem partilhar comigo a vertigem de amar

verificar a força sublime do Amor

descobrir coma a magia do luar

de uma serena noite de Verão

poderá transformar uma terna carícia

um beijo verdadeiro

um apaixonado congresso

no ingresso da Redenção

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 3 de Setembro de 2010

Henrique António Pedro

 

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

A Balança da Verdade

 


A Balança da Verdade

 

Tomo por balança a Verdade

Tendo por fiel o Coração

Livre da mais cega Ambição

De toda a tola Vaidade

 

Ciente de que a Humildade

Sem o peso de alguma Paixão

Mais força e luz dá à Razão

Mais fortalece a Dignidade

 

Viver a vida com Heroísmo

Requer aceitar toda a Dor

Fonte do mais puro Humanismo

 

Assim a vida tem mais Valor

Porque anula o Egoísmo

O peso divino do Amor

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 21 de Outubro de 2010

Henrique António Pedro