Há palavras que devem ser ditas
reditas
escritas
bem-ditas
escutadas
repassadas
ainda que possam ser censuradas
e o poema amaldiçoado
proscrito
Uma legião imensa de pobres criaturas
morre de fome de pão
de sede de amor e de água
metamorfoseados em espectros
de miséria e morte
Enquanto doutra sorte
uma pequena parte da Humanidade
ou o que dela resta
vive túrgida
anafada
sobrealimentada
Em permanente Entrudo
feito de tudo e de nada
de paródia
ilusão
e vanglória
Lambuzada de vícios e de guerra
falsidade
vaidade
prepotência
intolerância
sexo
e escândalos sem nexo
Procuram a santidade alguns
é verdade
poucos
muito poucos
quase nenhuns
Um dia porém
no tempo e espaço de cada um
tudo acabará podre
putrefacto
feito em merda
fase derradeira
da mais cruel e disforme metamorfose animal
O mais belo corpo de mulher
por mais sensual e perfumada que seja
o mais poderoso ditador
o mais glorioso doutor
a obra poética mais festejada
tudo acabará em nada
espuma de coisa nenhuma
Nem os ossos se aproveitarão para os cães roer
transformados em cheiro nauseabundo
de cadáver a apodrecer
em escárnio e mal dizer
em esquecimento perdido no vento
E todas as bombas atómicas da Terra
valerão menos que um fotão perdido no Cosmos
Todas as alegrias e dores
sorrisos e lamentos
entrarão no esquecimento
varridos da memória
vazios de nada e de ninguém
Para os que não crêem na alma
a vida não passa de uma mera perda de tempo
ante a niilista metamorfose final
Salva-se a palavra de Jesus Cristo
porém
e salva-nos a nós
a esperança de que seremos outros
melhores e mais felizes em espírito
no Além
Por isso eu que sou livre
e tenho o coração liberto
de deslumbramento e ambição
e não venero nenhum césar na Terra
ou outro mito qualquer
apenas glorifico o Amor e louvo a Deus
qual gladiador a caminho para a morte
Deixemo-nos de jactância e vaidade
sejamos humildes
cultivemos a Temperança
e a Amizade
e pratiquemos a Caridade
Vale de Salgueiro, 23 de Novembro de 2007
Henrique António Pedro