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segunda-feira, 3 de março de 2014

Meus poemas, minhas crias




Os meus poemas
são criaturas minhas
são as minhas crias

Que concebo e crio
por puro acto de criação
para minha recriação

Sem interferência de nada
nem de ninguém

Apenas na faculdade de criar
que o Criador
me deu
ainda que sempre as crie
para alguém

São crias vivas
aladas
feitas de ideias
de afectos
e de nadas

Que liberto ao vento
para que vivam no tempo
que é lá
que devem morar

Os meus poemas
são criaturas minhas
são de toda a gente

e de mais ninguém

domingo, 2 de março de 2014

Escrevendo na pedra do tempo



Há poetas que escrevem no vento
espalhando mundo fora
as taras e vaidades
que transportam por dentro

Outros escrevem suas mágoas
nas águas
esperando que o rio
despeje no mar
a sua tristeza

Os poetas maiores, porém
mesmo se já moram no Além
escrevem verdades
na pedra
do tempo

E afeiçoam o espaço
à força e beleza
do seu pensamento

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Mergulho fundo por mim a dentro





Nunca pretendi mudar
o mundo

Ouso ir mais além
ao mais fundo de mim

distender a vida
demover a morte
ainda assim

Vencer fantasmas do passado
quimeras do futuro
sobreviver às tempestades do cérebro
às catástrofes do coração
libertar-me da guerra e dos corifeus
da Terra

Acertar o meu tempo
pelo tempo da eternidade
e mergulhar

Lançar um laço de razão
um grito de angústia
a um ponto fixo no infinito
e com um pouco de sorte
enlaçar-me a Deus

Ainda que não saiba como nem quando
aonde irei parar
e em que tempo
do destino

Não há outro caminho
senão continuar
por mim a dentro



quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Porque sou o centro do Universo?



Já ao cair da tarde
levantou-se uma brisa suave
embalando a Natureza
e convidando plantas e animais
a adormecer

Depois ergueu-se no horizonte
a Lua cheia
resplandecente e grávida
em perseguição do Sol
enquanto este se escondia
sem se deixar apanhar
por não querer assumir
a paternidade

Então a noite caiu lentamente
a Lua abriu o regaço
e o lençol diáfano do Firmamento
polvilhou-se de estrelas cintilantes

Tudo isto eu vivo aqui na Terra
eternamente à espera
de adormecer
para poder um dia acordar
e poder então entender

porque sou o centro do Universo

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Coisas de dentro de ontem fora do tempo



Há locais
grandes
pequenos
de somenos
objectos
tempos
templos
simples ventos ou pensamentos
rostos
instantes
gritos
melodias
cheiros
sabores amargos
e doces
objectos insignificantes
risos e choros
diabruras e maldades
passos encobertos
e gestos rasgados de caridade
ou coragem
afagados pela aragem da lembrança
que passaram a entidades reais
mesmo sem peso nem medida
cinzeladas no área de imagens do cérebro
com tonalidades de afecto

São coisas de dentro de ontem fora do tempo
e da memória próxima
de dentro de mim
do meu passado
encontradas no mundo exterior
e a quem a proximidade da saudade
conferiu existência gravada naquilo sou
e já não fui ou serei
coisas de dentro de ontem fora do tempo
de entre o Alfa e o Ómega
dentro da moral e dos afectos
do Bem e do Mal


Como aquele copo de vinagre
que bebi
quando criança
e mal sabia ainda que coisa era vinho ou vinagre
que encontrei abandonado na cozinha
de  minha avó Alzira
e me soube a fel
mais amargo que a esponja com que martirizaram Cristo
agonizante na cruz
Foi um ápice de martírio o meu
um esgar de sorriso e dor
que por certo me lançou na vida dos sabores
nos reflexos por aí adiante
e me põe agora a olhar para trás
e quiçá poderá mesmo ser o garante da minha salvação

Ho!
E aquela imagem que retenho
de minha mãe a descer a escaleira da caridade
de almotolia na mão
para socorrer os mendigos andrajosos
que ousavam subir a escada da súplica
e no primeiro degrau da miséria
de lata pendurada ao pescoço
proferiam pai-nossos angustiados por alma de quem lá tem
pela santa que aí vinha
e era minha mãe que lá vinha de almotolia em riste
para que o seu triste irmão digno de dó
pudesse ter azeite para cozinhar a sua própria felicidade
e olear os pés gretados pelo pó do caminho
e reconfortar o estômago com batatas cozidas
em paga das orações doridas de verdade

E o lobo!
Recortado contra o luar de Janeiro
esfomeado
que saltava do colmo para o chão
e do chão para o colmo que cobria a manhosa cabana
armada na Casa do Seixo para guardar o meloal
capaz de me devorar o corpo e a alma
votado eu a defender o corpo
mais que a minha alma tão calma
de escopeta em riste
tão calma que me pus a pensar
se o mato serei eu o assassino
e será o lobo inimputável menino

E a indelével lembrança de cigano a fornicar cigana
na palha
de madrugada
quando eu criança
vencia a geada para ir mugir a vaca
e a desavergonhada sem se importar com nada
abria as pernas e o cigano a rugir
eu ficava parado
pasmado
sem ensejo de fugir
a olhar e a despertar
de desejo
e ficava a compreender então
a razão pela qual apenas era lícito naquele tempo
possuir mulheres virgens
embora não importasse quantas
e também porque razão as santas
o são!

E o cheiro ácido de África
que se entranhava nos corpos
e exalava suores
com sabores de sexo de guerra e de espera de paz!

Desde aqui…
parto deste meu canto
reduto de memória de muitos amores
desejos e sabores
aromas de alfazema
e de azeitona fermentada
armazenada na garagem com portas de castanho
em que meu pai guardava o velho Austin
e que fora outrora moagem
tocada pela  religiosidade e arte do velho moleiro Urbano

E calo as imagens de tantos amores
ázimos porque não tinham o fermento
do verdadeiro Amor
ainda que o amor seja ele qual for nunca deixa dor

Ante o destino frustrado
entristeço de tristeza amarga
calado
macambúzio
sorumbático
armado em vítima
esperando que alguém se apiede de mim
Talvez eu próprio
tenha compaixão de mim mesmo
e entre em contrição

Para concluir que Deus deverá ter corpo
olhos e ouvidos
pernas e braços
coração e cérebro
mas não é homem como eu
e que Cristo Jesus
apenas é Deus
a contra luz porque padeceu na Cruz

Mas se Deus tem corpo com olhos
ouvidos
pernas e braços
coração e cérebro como eu
então também eu poderei ser Deus
como Jesus a contra luz


in” Angústia, Razão e Nada” 

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Palavras danadas de nadas


Palavras danadas
de nadas
sem sentido

Poemas proscritos
ocos
vazios de tudo
plenos de nada
que nada dizem
e dizem apenas
coisas nenhuma

Ilusões

Bolhas de espuma
estouros de pipocas
ar encerrado em balões
que estouram por si
ou se acaso os toca
s simples ponta de alfinete

Palavras obscenas
cortantes como canivete
grunhidos
gemidos
sorrisos de mentes pequenas
que fogem da mão
e apunhalam o coração

Pão ganho sem suor
suor que não produz pão

Sementes estéreis
levada pelo vento
que germinam em lugar incerto
ou caiem no caminho
longe ou perto
e são mato daninho

Obras sem fé
bairros clandestinos
sem água
sem luz
fé fictícia sem alma nem tino

Sémen ejaculado sem amor
fontes de dor
Filhos nascidos por acaso
criados desamparados
ao deus dará

Palavras de nadas
danadas
sem verdade
ou utilidade

Tentação niilista
terrorismo
discurso político

Aonde
isto
irá
parar?


Terá um dia fim?

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Cigana parida na palha espalhada no chão do curral





Cigana parida 
na palha espalhada 
no chão do curral 
mortalha do porco 
e cama do cão.

Poalha de humana caridade 
de meu tio Daniel: 
-Ajuda aqui Inocência 
traz o caçoulo da água benta 
e uma toalha 
que vamos batizá-lo cristão

-Ai Jesus que rapagão 
-Que nome lhe vamos por?


E a cigana Santa ri de alegria 
e um tudo-nada de dor 
- Daniel “comósenhor”! 
Fora mulher e seria Inocência


-Então será Daniel como eu! 
E que bem-dito seja!

E Daniel Comoeu 
cigano livre como o vento 
que vindo de Espanha 
sopra por toda a Montanha 
como eu afilhado 
de minha madrinha Inocência 
e por meu tio Daniel bento 
voa hoje Europa fora 
agora com passaporte 
de crédito e sorte 
derrubando fronteiras uma a uma 
sem raias de ignomínia 
a salto da fortuna.

Rico como porco defunto 
amortalhado na mesma palha 
espalhada no chão do curral 
quando o frio e a geada 
curam o presunto 
curtem coiros e carnes 
e apuram as almas 
deslavadas de mal


In  Minha Pátria Montanha (Ver o Verso Edições – Dezembro 2005). 


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Outras formas de dizer “amo-te”



Há muitas outras formas de declarar o nosso amor a alguém
sem dizer “amo-te”
ou fazer uso de qualquer outros modos e tempos do verbo amar

Poderemos mesmo dizê-lo sem proferir a palavra “amor”
e ao arrepio das regras gramaticais
ainda mais
e melhor

Se assim não for
como poderão os surdos-mudos
dizer “amo-te”
às suas apaixonadas?

Ou os amantes de língua chinesa
declarar o seu amor
às suas namoradas de outras línguas
que não entendam o mandarim
nem conheçam um só carácter chinês?

Há mesmo
muitas outras formas de dizer “amo-te”
sem ter que escrever
abraçar
ou beijar

Poderemos dizê-lo com o olhar
oferecendo uma flor
dedicando um poema
ou simplesmente ficando em silêncio ao lado de quem
a quem
queremos dizer
“amo-te”

De resto a palavra “amo-te”
já está tão gasta pelo uso
que perdeu a originalidade
quiçá
a autenticidade

Poderá ser até um abuso
aleivosia
despudor

como vês
muitas outras formas de dizer “amo-te”
sem do verbo amar fazer uso

Como continuar a escrever poesia


Apenas por amor

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Porque não trocas de mulher?


(Epigrama)

A um amigo do peito

com faceta de poeta

e o seu quê de machista

que a legítima benquista

se diverte a judiar

pergunto eu a preceito

e na hora certa:

 

«- Porque não trocas de mulher?!

Tens muito por onde escolher

e uma poetisa de génio

vinha-te mesmo a calhar»

 

Responde-me ele de pronto

nada tonto

e sem se desmanchar:

 

«- Porque não encontro outra igual

e mal por mal

melhor será com esta ficar.»

 

«Depois já não tenho paciência

nem idade

para outra mulher ensinar

e esta já domina a ciência

de bem me aturar»

 

«E, para quê mentir?

Desta iria sentir

uma infinita saudade»

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 28 de Julho de 2010

Henrique António Pedro


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Poeta aprendiz de como ser feliz



Sopro a sopro sopra o vento

chama a chama arde a fogueira

raio a raio estala o trovão

 

Monte a monte se ergue a montanha

grito a grito se espalha a revolução

sorriso a sorriso se acende a paixão

 

Grão a grão se semeia a seara

a galinha enche o papo

sara a ferida o esparadrapo

 

Dia a dia se ganha a vida

se esconjura a má sorte

e se adia a morte

 

Verso a verso se escreve o poema

nota a nota se compõe a canção

dúvida a dúvida se lança o dilema

 

O fogo como se apaga?

Como se amaina o trovão?

E como se ceifa a seara?

 

A verdade como se alcança?

Como se ganha a revolução?

E como se acalma a paixão?

 

O poema como se declama?

E a morte como se mata?

Como se vai ao além?

 

Tudo isto e mais a amar

ando eu a aprender

também

 

Poeta

mero aprendiz

de como ser feliz

 

Alguém me diz?

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 16 de Março de 2010

Henrique António Pedro

 

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Se acaso me ler



Se acaso me ler
tente me entender

Sou dum mundo de sonho
onde não há gestos
nem palavras
escritas ou faladas
para comunicar

Falo com o coração
por ideias
trago na mão uma lira
que ora canta
ora suspira

Sem espaço para mentira
ou  traição
nem ódio para expressar
vivo em permanente alegria
 a meu contento

A minha poesia é fantasia
afecto
pensamento

Sou poeta

homem liberto

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Poema abandonado numa mesa de café



Uma flor


Uma rosa perfumada

que esmaeceu

abandonada numa mesa de café

depois que se consumou a longa espera

e a amada do poeta

não compareceu

 

Um poema

abandonado numa mesa de café

por um poeta ferido

traído no seu amor

foi o que foi

é o que é

deu no que deu

 

Reticências

uma vírgula

um ponto final

gravados numa folha de papel

em branco

numa mesa de café

sobre a qual repousa uma flor

esmaecida

de um poeta esquecido

traído no seu amor


É um poema de pranto

escrito numa folha de papel

em branco

 

Vale de Salgueiro, sábado, 18 de Maio de 2013

Henrique António Pedro

 

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Peixe frito



Nem todo o peixe dá para fritar

O melhor
para mim
são “joaquinzinhos”
fritos na hora
e acompanhados de arroz de tomate
malandro
com um tinto carrascão
de remate

Também são bons de escabeche
de uma forma ou doutra
falam ao estomago
e também ao coração

Também nem todos os poemas servem para declamar
há até poemas que nem para escrever
dão

Como?
Mas que confusão
dirão os poetas que só conhecem a poesia lameche
e que apenas escrevem sonetos
epopeias
habituados à alta cozinha
sem outras panaceias
que os redima

Mas há!

Há poemas que não dão para escrever
ou declamar

Há poemas que só dão mesmo para ver
cheirar
e saborear
acompanhados de arroz de tomate


Com tinto carrascão de remate