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segunda-feira, 30 de julho de 2018

UM LIVRO ABERTO NO DESERTO XII - Pietá





Sentada no chão
À entrada do adobe esburacado
De semblante alucinado
Com o filho moribundo nos braços
É uma estátua de morte viva
Uma imagem trágica
Que me tolhe os passos

No crânio da criança
A fome esculpiu uma caveira
A boca febril é pasto de moscas
Os olhos mortiços saltam-lhe das órbitas

A barriga prenhe de fome
Parece prestes a parir a morte
Já os ossos lhes rasgam a pele

A mão estendida da mãe
Rasga-me o coração
A sua súplica silenciosa
Fura-me os tímpanos
A sua agonia é a mim que primeiro mata

Que tenho eu para lhes dar?
A arma?
Um sorriso?
Uma lágrima sentida?

Dou-lhes a ração de combate
Sacio a boca febril da criança
Com a água do cantil

No rosto da mãe
Esboça-se um ténue sorriso
De esperança
Agradecida

Não tenho coragem para prosseguir
E deixá-los ali
Sós
A agonizar

Neste deserto 
Aqui tão perto
No deserto da humanidade

Algures no Deserto do Sahara)
  xviii-vii-mmix


sábado, 28 de julho de 2018

UM LIVRO ABERTO NO DESERTO XI – Oásis



Depois duma penosa travessia
Em que por pouco enlouquecia
De calor
Sede
E solidão
Faltas-me tu
 Huri

De braços abertos
Sorriso rasgado
No rosto de amor iluminado

Rejubilante de alegria por me receber
Desejosa de me vitoriar

Mas se no deserto me perco
No oásis não me reencontro

Volto a acreditar, sim
Depois que estive a morrer
Que há mais vida para lá de mim
E mais prazer além do sofrer

Mas a água fresca que sacia a sede
Não mata a saudade
Apenas ouço o silêncio do que penso
Falta-me a tua voz encantada

Os lagos em que me banho
Não possuem a frescura perfumada
Da tua pele electrizada

O oásis sem ti é pior que o deserto
Ainda mais cruel
Mais me faz sofrer
Porque só de ti  me faz lembrar

Melhor será ao deserto retornar
Para de ti me esquecer

(Algures no Deserto do Sahara)
 iv-v-mmix


sexta-feira, 27 de julho de 2018

UM LIVRO ABERTO NO DESERTO X – Cavaleiro Andante das Areias




Figura rara
Sem escudo nem laçarote
Cavalgo sem cessar
Sobre o dorso de um dromedário
Ondulante
Qual Quixote das ideias
Cavaleiro andante 
Errante nas areias do Sahara
Sem ter aonde parar

Sem escudeiro
Sem Sancho
Nem Pança
Nem lança

Este o sentido da minha poesia
Sendo que a minha Dulcineia
Me espera noutro lado
Distante
De angústia são as dunas em que me deito
E me servem de leito

Tomei partido pelo Bem
Sem olhar aonde
Nem a quem

Sendo que só com poesia se humaniza a guerra
Se suaviza o deserto
Se semeia oásis
Se planta a paz na Terra

Com o amor que se faz
E o a amor que se dá

Esta a minha maior vocação
Ser como S. João da Cruz
Como Francisco de Assis
Fardado e de arma na mão

Esta a angústia da minha contradição

(Algures no Deserto do Sahara)
 iii-v-mmix

quarta-feira, 25 de julho de 2018

UM LIVRO ABERTO NO DESERTO I X – Vivo de ar, água e oração





Não é miragem
É milagre!

Ergo-me num derradeiro sopro
Pressinto-lhe o cheiro
A frescura envolvente
A minha alma está silente

Uma alegria indizível me revigora o corpo
Me embriaga o espírito
E alegra o coração

Corro!
Com as forças que já não tenho
Mas que acredito tererei
Depois de beber
E de me dessedentar

Paro!
Terei que me matar para beber?!
Olho em redor
Não vislumbro vivalma

É morrer o preço de beber?

Viva ou morra
Beberei!

Bebo
Com sofreguidão
A paz
Por fim
Se instala na minha Razão

É a Água
Não a Terra
A nossa mãe

Em terras de xisto
Cristo é o pão

De ar e de água se alimenta o corpo
À alma basta uma oração

(Algures no Deserto do Sahara)
 xxx-iv-mmix

segunda-feira, 23 de julho de 2018

UM LIVRO ABERTO NO DESERTO VIII – Reclino a alma em manto de areia





Distende-se a noite sobre o manto ondulado de dunas
Abate-se a calma
Deita-se a morte na areia
Em que reclino a alma

Diáfano
Cobre-me o Firmamento
Maior é o meu pensamento
Onde uma ideia feita estrela bruxuleia

Procuro o poema Polar
A poesia do norte
Ponho-me a meditar

Sou cristão
Por isso não tenho religião

Sou branco
Ainda assim não tenho cor

Sou português
Não tenho pátria
Portanto

Pecador
Aspiro a ser santo

Nasci livre
Condenado a lutar
Para me libertar

Sinto amor
Mas não sei a quem amar

Escolhi o lugar mais ermo da Terra
O deserto
E a guerra
Para me pacificar

(Algures no Deserto do Sahara)
 xxvix-iv-mmix


sábado, 21 de julho de 2018

UM LIVRO ABERTO NO DESERTO VII - A mulher da burca celeste




Imagino o céu de Sherezade
Reflectido no lago do oásis
E fico a sonhar
Como será na verdade
O encanto do seu olhar

Fito o Sol de frente na alvorada
No ocaso e ao meio dia
Corro o risco de cegar
Para tentar perceber
Que cor é a dos seus cabelos

Pressinto na Lua prateada
A tez da sua pele nua
Sem conseguir tacteá-la

Inebrio-me com a fantasia
De sorver na doçura das tâmaras maduras
A formosura dos seus seios

Dela me acerco
Tentando inalar o seu perfume
Corro o risco de morrer
Às mãos dos guardas do sultão

Enlaço com ternura a dócil gazela
Que passeia na cerca do seu jardim
Imaginando a graciosidade do seu porte
Mas ela foge de mim
Espavorida
Sem rumo ou norte

Como posso estar certo de que me sorri
Se a burca de seda celeste
Que lhe tapa o rosto
Também lhe cobre todo o corpo
E o seu sorriso não tem som?


Resta-me ler o tom do seu pensamento
No esvoaçar do véu
Que a sua mão levanta ao vento do céu
E fico esperando que por fim
Para minha gloriosa felicidade
Amorosa se dispa para mim

Ela mesma se libertará da burca terrena
E serena me apontará
O caminho da eternidade.

Algures no Deserto do Sahara)
 xiii-viii-mmix