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quarta-feira, 8 de junho de 2022

Se os poetas amassem sinceramente

 


Se os poetas amassem

sinceramente

não fariam do amor

poesia

 

Limitavam-se a amar como toda agente

tão somente

porque amar

não é fantasia

 

Se os poetas sofressem

verdadeiramente

não fariam da dor

poesia

 

Limitavam-se a sofrer como toda a gente

tão somente

porque amar

não é filosofia

 

Os poetas, porém

nem amam somente seus amores

nem apenas sofrem suas dores

amam os amores e sofrem as dores

dos demais

 

E espalham por toda a parte

poemas intemporais

versos de dor

de amor

ou de combate

 

Se os poetas amassem e sofressem sinceramente

amavam e sofriam como sofre e ama toda  agente

mas ao amor

e à dor

faltava poesia

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 27 de maio de 2014

domingo, 5 de junho de 2022

“Dies irae, dies illa”


Lúgubres são os anos

Trágicos os enganos

Adventos de piores tempos

 

Nunca houve tanta miséria

Tamanha opressão sobre a Terra

Tão desumana foi a guerra

Tão cruel a carnificina

Tão generalizada a fome

Tão exposta a doença

Tão desmedida a ambição

Tão descarada a ofensa

Tão global a maldição

 

Nunca tantos aviões voaram nos ares

Tantos rios foram aprisionados

Tamanha a poluição dos mares

Tantas as árvores derrubadas

Tantos animais violentados

Tão fundo a terra foi esventrada

Tão generalizadamente o solo conspurcado

 

Quantos mais aviões vamos pôr a voar?

Quanto mais auto estradas vamos abrir?

Quantas mais bombas vamos fabricar?

Quanto mais petróleo queimar?

Quantos mais infelizes vamos deixar morrer?

Quantos mais animais vamos chacinar?

 

O coração da legião dos famintos

E dos moribundos excluídos do mundo

Já entoa em tétrico silêncio

Acordes de “dies irae”

 

De ira são os dias que se avizinham…

Oh homens e mulheres de boa vontade!

Promovei desde já a mudança!

 

Dies ira … dias de Ira

Dies ila …dias de Esperança


Vale de Salgueiro, 6 de Dezembro de 2007

Henrique António Pedro


sexta-feira, 20 de maio de 2022

Cantando e assobiando

Caminho pelo campo

sozinho

canto e assobio

baixinho

como quando era menino

 

Como se fora ave

no céu

a voar

 

Vento

aragem

miragem

sobre os campos

a pairar

 

Ideia

sonho

risonho

flor

a florir

 

Simples vontade de amar

 

Coração

a bater

sem mãos a medir

 

Poeta de alma aberta

Razão prestes a explodir

 

Como se sem querer quisesse

com a Natureza melhor me identificar

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Henrique António Pedro

 

sexta-feira, 6 de maio de 2022

Arando poemas com um tractor agrícola

 


Ocorrem-me ideias loucas

e não poucas

sentado  num tractor agrícola

que pachorrento se arrasta

escarificando a terra em sulcos rectilíneos

 

Fazem-me companhia os meus cães

divertindo-se em correrias loucas

atrás das lavandeiras que graciosas

catam os vermes no húmus fresco

 

Os meus braços e pernas transformam-se

em alavancas e manivelas da máquina

 

Acabo por me abstrair e sair dali

a cismar

 

Deixo de ouvir o som rouco

monocórdico

do tractor

a gemer

de viva dor

de tanto se esforçar

 

(…)

 

Há quem dispute o domínio do mundo

e quem cometa adultério

quem desespere com o estado da Nação

quem esgaravate a terra à procura de pão

 

Cada vez mais a Civilização é despautério

 

Eu divirto-me remexendo o húmus do olival

que as oliveiras convertem em azeite doirado

indiferente ao vento gélido que sopra da serra da Padrela

por certo já polvilhada da primeira neve

indiciando o Inverno que se aproxima

uivante

 

Não estou seguro de que as ideias que fabrico

introvertido

em cima de tractor agrícola que lavra o olival

se concertarão em poema digno de ser lido

 

Mas vou ter prazer adicional de escrevê-lo

mesmo que fique inacabado

por falta de algum verso esquecido

 

in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)


domingo, 24 de abril de 2022

Beijos, beijinhos, beijocas


Beijos, beijinhos, beijocas

           na boca

           na mão

           no cu

           no coração

           na face

           no rosto

           na testa

           na teta

           em tudo que resta


         Beijos na alma?

         só a alma os dá

         No coração?

         não penetra tão fundo a tesão

Beijos

          de amor

          de impostor

          de traição

          de verdade

          de amizade

          de bom tom

          beijos beneton

Beijos

        da morte

        da má sorte

        bafejos

        harpejos de infelicidade


Beijos

       de circunstância

       de primeira instância

       de Judas

       escusas

       antologia

       cinema

       fantasia

       de poesia

Beijo

beijão

beijinho

público

privado

desdém

carinho

forçado

estudado

repetido

desinibido

repenicado

 

Beijo

Abraço

Abração

Abracinho

Aperto no cachaço


Maior é o beijinho

pequenino

dado com carinho

ternurento

sem embaraço

nem lamento

 

São os beiços que beijam

se o beijo é de desejo

mas beija o coração

se o beijo é de dor

ou de amor

 

Beijam os olhos

as mãos

os braços

os lábios

tanto faz

se o beijo for  de verdade e de paz


Os “kiss” do “Face” não são na face

São disfarce


Para quem lê

vai um Beijo de luz

como se induz

já se vê


(Acabaram-se os beijos

por força da pandemia

não da poesia

mas nem todos, não!

Diga quais, pois então!)

 

Vale de Salgueiro, domingo, 9 de Agosto de 2009

Henrique António Pedro



 

quinta-feira, 31 de março de 2022

Não é pecado amar nem virtude sofrer


O que ela quer eu sei

não é amor não

é apenas dor

 

O que ela quer eu sei sim

é servir-se de mim

para se martirizar

só por entender

que é pecado amar

e virtude sofrer

e que maior benefício

será o amor se amar for

o sacrifício maior

 

Talvez o que lhe digo a faça doer

mas tenho que lhe dizer

enquanto é tempo

não me posso calar

 

Não é pecado amar nem virtude sofrer

porque por si só

apenas causam dó

 

O melhor caminho

para se libertar desse tormento

será mesmo

amar

amar

amar

 

Ainda que sofrer por bem querer

possa ser

enlevamento

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 11 de Fevereiro de 2010

Henrique António Pedro


terça-feira, 29 de março de 2022

Melhor será deixar de escrever poesia


Já ninguém se faz ouvir

sem gritar

e quem olha

não vê

 

Quando escrevo já não digo nada

já ninguém me ouve

mesmo se acaso alguém me lê

 

Vou controlar a minha ânsia de escrever

limitar-me-ei a ler

 

Porque quando leio

ouço tudo

até demais

e escrevo ainda mais ainda assim

do que quando apenas escrevo

 

Mas serei eu capaz de me ouvir

a mim e aos outros

no seio da tempestade

no ruído do mundo

no burburinho da cidade

se me calar

se também eu não gritar?

 

Serei capaz de fazer saber ao Cosmos

que existo

e estou aqui

se não escrever?

 

Irá a morte ouvir-me se não lhe gritar

que não quero morrer?

 

Vale de Salgueiro, domingo, 25 de Julho de 2010

Henrique António Pedro


terça-feira, 22 de março de 2022

É de mim que eu menos sei


Julgo saber tudo de mim

mas não será tanto assim

 

Não tenho grandes dúvidas do meu passado

apesar das muitas coisas que já esqueci

 

Lembro-me bem do sítio onde nasci

do meu percurso

 

Corri mundo

viajei

vi

vivi

senti

amei

sofri

 

Estudei

aprendi conhecimentos sem fim

artes

ciências

técnicas

 

Conheci pessoas

lugares

mas é de mim que menos sei

 

Pouco ou nada sei de mim!

 

Que me importa saber que a Terra é redonda

que os astros se movem no Universo

e coisas assim

se pouco ou nada sei de mim?

 

Quando me for dado conhecer-me

saber tudo de mim

saber quem verdadeiramente sou

por detrás de um registo civil

perdido entre tantos mil…

 

Saber o que faço aqui

e para onde vou

então sim tudo saberei

todos os mistérios se revelarão

e todas as dúvidas cessarão

 

Saberei se o Além existe

se é finito ou infinito o Universo

e qual é o seu reverso

que coisas são o Espaço e Tempo

o Amor e a Verdade

a Santíssima Trindade

 

É a mim que eu procuro conhecer

a chave de tudo está em mim

 

…Sou eu!

 

Vale de Salgueiro, Quinta-feira, 5 de Junho de 2008

Henrique António Pedro



domingo, 6 de março de 2022

Despaixão


Despaixão

 

Já não és mais a flor amorosa

viçosa

perfumada

 

A rosa inflamada pelo desejo despótico

que germinava no húmus erótico

dos nossos corpos juvenis

 

Já nem tu mesma sorris

só de te lembrares

 

És agora uma rosa estiolada

que seguro pelo pé

já sem fé

com cuidado

contudo

 

Não com medo de ser picado

mas porque sei que o mais delicado movimento

o mais suave sopro de vento

te fará despetalar

 

Foi o sopro

o cicio do tempo

perdido o cio

que colocou no vazio do meu coração

as pétalas da despaixão

 

Inexoravelmente

 

Já as pétalas te caem aos pés

 

Já nem eu sou

o que fui

 

É cruel

mas é

 

Até sempre

 

Vale de Salgueiro, sábado, 19 de Junho de 2010

Henrique António Pedro

 


 

sexta-feira, 4 de março de 2022

É longe demais o Além


O soldadinho chora


Chora lágrimas

suor

sangue

e saudade

capazes de o matar

embora

de nada lhe sirva chorar

 

Ainda assim o soldadinho

chora baixinho

calado

teme morrer

sem voltar

 

É longe demais o Além

para lá ir

e voltar

 

E sua mãe

em permanente oração

não pára de o chamar

para mais perto

do lar

 

Oh que apertado aperto de coração!

 

É longe demais o além

para lá ir

e voltar

Henrique António Pedro