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terça-feira, 28 de agosto de 2018

Crónicas secretas do Afeganistão VIII A heróica Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão






VIII
A heróica Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão (RWA)

Com Elif sentada a meu lado
A mim abraçada
Visivelmente enamorada

Num autocarro ronceiro
Superlotado
Mergulhado no silêncio
E no vazio de pensamento
Apenso

Vou disfarçado de mulher
A suar suor
Cio
Adrenalina
Ideias de puro amor
E os demais afectos
Que me aprouver

A inalar temor
E perfume de vagina
Vivo a maior aventura
O desejo mais insano 
Misto de apreensão
Tentação
Ternura
E puro engano

Perplexo entre amor
Dever
E sexo

Neste louco ensejo de ir 
E voltar
De Cabul a Peshawar
São e salvo
Quiçá
Apaixonado
Insaciado

Estrada fora
É triste a nova aurora


Afeganistão, Ponto GPS Júpiter, 08092005
Brian P. Smith

Apostila:

Trata-se de viajar desde Cabul até um pequena localidade não referenciada, já próxima da fronteira do Paquistão, na estrada de Peshawar.
Vou disfarçado com a tradicional burca, que me encobre todo o corpo e também um poderoso arsenal portátil de defesa pessoal, para lá da sofisticadíssima electrónica miniaturizada que me habilita a estabelecer contacto permanente com o Comando em Cabul e a solicitar a intervenção sobre alvos inopinados relevantes dos temíveis caças-bombardeiros que se encontram em alerta permanente, algures em bases que nem eu sei onde se localizam.
A estrada de Cabul a Peshawar atravessa um região extremamente sensível bordejando as mais inóspitas serranias e os esconderijos mais traiçoeiros e inexpugnáveis do inimigo.
Acompanha-me Elif, a já inseparável agente turca, a quem ainda mal vi o rosto, mas que já sei tratar-se de uma jovem docente da Universidade de Cabul, antropóloga, profunda conhecedora das culturas afegãs. Elif é elemento chave na tentativa de estabelecer ligação entre as forças da Coligação e a heróica Associação Revolucionária das Mulheres do Afegão (RWA) que estão de costas voltadas.
Os estreitos contactos que vimos mantendo, a abstenção sexual a que estamos submetidos, o risco permanente e, talvez uma secreta e ainda não revelada afinidade, estabeleceram já, entre nós, fluxos espirituais e sensoriais indescritíveis, muito embora, repito, ainda lhe não conheça o verdadeiro nome, não muito bem o rosto e muito menos o corpo.
Acontece que a semana passada, na localidade a que nos dirigimos uma célula influente da RWA (Associação Revolucionária das Mulheres do Afegão) foi chacinada, continuando desaparecidas as militantes mais influentes. Até onde a nossa missão pode ser revelada, iremos ali contactar, clandestinamente, outras células da RWA, para tentar resgatar a mulheres desaparecidas.
 Supõe-se ainda que nesta acção poderão obter-se informações valiosíssimas sobre os dispositivos da Al Qaeda e dos Taliban.

A heróica Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão (RWA)

Foi fundada em 1977 sob a liderança de Meena Keshwar Kamal, uma estudante afegã ativista que foi assassinada em fevereiro de 1987 por agentes afegãos da KGB com ligações a fundamentalistas do partido de Gulbuddin Hekmatyar. O grupo, que abraça a causa de ações estratégicas de não violência, era sediado em Kabul, Afeganistão, mas depois mudou para Paquistão.[1]

A organização visa a envolver as mulheres afegãs em ações sociais e políticas, com vistas a conquista de direitos humanos para elas e manter a luta contra o Governo afegão baseando-se para isso na democracia secular e não em princípios fundamentalistas, nos quais as mulheres são arbitrariamente segregadas.

O grupo opôs-se aos governos soviéticos, o subsequente Mujahideen e o Talebã Islamita e o atual estado de República Islâmica (apoiado pelos EUA).

WIKIPÉDIA https://pt.wikipedia.org/wiki/Associa%C3%A7%C3%A3o_Revolucion%C3%A1ria_das_Mulheres_do_Afeganist%C3%A3o



domingo, 26 de agosto de 2018

Crónicas secretas do Afeganistão VII De olhar encarcerado e coração sufocado




VII

De olhar encarcerado e coração sufocado


Domingo no calendário cristão
Tomo chá e fumo
Solitário
Numa esplanada desolada de Cabul
Voltada para Sul
Em terra do Islão

Não me ocorre mais nada
Que olhar à roda
À procura de uma mulher de cara destapada

Mas se alguma passa
Passa envolta de desgraça
De os olhos fugidios
Arredios
Encarcerados
Trespassados de medo

Talvez me olhem
E amem
Em segredo
Por pensarem que também eu estou prisioneiro
De igual degredo

Estoura uma bomba bem perto
Desperto

Não é sonho nem pesadelo
É a crua realidade
A tragédia no coração de uma cidade


Afeganistão, Ponto GPS Burca, 03092005
Brian P. Smith

Apostila:

É o primeiro dia de folga desde que aqui cheguei. Na impossibilidade de estar com a linda e jovem turca que me tem acompanhado nas mais doces e arriscadas missões clandestinas, aqui na cidade de Cabul, optei por atacar o meu aborrecimento, caminhando até ao mercado.  E por ficar filosofando sentado numa mesa de esplanada. Até que me apercebi que alcançara os limites de tempo e espaço para ali poder em segurança.










quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Crónicas Secretas do Afeganistão V Levanta-se uma ponta do véu






V

Levanta-se uma ponta do véu

Descobri
Aqui
Por minha conta
E risco
Nesta terra de insana cultura muçulmana
Que a parte mais sensual
Do corpo de uma mulher
É o rosto
Sobretudo se sorri
Depois do sol-posto

E que dentro do rosto são os olhos
E a forma de olhar
Depois os lábios
Mesmo antes de beijar

Com o olhar a mulher se desnuda
Quando ela quer
Perante a nossa vista
E convida a que também se dispa
Quem a vê
Sem necessidade de se esconder

Depois com os lábios sopra os desejos
Que lhe interessa atear
Que são difíceis de apagar

Levantou para mim
Só uma ponta do véu
E eu
Subi ao céu

Não vi um diabo
Vi um anjo endiabrado
Que para mim tocava
Violino e banjo

Corri o risco de ali mesmo
Me imolar
E ao inferno na terra
Ir parar


Afeganistão, Ponto GPS Vénus, 30082005
Daniel Rio Livre
(Repórter de guerra imaginário)



Apostila:
De novo em Cabul, de volta às entusiasmantes operações clandestinas. Disfarçado de mulher muçulmana com uma burca confortável e na companhia da fantástica agente turca, desloquei-me, quando já o Sol se recolhia no horizonte, a uma casa agradável situada num bairro arejado e moderno da cidade. Para um encontro com uma associação clandestina de mulheres que lutam, heroicamente, pelos seus direitos. Acabámos por ali pernoitar em segredo. Mas a nota mais estonteante registei-a quando a anfitriã, depois de me olhar por entre o quadriculado que lhe encobria o rosto, levantou uma ponta do véu, para que eu a visse. 
Interessante como nas culturas de raiz muçulmana o rosto da mulher muçulmana se resguarda, para não ser partilhado e porque poderá ser fautor de tentação, enquanto nas culturas de raiz cristã se destapa para que seja apreciado e a face de um anjo se afirme. Acabei por passar a noite em permanente sobressalto, sempre de arma aperrada ao alcance da mão.


quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Crónicas Secretas do Afeganistão IV Implosões de poesia




IV

Implosões de poesia

Agora, sim, estou no olho do furacão!

Trespassado de medos e de angústias
Como se mil balas me trespassassem
E mil e uma explosões
Me estraçalhassem o corpo
E o seu sopro
Me esfrangalhasse
A razão

Não! Não é esta a minha terra
Que tenho eu a ver com esta guerra?

Seguro a arma com uma mão 
Com a outra calo o coração
Mas o coração não desarma

Outro humor me anima
Se o mecanismo corporal
Animal
Injecta cada músculo e neurónio
De adrenalina

Mesmo assim prefiro combater
Por minha conta e risco
De mão dada com a linda mulher
Que em Cabul comigo
Partilha esta aventura
E o mesmo perigo

Com o sangue frio por fora
E a ferver por dentro
Da emanação feminina

Não há contratempo
Que nos faça deter
Em nossa ousada ousadia
Tudo podemos perder

Estou ansioso por voltar
A Cabul
Com uma razão válida para lutar
Para lá das demais que aprouver:
 - A libertação da mulher!

Tudo que nos faz temer
Mais nos faz implodir
Em implosões de poesia


Afeganistão, Ponto GPS Mercúrio, 25082005
Brian P. Smith



Apostila:
Cumpro as missões mais ousadas que imaginar se pode. Que me obrigam a saltar de pára-quedas, durante a noite, sobre os acerados picos das inóspitas montanhas do Indocuche, a percorrer, disfarçado de burca, as ruelas esconsas de Cabul ou, como agora, a combater de arma na mão no tenebroso Vale Panjshir. 
Mas espero regressar, em breve, a Cabul. Na esperança de que me sejam atribuídas novas missões, acompanhado da linda turca que se converteu na única razão válida para que eu continue a travar esta guerra. E, com ela, lutar pela libertação plenas de todas as mulheres. Muçulmanas ou não.




terça-feira, 21 de agosto de 2018

Crónicas Secretas do Afeganistão III Namorando nas ruas de Cabul




De mão dada
Eu e minha nova namorada
Turca
Nas ruas de Cabul
Ambos vestidos de burca

Paramos à porta de Shah Muhammad Rais
O livreiro
Célebre no mundo inteiro

Não nos atrevemos a entrar
Porque para mulher afegã
Aprender a ler e a escrever é demais
E nós não estamos aaqui para namorar
Tão pouco para por vias disso morrer
Jamais

Assim disfarçados a nossa missão
Desta manhã
É militar

Mas estamos ambos tão enamorados
Que fazer sexo é um desejo enorme
E para nós tem nexo

Teremos que aguardar
Porém
Por leis e locais
Mais aprazados
Se tudo correr bem
E conforme


Afeganistão, Ponto GPS Burca, 20082005
Brian P. Smith



Apostila:
Estou em Cabul desde a semana passada, no cérebro da guerra, depois de um helicóptero Chinook me ter resgatado dos picos das montanhas. 
Muito em breve serei de novo lançado às feras, bem para o centro dos combates que decorrem lá para os lados da vila de Pushghar, no Vale Panjshir. 
Entretanto cumpro as mais doces e perigosas missões que imaginar se pode. Ao lado de uma linda cidadã turca, que também ali está, como eu, ao serviço das forças da NATO.
Terá algum efeito local a recente Resolução do Parlamento Europeu sobre os direitos das mulheres no Afeganistão? Duvidamos.
 Quem vai ganhar esta guerra e o que acontecerá a seguir? Maiores são as nossas dúvidas.
Apercebemo-nos de que a nossa mútua vontade de fazer amor é latente.




sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Crónicas Secretas do Afeganistão I nas asas da sorte



Cheguei!
Aonde?
Não sei

A um ponto GPS
Que ninguém conhece
Nem mesmo eu

Vim a salto
Nas asas da sorte
Sem passaporte
Rumo ao desconhecido
Em sobressalto contido

Liberto de afectos
E de emoções
Ou de outras tentações
Ou ilusões
Que não seja sobreviver
E cumprir a missão

E tentar
Determinar
Expedito
Que coisa sou

Se coração
Se razão
Se espírito

Tentarei dissociar-me
E manter-me inteiro e íntegro

Afeganistão, Ponto GPS Mandrágora, 09082005
Brian P. Smith

Apostila:
Somos cinco, somente. O avião que nos transportou a partir de base algures num território vizinho subiu à altitude estabelecida e nós lançámo-nos no abismo negro da noite, para pairar por largo tempo, qual fantasmas alados, apenas atentos aos “bip” do GPS que ia assinalando a posição a que nos encontrávamos.
Abrimos os pára-quedas no exacto momento em que o sistema o recomendou, para poisar, com aspereza, no local planeado. De imediato tratamos de trepar para o alto da montanha, para o local em que agora nos encontramos, já devidamente instalados, com a parafernália de armas, sistemas de comunicações e meios electrónicos de observação nocturna. Sem esquecer os meios logísticos necessários a sobrevivermos naquele ambiente hostil, durante uma semana, sem sermos detectados.
A batalha vai desenrolar-se nos vales que nos rodeiam e nós estamos ali com a missão de fornecer às nossas tropas indicações preciosas sobre as movimentações das forças inimigas.
Sente-se Ben Laden arfar por todas estas montanhas. Esperemos que não seja ele, ou algum dos seus sequazes, a perceber, primeiro, o nosso respirar.