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quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Amar e bem-querer




III
Amar e bem-querer

Ser capaz de amar e de bem-querer
Todo o ser humano é, sem condição
Não requer, sequer, esforço da Razão
Só predisposição para bem-fazer

Para todos os agravos esquecer
Abrir os braços e estender a mão
A quem nos ofende conceder perdão
Melhor é ter amigos até morrer!

Sempre dar com pura generosidade 
Amor a quem só tem dor e sofrimento
Ajudar sem interesse ou vaidade

E também a quem votamos sentimento
Darmo-nos por inteiro e com verdade
Sem esperar algum agradecimento


Vale de Salgueiro, segunda-feira, 4 de Agosto de 2008
Henrique Pedro

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Com flores e versos a mim mesmo me iludia






Com flores e versos a mim mesmo me iludia

 

Abri-lhe meu coração de par em par

Sofrendo com o medo de a perder

Por assim tanto e tão bem lhe querer

Sem saber como melhor a conquistar

 

Oferecia-lhe flores de sonhar

Poemas de amor e de bendizer

Aborrecia-a, porém, sem saber

Com a minha forma, pura, de amar

 

Mas ela não gostava de poesia

Pelas flores não sentia afeição

Não a conquistava, antes a perdia

 

Só o brilho das jóias a movia

Lhe fascinava olhos e coração

Com flores e versos a mim me iludia

 

Vale de Salgueiro, 13 de Maio de 2008

Henrique António Pedro


quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Crónicas secretas do Afeganistão X Elif




X
Elif


Poderá ser santa a religião
Que macula de sangue a terra
E asperge ódio pelo céu?!

E asfixia com o véu da hipocrisia
Os sonhos, os sorrisos, os olhares da mulher
E a inibe de viver?!

Não! Mil vezes não!

E poderá ser divino 
O amor clandestino?

Sim. Mil vezes sim

Puro é o sexo com nexo
Sem constrangimentos de paixão
E apertos de coração
Ainda que possa não ser essa 
A senda da santidade

Homem e mulher livres
Que se amem de verdade
Sob o véu da poesia e da fantasia conexa
Saboreiam na terra
O sabor que tem no céu
A feliz felicidade

De nada vale sofismar

Foram o amor e a verdade
Que levaram Elif a se desvelar


Afeganistão, Ponto GPS Afrodite , 20092005

Daniel Rio Livre (Repórter de guerra fictício)


Apostila:
Reunimos com a célula “Falak” da RWA (Associação Revolucionária das Mulheres do Afegão), ainda nessa mesma noite e na mais rigorosa clandestinidade. O ambiente era extremamente pesado, de grande temor e constrangimento. Ouviam-se bater os corações e percebia-se que os olhos se agitavam, por de trás das redes das burcas, sobressaltados, em permanentes entreolhares de angústia.
A conferência, toda falada em pastó, língua de que não conheço uma só palavra que seja, foi, para minha surpresa, muito breve. Todas as mulheres começaram por ser beijadas pela minha companheira turca, alinhadas e sempre de rostos cobertos, para desgosto meu. Mantive-me sempre em silêncio, embora profundamente atento ao menor gesto ou ruído, pronto para reagir pelas armas a qualquer ameaça evidente.
Depois de um breve exposição da agente turca, e sem que tivesse havido diálogo, as mulheres dispersaram rapidamente, como sombras. Ficou apenas uma que nos conduziu, por corredores esconsos a um amplo aposento, onde acabamos por pernoitar.
Tapetes e almofadas espalhadas pelo chão, uma pequena mesa com duas chávenas, um bule repleto de chá-mate, frutas e acepipes diversos era tudo que o aposento comportava.
Sentamo-nos. Continuei mantendo o silêncio e a dar a iniciativa à minha estranha companheira que, num gesto abrupto, retirou a burca e soltou os cabelos. Fiquei perfeitamente siderado com tanta, beleza e juventude. Percebi, depois, o seu olhar determinado, meigo e sofrido. 
Apercebeu-se do meu espanto. Tranquilizou-me com um sorriso, levou os dedos à testa, depois aos lábios e soprou-me um beijo convidando-me a que também eu me libertasse da incómoda farpela exterior.
Sorri-lhe e repeti o gesto. E perguntei de imediato:
- Qual é o teu verdadeiro nome, posso saber?
- Claro! Tens todo o direito, porque eu já há muito que conheço o teu rosto e sei o teu nome. – Redarguiu, e continuou:
- Chamo-me Elif Shafak Sali. Elif, para ti. Sou turca, como já sabes, com ascendentes afegãs. E muçulmana.
Não resisti, e ainda confuso de espanto por tão encantadora criatura feminina que, sem que o esperasse, se revelava a meus olhos, retorqui:
- E que razões tão fortes te levam a tão grandes riscos e provações?
- Por certo o mesmo que a ti! – Rematou com convincente doçura.
Explicar-me – ia, depois, que a reunião foi rápida porque logo no cerimonial de abertura, ou seja, no cumprimento com um beijo a cada mulher, desconfiou haver uma agente taliban infiltrada, porquanto não usava o perfume que por ela é distribuído desde Cabul.
Por isso não deu ordem para que as mulheres destapassem os rostos e lhes explicou que receberiam instruções individuais, logo que possível, exortando-as a que mantivessem a calma.
E depois, nós, sós, falamos de tudo sem saber o que verdadeiramente nos ligava e o que sentíamos um pelo outro.
Inesperadamente, com naturalidade, libertamo-nos de vestes, armas e preconceitos, de todos os temores e angústias e entramos, abraçados, em êxtase. 



terça-feira, 28 de agosto de 2018

Crónicas secretas do Afeganistão VIII A heróica Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão






VIII
A heróica Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão (RWA)

Com Elif sentada a meu lado
A mim abraçada
Visivelmente enamorada

Num autocarro ronceiro
Superlotado
Mergulhado no silêncio
E no vazio de pensamento
Apenso

Vou disfarçado de mulher
A suar suor
Cio
Adrenalina
Ideias de puro amor
E os demais afectos
Que me aprouver

A inalar temor
E perfume de vagina
Vivo a maior aventura
O desejo mais insano 
Misto de apreensão
Tentação
Ternura
E puro engano

Perplexo entre amor
Dever
E sexo

Neste louco ensejo de ir 
E voltar
De Cabul a Peshawar
São e salvo
Quiçá
Apaixonado
Insaciado

Estrada fora
É triste a nova aurora


Afeganistão, Ponto GPS Júpiter, 08092005
Brian P. Smith

Apostila:

Trata-se de viajar desde Cabul até um pequena localidade não referenciada, já próxima da fronteira do Paquistão, na estrada de Peshawar.
Vou disfarçado com a tradicional burca, que me encobre todo o corpo e também um poderoso arsenal portátil de defesa pessoal, para lá da sofisticadíssima electrónica miniaturizada que me habilita a estabelecer contacto permanente com o Comando em Cabul e a solicitar a intervenção sobre alvos inopinados relevantes dos temíveis caças-bombardeiros que se encontram em alerta permanente, algures em bases que nem eu sei onde se localizam.
A estrada de Cabul a Peshawar atravessa um região extremamente sensível bordejando as mais inóspitas serranias e os esconderijos mais traiçoeiros e inexpugnáveis do inimigo.
Acompanha-me Elif, a já inseparável agente turca, a quem ainda mal vi o rosto, mas que já sei tratar-se de uma jovem docente da Universidade de Cabul, antropóloga, profunda conhecedora das culturas afegãs. Elif é elemento chave na tentativa de estabelecer ligação entre as forças da Coligação e a heróica Associação Revolucionária das Mulheres do Afegão (RWA) que estão de costas voltadas.
Os estreitos contactos que vimos mantendo, a abstenção sexual a que estamos submetidos, o risco permanente e, talvez uma secreta e ainda não revelada afinidade, estabeleceram já, entre nós, fluxos espirituais e sensoriais indescritíveis, muito embora, repito, ainda lhe não conheça o verdadeiro nome, não muito bem o rosto e muito menos o corpo.
Acontece que a semana passada, na localidade a que nos dirigimos uma célula influente da RWA (Associação Revolucionária das Mulheres do Afegão) foi chacinada, continuando desaparecidas as militantes mais influentes. Até onde a nossa missão pode ser revelada, iremos ali contactar, clandestinamente, outras células da RWA, para tentar resgatar a mulheres desaparecidas.
 Supõe-se ainda que nesta acção poderão obter-se informações valiosíssimas sobre os dispositivos da Al Qaeda e dos Taliban.

A heróica Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão (RWA)

Foi fundada em 1977 sob a liderança de Meena Keshwar Kamal, uma estudante afegã ativista que foi assassinada em fevereiro de 1987 por agentes afegãos da KGB com ligações a fundamentalistas do partido de Gulbuddin Hekmatyar. O grupo, que abraça a causa de ações estratégicas de não violência, era sediado em Kabul, Afeganistão, mas depois mudou para Paquistão.[1]

A organização visa a envolver as mulheres afegãs em ações sociais e políticas, com vistas a conquista de direitos humanos para elas e manter a luta contra o Governo afegão baseando-se para isso na democracia secular e não em princípios fundamentalistas, nos quais as mulheres são arbitrariamente segregadas.

O grupo opôs-se aos governos soviéticos, o subsequente Mujahideen e o Talebã Islamita e o atual estado de República Islâmica (apoiado pelos EUA).

WIKIPÉDIA https://pt.wikipedia.org/wiki/Associa%C3%A7%C3%A3o_Revolucion%C3%A1ria_das_Mulheres_do_Afeganist%C3%A3o



domingo, 26 de agosto de 2018

Crónicas secretas do Afeganistão VII De olhar encarcerado e coração sufocado




VII

De olhar encarcerado e coração sufocado


Domingo no calendário cristão
Tomo chá e fumo
Solitário
Numa esplanada desolada de Cabul
Voltada para Sul
Em terra do Islão

Não me ocorre mais nada
Que olhar à roda
À procura de uma mulher de cara destapada

Mas se alguma passa
Passa envolta de desgraça
De os olhos fugidios
Arredios
Encarcerados
Trespassados de medo

Talvez me olhem
E amem
Em segredo
Por pensarem que também eu estou prisioneiro
De igual degredo

Estoura uma bomba bem perto
Desperto

Não é sonho nem pesadelo
É a crua realidade
A tragédia no coração de uma cidade


Afeganistão, Ponto GPS Burca, 03092005
Brian P. Smith

Apostila:

É o primeiro dia de folga desde que aqui cheguei. Na impossibilidade de estar com a linda e jovem turca que me tem acompanhado nas mais doces e arriscadas missões clandestinas, aqui na cidade de Cabul, optei por atacar o meu aborrecimento, caminhando até ao mercado.  E por ficar filosofando sentado numa mesa de esplanada. Até que me apercebi que alcançara os limites de tempo e espaço para ali poder em segurança.










quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Crónicas Secretas do Afeganistão V Levanta-se uma ponta do véu






V

Levanta-se uma ponta do véu

Descobri
Aqui
Por minha conta
E risco
Nesta terra de insana cultura muçulmana
Que a parte mais sensual
Do corpo de uma mulher
É o rosto
Sobretudo se sorri
Depois do sol-posto

E que dentro do rosto são os olhos
E a forma de olhar
Depois os lábios
Mesmo antes de beijar

Com o olhar a mulher se desnuda
Quando ela quer
Perante a nossa vista
E convida a que também se dispa
Quem a vê
Sem necessidade de se esconder

Depois com os lábios sopra os desejos
Que lhe interessa atear
Que são difíceis de apagar

Levantou para mim
Só uma ponta do véu
E eu
Subi ao céu

Não vi um diabo
Vi um anjo endiabrado
Que para mim tocava
Violino e banjo

Corri o risco de ali mesmo
Me imolar
E ao inferno na terra
Ir parar


Afeganistão, Ponto GPS Vénus, 30082005
Daniel Rio Livre
(Repórter de guerra imaginário)



Apostila:
De novo em Cabul, de volta às entusiasmantes operações clandestinas. Disfarçado de mulher muçulmana com uma burca confortável e na companhia da fantástica agente turca, desloquei-me, quando já o Sol se recolhia no horizonte, a uma casa agradável situada num bairro arejado e moderno da cidade. Para um encontro com uma associação clandestina de mulheres que lutam, heroicamente, pelos seus direitos. Acabámos por ali pernoitar em segredo. Mas a nota mais estonteante registei-a quando a anfitriã, depois de me olhar por entre o quadriculado que lhe encobria o rosto, levantou uma ponta do véu, para que eu a visse. 
Interessante como nas culturas de raiz muçulmana o rosto da mulher muçulmana se resguarda, para não ser partilhado e porque poderá ser fautor de tentação, enquanto nas culturas de raiz cristã se destapa para que seja apreciado e a face de um anjo se afirme. Acabei por passar a noite em permanente sobressalto, sempre de arma aperrada ao alcance da mão.