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segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Esta saudade cadela


(Do meu baú de recordações)

Esta saudade cadela
me morde
e me ladra
a toda a hora
furiosa
e não me deixa dormir

Em vão tento amansá-la
imaginando a minha amada
saudosa
a sorrir
amorosa
escrevendo o aerograma
que agora tenho na mão
em que me diz
que me ama

Aerograma que leio
e releio
mas mais me enleio
nesta cruel nostalgia
nesta saudade
insidiosa
cadela
que ladra à lua

Só mesmo a poesia
dá conta dela!


Nangololo (Norte de Moçambique), Agosto de 1971

Henrique Pedro

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Os mais belos poemas de amor são escritos por quem não está verdadeiramente apaixonado


Muitos poemas de amor

quiçá os mais belos

são textos singelos

escritos por quem não está verdadeiramente apaixonado

 

Por quem

em rigor

a si mesmo se engana

ou por certo algum dia se enganou

 

Há mesmo quem escreva sem saber que o diz

ou faz

julgando ser feliz

embora não sendo falaz

 

Há quem viva na ilusão

no desejo frustrado

na esperança sem ensejo

na eterna aspiração

quiçá na simples fantasia

melhor dizendo

não desfazendo

na mais pura poesia

 

Esta a razão principal

pela qual

há tanto poeta a fingir

para fugir

ou se esconder

a escrever sem saber

fantasiosa poesia amorosa

imaginárias dores cor de rosa

 

Quem ama de verdade

vive com tal intensidade o seu enamoramento

que não tem arte nem tempo

para escrever e dar publicidade

a tal encantamento

 

Não é, portanto, de espantar

que os mais belos poemas de amor sejam escritos

por quem não está verdadeiramente apaixonado

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 21 de Setembro de 2010

Henrique António Pedro

 

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Oração fúnebre para um amigo



Adeus
amigo

Acabas de te despedir
não de morrer
enquanto a nós
nos for dado viver

Continuaremos a contar contigo
para o resto dos nossos dias

E se mais devir houver
lá nos encontraremos

Num cataclismo cósmico qualquer
no pó de uma estrela
no pé de uma planta
na pétala de uma flor
no verso de um poema
no halo do amor
na aura da saudade
na angústia de um dilema
na dor que nos quebranta

onde a amizade esteja

Adeus
amigo

Até sempre

Até qualquer dia
noutro plano
noutro tempo


No vento que seja

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Para onde quer que vás Luís Vaz…



O imortal poeta da gesta da lusa gente

morreu na miséria

indigente

Dele me lembrei quando também passei

pela Ilha de Moçambique

a mítica ilha do mar Índico onde Luís Vaz

“o Camões”

penou de verdade
de mão estendida à caridade

no regresso do Oriente

expoente de mil desilusões


Ali havia uma estátua de bronze
erigida num recanto sem encanto

que servia de pouso a pássaros

que lhe defecavam na cabeça

embora melhor sorte mereça

Não sei se ainda lá estará
se agora já não jazerá

nalgum monturo de inutilidades

nalgum armazém de banalidades
ou ornamentará o lar dalgum nativo

mais imaginativo

que nele pressentiu a magia

e o perfume

da poesia

 
Foi lá
e então
que me ocorreu este poema
embora só agora o dê a lume
porque hoje em dia

na minha desilusão ardem

sentimentos frustrantes

de ser português

e também e talvez por também eu pertencer

aos Vaz de Vilar de Nantes onde o poeta nasceu

 

Luís Vaz foi um inútil até deixar de o ser

quando a genialidade da sua poesia
gerou ventos e marés
e construiu autoestradas de sonho

por cima do mar medonho

Foi um verdadeiro indigente
mais mal pago que um qualquer operário

que com mais acerto, por certo

lavrava a terra ou caiava paredes

 

Foi um sem-abrigo

um semi-anjo
um quasi-deus

um apátrida
um extraterrestre sem interesse
a quem o soldo não bastou

para regressar à Pátria que o enjeitou

Poeta e soldado o foi onde houve verdade

sonho, amor, mistério e poesia

que um dia ergueram um Império de Humanidade

hoje em dia sem utilidade

tanto quanto sei

 

Para onde quer que vás, ou te levem, Luís Vaz…

irmão

amigo

eu lá estarei!

Contigo!


Vale de Salgueiro, quinta-feira, 30 de Setembro de 2010

Henrique António Pedro

 

 

 

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Deixem que o amor e a água corram livremente



Deixem que a água corra livremente
Nos rios, nos ares, nos lagos e nos mares
Que se mantenha pura nos gelos polares
Animando a vida e o ambiente

E deixem que o amor esteja presente
Em todos os poemas, danças e cantares
Nas empresas, nos estádios e nos lares
Na expressão de toda a gente que o sente

De água pura se faz sangue e vinho
É sagrada em toda a religião
Elo fundamental do ritual divino

Com puro amor se tempera a paixão
Se concebe e cria o meigo menino
Só com amor se alcança a Salvação


terça-feira, 17 de setembro de 2013

Quando o coração bate à porta da alma





Este persistente bater
do coração
à porta da alma
que só se irá abrir
quando o coração morrer
é puro pungir

Ou talvez não

Talvez a alma se abra
mesmo antes do coração morrer
se por força do seu bater
com amor
se acordar a razão
e o espírito despertar

Quando o coração bate
à porta da alma
com fervor
sem a alma atender

melhor será deixá-lo bater

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

O cálice da paixão



Tem o travo de pecado
a doçura do mel
a amargura do fel
o vinho da paixão

E bebe-se até à última gota
com sofreguidão
pela taça da tentação

Embriaga
tolda a razão
até que se esgota
e acaba

E mais sóbrio se fica de ressaca
prostrado
sofrido
desiludido
desenganado

Pai!

Afastai de mim este cálice!

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Pede-me que lhe escreva um poema de amor



Ela sabe bem que o poeta fantasia

ainda que sempre o faça por amor

e não para enganar ninguém

 

Embora só a si próprio se iluda

com o ilusório solilóquio

com que alivia

sua dor

 

Pede-me ainda assim que lhe escreva um poema cor-de-rosa

sem imaginar como me perturba

tal o dilema

em que me mete

 

Não porque me não dê sedutoras mesuras e motes

estrofes e rimas

tantos são os seus atributos

tão fortes os seus dotes

tão ousados os seus decotes

ou não fora ela toda feita de poesia

e de prosa

 

Vaidosa

pede-me ainda assim que lhe escreva um poema

cor-de-rosa

 

Um poema de amor que a faça sonhar

sem imaginar

como me compromete

 

Não!

Poemas de amor não tenho devolutos

 

Que se contente com este poema de verdade

que de amor não deixa de ser

embora de um género mais “soft”

a que se chama amizade!

 

Vale de Salgueiro, domingo, 8 de Agosto de 2010

Henrique António Pedro

 

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A mulher não é flor que se cheire




A mulher não é teta
nem ventre
nem vagina
nem coxa
nem bunda
ou flor que se cheira

Tudo isso é treta

A mulher é mãe
esposa
filha
tia
irmã
avó
amiga
amante

Ou só cidadã
casada ou solteira

Sem ela
o homem
nem sequer seria

A mulher é amor
é tristeza e dor
alegria e pena
sonho 
poesia
Virgem Maria

O Homem-Deus sem Ela
não existiria

Sem a mulher
o amor 
se acontecesse
não teria sabor
e seria
pela certa
monocolor


in Mulheres de Amor Inventadas (1.ª Edição, Outubro de 2013)

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Ápex






Passo horas assim

Quieto

Bem desperto


Em decúbito dorsal

fitando o tecto

do Firmamento

 

A brisa suave que me afaga por fora

transforma-se em vento

por dentro

 

Mesmo com o céu encoberto

embrenho-me em recordações

em dilações do tempo

dou volta ao mundo

 

Suspendo a vida

 

Uma estrela cadente

perdida

passa célere

ante meus olhos

 

Num ápice

mergulho no ápex

arrastando comigo todo o Sistema Solar

 

Até que ouço alguém chamar

a dizer-me que são horas de dormir

a pedir-me para voltar

antes que me perca

 

Mas eu já não estou ali

nem lá

nem além

nem aqui

nem cá

 

Estou inteiro dentro de mim

onde também cabe o Cosmos

 

É de lá que vejo

sinto

e ouço

o mundo que me cerca

 

in “Introdução à Eternidade”

Copyright © Henrique Pedro (prosaYpoesia)

1.ª Edição, Outubro de 2013


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Dizem que o poeta é demente





Imagem: Fernando Pessoa

Dizem que o poeta é demente
Que não vive neste mundo real
Que, qual esfinge, finge e mente
Que não passa dum louco, afinal

O poeta é um ser anormal
Bem diferente do resto da gente
Embora distinga o bem do mal
É um ser sem maldade, inocente

O poeta pugna pela verdade
Sem obedecer a nenhum poder
Tão-somente serve a liberdade

O poeta louva quem merecer
A si basta a imortalidade
E consolar a quem sente sofrer

Vale de Salgueiro, segunda-feira, 13 de Setembro de 2010
Henrique António Pedro

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Paixão platónica



Trago o meu pobre coração a arder
É tão triste a minha condição
E tão abrasadora a paixão
Que o desfecho não posso prever

A essa mulher não passo sem ver
Embora forçado pela Razão
A conter-me e a dizer que não
Senão, tudo deitarei a perder

Mas ela, com sorrisos e perfume
Com seu doce jeito de me olhar
Mais não faz que atear mais o lume

Apaixonado, já não sei parar
Como sair deste amor incólume

Sem queixume, sem dor, sem me queimar

terça-feira, 13 de agosto de 2013

A feia bonita Beatriz



Uma feia bonita
mulher ultriz
é raiz
deste poema
contrito lamento
feérico fonema

Suspeitava que Beatriz me amava
mas eu não sabia
o que comigo se passava

Tonto
disse-lhe que a achava feia

Era só meia verdade
a outra meia
era que muito a estimava

Mas a ultriz Beatriz
de pronto
me fez a vontade

Nunca mais me olhou
nem me procurou
e o meu coração mergulhou

na mais cruel ansiedade

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Uma puta qualquer



Habituei-me a vê-la, por ali
com ar convidativo, descarada
no seu “trotoir” chamativo
de carteira a cirandar na mão
debaixo de um pinheiro manso
mesmo à beira da estrada
no frondoso parque de Monsanto
sabe-se lá em que esconso remanso
guardava ela o seu coração

Era jovem, elegante e vistosa
vestia  minissaia cor-de-rosa
blusa transparente cor de salmão
não era uma puta qualquer
era sim, mais uma mulher

Eu passava a correr, ofegante 
nos meus “footings” matinais
mas não lhe falava
nem ela comigo se importava
mais atenta que estava à estrada
de onde vinha o seu ganha-pão

Mas um dia … nunca mais a vi!

Qual não foi o meu espanto
quando soube pelos jornais
que fora encontrada assassinada, por ali
em pleno parque de Monsanto

Comprei uma rosa, com espinhos
da cor da sua minissaia
e quando por lá voltei a passar
pelos habituais caminhos
do meu “footing” matinal
desta vez parei, para lhe falar
como se o fizesse do habitual
para colocar a flor
com respeitoso amor
sobre um tufo espontâneo de feno
e coloridos malmequeres

Dediquei-lhe uma breve e sentida oração
e não resistindo ao impulso blasfemo
que me saiu, directo, do coração
gritei para comigo, entristecido:
- É bem “puta” a vida, para certas mulheres!


in "Mulheres de Amor Inventadas" (Henrique Pedro-2013)