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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Telurgia

 


Raras nuvens róseas assinalam o ocaso no céu cerúleo

ainda mal o Sol se esconde no horizonte


A brisa fresca perfuma-me por dentro com o aroma das tílias floridas


Trago as mãos calejadas

odoradas do alecrim que ladeia o caminho
e o espírito ustulado de soledade

Não encontro espaço no Cosmos que me contenha

mas sinto que o Universo cabe inteiro dentro de mim

 

Este iluminado telurismo que me anima

é a força cósmica que me gerou

e cria 

 

Extravaso-me numa ejaculação de alegria

que é uma encantada poética liturgia

uma genuína “telurgia”

uma jaculatória de poesia


Oro na quietude do fim do dia  

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 16 de Junho de 2010

Henrique António Pedro

 

 

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Talvez…


Talvez minha mãe

quando eu ainda era menino

me tenha estreitado com ternura demais, em seu seio

de coração apertado pelo maternal receio

e bafejado com o seu virginal afecto

e carinho

 

Talvez…

 

Talvez meu pai

tenha levado longe demais, em mim

o ideal da verdade

liberdade

aventura

e altivez

 

Talvez…

 

Talvez o meu povo, simples e probo

me tenha marcado de forma especial

com a sua generosidade ancestral

a sua simplicidade

rusticidade

e honradez

 

Talvez…

 

Talvez a minha amada Terra Quente Transmontana

me tenha moldado em seu ventre

com o calor do Verão destemperado

o frio do Inverno desmedido

e o seu raro Firmamento de religiosidade iluminado

eterna promessa de Parúsia, hossana!

que em cada Primavera se espera

 

Talvez…

 

Talvez Cristo Jesus e a sua Cruz

tenham tocado demasiado fundo o meu coração

e transformado para sempre a minha vida

numa permanente oração

 

Talvez…

 

Talvez a minha Pátria, Portugal

me tenha desiludido

e traído o Império Místico da Irmandade Universal

a razão de ser português

 

Talvez…

 

Talvez por tudo isso eu me sinta agora e aqui

deprimido

angustiado

de coração agitado

confrontado comigo

com os meus

com Deus

os céus

as misérias do mundo imundo

e o fracasso da Civilização

 

Talvez…

 

 

Vale de Salgueiro, domingo, 27 de Julho de 2008

Henrique António Pedro

 

 

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Trópicos

 


Nas terras a norte do trópico de Câncer

Como nas terras a sul do trópico de Capricórnio

Em que as quatro estações do ano são bem claras e demarcadas

Quando a Primavera explode em luz, cor e som

Plantas, animais e humanos, transpiram sexualidade por todo o lado

Por cada poro, de todo o jeito e trejeito

No palpitar amoroso de cada aurícula e ventrículo

 

São as borboletas que voam leves, levadas pela brisa do amor

As aves que que abertamente entoam gorjeios de sedução

As abelhas que poisam de flor em flor

(Oh, sublime tentação!)

E acabam mesmo por engravidar as flores

Como mais tarde se verá pelo Outono

Quando as romãs sorrirem despudoradas

E os ouriços arreganharem os dentes aculeados

Para com dor se libertarem das crias, castanhas

 

Entre os trópicos, na chamada Zona Equatorial

Úbere da mais exuberante biodiversidade

Ali onde o Equador marca a linha de maior gravidez da Terra Mãe

Num sufoco de calor, humidade e sexo aberto

Tudo está permanente prenhe de cio, em sexo emergente

Por isso o amor não é aí tão passionalmente ardente

 

Mas…

Para lá do trópico de Capricórnio e para cá do trópico de Câncer

Nas terras em que há Primavera

E se metem o Verão, o Outono e o Inverno de permeio

O amor é mais passional e impetuoso

E talvez por isso mais dissimulado e decoroso

Apenas explícito na estação própria para o namoro e o galanteio

 

Os campos revestem-se, de propósito

De tapetes verdes, maculados de flores

Perfuma-se o ambiente de aromas afrodisíacos

Os riachos murmuram cascatas de deleite

E os adolescentes correm soltos, de mãos dadas

Leves e livres na primavera da puberdade

 

E poderá mesmo acontecer, então, o primeiro beijo

E, quem sabe?

O grito agridoce da perda de virgindade

Que é clamor de prazer e dor, independência e liberdade

 

É também pela Primavera

Nas terras para cá e para lá dos trópicos

Que milhares de borboletas e mariposas

Que hibernaram durante o longo Inverno

E toda a classe de ventos e pólenes

Lançam maior quantidade de feromonas no ar

E nos leitos dos casais

Mil apelos de acasalamento dentro e fora do matrimónio

Embora os filhos apareçam por todos os meses zodiacais

Já não fruto do sonho ou da paixão

Mas obras do acaso e da ambição

 

E assim é, até que no inverno da vida

A arte de amar se envolve em lençóis mais espirituais

 

E assim rodam Terra, animais, plantas e humanos

Todos em torno do Sol

Tudo movido por uma força maior:

- O Amor

 

 

Vale de Salgueiro, 7 de Outubro de 2007

Henrique António Pedro

 

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Porque nos sentimos estranhos quando amamos!?


Noto no seu olhar um ar de espanto

sempre que a olho

embevecido

 

Como a perguntar-me em silêncio

porque a miro

assim tão enternecido

 

Também a mim me interrogo

desde logo

sobre a razão de ser

deste meu quebranto

 

Será que também ela assim me mira

e se admira

do que sente por mim?

 

Sim. O amor é isso. É assim!

 

É um lampejo de verdade

uma fugaz eternidade

em que nos sentimos encantados

fascinados

 

Um deslumbramento

um confuso pensamento

em que a nossa alma fica presa

muda

fascinada

sem que lhe ocorra dizer nada

apenas ficar calada

pasmada

 

De mão dada

 

Um olhar de amar sem nada ver

ou ouvir

apenas a sentir

o coração bater

 

Esta a razão pela qual nos sentimos estranhos

quando amamos

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 14 de Abril de 2009

Henrique António Pedro

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Pólen

(Imagem: Google images)

Agora que o Inverno está a findar

resta-me aguardar ansioso

o eclodir da Primavera

para de novo ver flores a florir

iluminadas pelos raios do Sol radioso

 

Para também eu poder espalhar novos poemas pelo ar

deixar que se transformem em grãos de pólen

se diluam nas gotas do orvalho matinal

e que levados pela brisa primaveril

nos bicos das aves e nas patas das abelhas

penetrem o gineceu virginal da Natureza

para a engravidar de flores

e de amores

 

E ouvir raparigas abençoadas

a cantar cantigas de amor

qual esbeltas espigas

em searas doiradas

 

Quando o mês de Abril florir

a Primavera de novo ganhará a cor

a luz

o som

o sabor do amor juvenil

o calor e a alegria

da minha própria poesia

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 12 de Fevereiro de 2010

Henrique António Pedro

 

sábado, 27 de janeiro de 2024

Qual é o teu TOC?!

 


Entre outros quiçá mais relevantes

descobri que tenho o TOC

que nada de mal acomete

de procurar TOC`s nos "post`s" que leio

nas páginas de fantasia que hoje em dia

proliferam na Internet

e nas quais me enleio

 

Atenção que quando escrevo TOC

não me refiro ao toque onomatopaico

do arcaico Guerra Junqueiro

poeta inteiro

que era duma terra perto da minha

quando escreveu genialmente

“A Moleirinha” bem conhecida de toda a gente:

 

«Pela estrada fora, toque, toque, toque
Guia o jumentinho uma velhinha errante
Como vão ligeiros, ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toque, toque, toque
A velhinha atrás, o jumentinho adiante!...»

 

Muito menos ao toque-toque do teclado

quando siderado escuto o bater das teclas

nos distantes Brasil

Austrália

China

ou na diletante Conchinchina

que com emoção chega até mim

 

Esses toques são outros tantos TOC`s

 

Refiro-me antes ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo

que poderá ser bem mais agressivo

tomar a forma do insulto permanente

da perseguição sistemática

da obscenidade maníaca

 

Ou até ao TOC ridículo

que leva o poeta a coçar o testículo

à frente de toda a gente

 

De nada disto eu me queixo

mas aqui deixo sem remoque

o seguinte apelo

 

Descobre o teu TOC

trata-te

sê feliz e deixa os outros também sê-lo

sem o selo da descriminação

 

Tem o povo razão quando diz:

«De poeta e de louco todos temos um pouco»

 

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 25 de Agosto de 2010

Henrique António Pedro

 

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Um poema impertinente



Eram precisamente seis horas e trinta e tantos diminutos

minutos

quando este poema nasceu

 

Eu dormia profundamente por mor do Outono

que agora está a começar

e traz com ele o abaixamento da temperatura

e a diminuição da luminosidade matinal

quando senti que uma cria de poesia

me puxava a roupa do espírito

repetidamente

mesmo depois que me acordou

 

Não tive outro remédio senão levantar-me

e servir-lhe o pequeno-almoço

para alimentar o animal

muito embora ainda fosse de madrugada

 

Mas de que trata este poema, afinal?

 

Sei lá!

Um poema tem que tratar de alguma coisa?

Não poderá ser só poema, sem nada mais?

 

Ademais poderá ser fruto de uma insónia

de um mal dormir…

 

Eu dormia profundamente

ferrado no sono

sem sonho subjacente

quando fui acordado

 

Diria que este poema impertinente que hoje me acordou

é fruta da época

filho do Outono

fruto da árvore da poesia

que viceja no jardim da fantasia

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 30 de Setembro de 2010

Henrique António Pedro

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Servem-se mitos ao pequeno-almoço, ao almoço e ao jantar

 


É de gritos e de apitos

o sinistro regime político vigente

que usa e abusa da comunicação social

e governa Portugal

como se o povo fosse demente

 

Serve mitos ao pequeno-almoço

ao almoço e ao jantar

mentiras fresquinhas

acabadinhas de cozinhar

 

Requentadas

bem passadas

mal ou bem acompanhadas

embaladas em papel de jornal

cozinhadas de mil formas

em panelas doiradas

iluminadas em redomas de cristal

e nas mais belas telenovelas

 

Estrelas do desporto e do cinema

da arte e da finança

da cagança

da política

ciência sinistra

e da televisão

outro mundo cão

que só causam sensação

pela explícita obscenidade

 

Alguns mitos até se engolem com facilidade

porque de tão tolos nos divertem

mas a maior parte dos pirolitos da política

e do “jet set”

não se conseguem tragar

vão direitinhos para a retrete

 

Com mitos se alimenta a desumanidade

 

Só com amor e verdade

se ergue uma nova portugalidade

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 21 de Outubro de 2008

Henrique António Pedro

 

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

A poesia é o que é e os poetas são o que são



É a mais elástica
plástica
moldável
amorosa
amorável

álacre  arte que se conhece

a poesia


Forma-se e deforma-se em mil formas de amor

de dor e de alegria

em apostemas de todo o saber e sabor

Dá para tudo!

Para todos os santos  e diabos
almas simples
espíritos iluminados
para o bem e para o mal
a todos serve  por igual

Com rima ou sem rima
tem gente que a adora
e a estima
e gente que a odeia
a abomina

Gente que a toma a sério
e gente que dela se ri

Gente crente
e descrente
agnósticos
ateus
gregos e arameus

Presta-se a cantar
declamar
ler
sofrer
amar
odiar
insultar
enaltecer
glorificar

irritar

serenar
ou tudo deitar a perder

Existe em tudo
e por todo o lado
em todo o tempo
faça chuva, neve, sol
ou vento

seja duro

ou seja mole

Na virtude
no vício
na vida
na morte
no deserto quente
no gelado

no desterro

encoraja e causa medo

No céu
na terra
no mar e no ar

Na pena do erudito
no linguarejar do analfabeto
no espaço fechado
no campo aberto
no homem livre e no proscrito

na estética e na moral
nos dias de hoje
e de ontem
na data pretérita

no presente

do indicativo
e no futuro condicional

A poesia está por toda a parte
é omnipresente
por isso também se diz
que os poetas são anjos
e a poesia é divina

Nada disso

A maior parte são sim
grandes marmanjos
e a poesia que escrevem

desatina

Mas eu diria

que a poesia
não é nada disso
e os poetas não são ninguém
mesmo se nada devem


Diria que a poesia é fantasia
e os poetas são a poesia que fazem

e desfazem
em seu viver

de amar e sofrer
mesmo se a não escrevem


Eu diria que a poesia
não é nada disso

e é muito mais

E que os poetas não são nada

nem ninguém

Diria que a poesia
é o que é
e os poetas
são o que são


Vale de Salgueiro, quarta-feira, 27 de Outubro de 2010

Henrique António Pedro


 

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Bati à porta do esquecimento


 

Bati à porta do esquecimento

Ninguém me respondeu de dentro

 

Nem o menor sentimento de saudade

O mais inócuo desejo de vingança sequer

O mais ténue lamento

Alguma ideia de pertença

A simples exigência de verdade

Um sopro de vento de indiferença

Que fosse

 

Sim

Esqueci

 

Já ali não mora a lembrança

Não me anima mais a esperança

 

Já me não atrai o efémero

A fama

A glória

Os prazeres da cama

A vertigem da História

 

Embora me não lembre de ter perdido a memória

 

Perdi Ciência

Ganhei Consciência

  

Vale de Salgueiro, 6 de Abril de 2008

Henrique António Pedro

 

in Angústia, Razão e Nada (Editora Temas Originais- Setembro 2009)

 

imagem: Google imagens