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domingo, 10 de março de 2024

Eu, se minto sinto o que minto, falo verdade


Que importa se é dor

ou amor

o que sinto

se sendo poeta

sou um impostor

sem maldade

 

Tal como Pessoa

eu que sou um poeta menor

e de menor idade

se minto sinto o que minto

em meu versejar falo verdade

 

É outra forma de dizer

que sou um fingidor

 

Eu

um ser utópico

sem tempo ou lugar

ucrónico

inorgânico

anacrónico

 

Eu

um ser abstracto

dinâmico

que pinta o seu retrato em liberdade

à luz do dia

no espelho parabólico

metafórico

da poesia

 

Eu

quando minto

sinto o que minto

falo verdade

 

Vale de Salgueiro, domingo, 28 de Fevereiro de 2010

Henrique António Pedro


sexta-feira, 8 de março de 2024

AMAR SÓ DE NOS VERMOS SEM NOS OLHARMOS


Gosto de a encontrar

de por ela passar

de a ver sem olhar sequer

e sem lhe falar

 

Gosto de ver que também ela me vê

mas que não me olha

que sorri para dentro de si

fingindo não me conhecer

 

Vemo-nos sem nos olhar olhos nos olhos

em simultâneo

mutuamente

 

A mim muito me apraz assim amar

fingir que a não vejo

quando mais a desejo

 

Percebo

que também ela fica contente

por me ver

sem, contudo, me olhar

 

Que fica em paz

como eu

certamente

só por me encontrar

 

Feliz por me ver

sem me olhar

também a ela apraz

esta forma de amar

certamente

 

Perspicaz

ela nada me diz

e eu por castigo

nada lhe digo

Obviamente


Henrique António Pedro ( 2010)

 


quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Pura amizade

 


Combinámos deitarmo-nos juntos
despidos
sem ter em mente outros assuntos
apenas para a nós mesmos provar

desinibidos
que nada de mal iria acontecer

E não aconteceu?

Bem!
Aconteceu o que tinha que acontecer
o que era inevitável que acontecesse
aquilo que a tentação ditou
e a amizade não evitou

nada que não se merecesse

Aconteceu fazermos amor por pura amizade

não por mero instinto ou desejo de prazer

 

Se assim não fora a amizade não seria amizade
seria uma enormidade
mas em nada a amizade se molestou

e no mais puro amor se transmutou


Muito embora ela ainda hoje me chame de atrevido
só porque eu estava despido

Mas eu respondo que atrevida foi ela

que estando igualmente despida
e sendo linda como uma estrela

se deitou comigo

nua

numa noite de lua

predisposta a amar

se deleitou

e me seduziu

só de a olhar

Será que valeu a pena?!

Tudo vale a pena
se a amizade não é pequena
como se viu

Foi amoroso
delicioso
como bem se quer
um jogo de verdade

como outro qualquer

Que só por amizade

se não repetiu


Lisboa, 4 de Abril de 1969

Henrique António Pedro


 

 

domingo, 25 de fevereiro de 2024

À imagem e semelhança de Deus


Se me olho ao espelho

e embora me não veja

porque sou mais que imagem

gosto do que vejo

 

Porque vejo poesia no meu olhar

e nos poemas que escrevo projecto

a infinita capacidade de amar

a irrecusável predisposição

do meu coração

para se dar

 

Gosto do que vejo

porque amo de verdade imensa gente

embora assim de repente

apenas me lembre

daqueles que amo mais

 

Gosto do que vejo

porque amo o Céu

a Terra

a Vida

a Humanidade

  

Olho-me ao espelho

e embora me não veja

gosto do vejo

 

Porque sinto no meu peito

que há verosimilhança

na ideia de que fui feito

à imagem e semelhança

de Deus!

 

 Vale de Salgueiro, sexta-feira, 19 de Novembro de 2010

 Henrique António Pedro

 

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Telurgia

 


Raras nuvens róseas assinalam o ocaso no céu cerúleo

ainda mal o Sol se esconde no horizonte


A brisa fresca perfuma-me por dentro com o aroma das tílias floridas


Trago as mãos calejadas

odoradas do alecrim que ladeia o caminho
e o espírito ustulado de soledade

Não encontro espaço no Cosmos que me contenha

mas sinto que o Universo cabe inteiro dentro de mim

 

Este iluminado telurismo que me anima

é a força cósmica que me gerou

e cria 

 

Extravaso-me numa ejaculação de alegria

que é uma encantada poética liturgia

uma genuína “telurgia”

uma jaculatória de poesia


Oro na quietude do fim do dia  

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 16 de Junho de 2010

Henrique António Pedro

 

 

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Talvez…


Talvez minha mãe

quando eu ainda era menino

me tenha estreitado com ternura demais, em seu seio

de coração apertado pelo maternal receio

e bafejado com o seu virginal afecto

e carinho

 

Talvez…

 

Talvez meu pai

tenha levado longe demais, em mim

o ideal da verdade

liberdade

aventura

e altivez

 

Talvez…

 

Talvez o meu povo, simples e probo

me tenha marcado de forma especial

com a sua generosidade ancestral

a sua simplicidade

rusticidade

e honradez

 

Talvez…

 

Talvez a minha amada Terra Quente Transmontana

me tenha moldado em seu ventre

com o calor do Verão destemperado

o frio do Inverno desmedido

e o seu raro Firmamento de religiosidade iluminado

eterna promessa de Parúsia, hossana!

que em cada Primavera se espera

 

Talvez…

 

Talvez Cristo Jesus e a sua Cruz

tenham tocado demasiado fundo o meu coração

e transformado para sempre a minha vida

numa permanente oração

 

Talvez…

 

Talvez a minha Pátria, Portugal

me tenha desiludido

e traído o Império Místico da Irmandade Universal

a razão de ser português

 

Talvez…

 

Talvez por tudo isso eu me sinta agora e aqui

deprimido

angustiado

de coração agitado

confrontado comigo

com os meus

com Deus

os céus

as misérias do mundo imundo

e o fracasso da Civilização

 

Talvez…

 

 

Vale de Salgueiro, domingo, 27 de Julho de 2008

Henrique António Pedro