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segunda-feira, 2 de abril de 2018

O cântico dos estorninhos




Em tarde de Outono
chuvoso e morno
um bando de estorninhos
negros
daninhos
canta cânticos histriónicos
pousado nos fios telefónicos
que cruzam o olival

É uma algaraviada jovial
uma sinfonia desafinada
uma balada sem tino
desmiolada

Levantam voo ao menor sinal
em torvelinho
sempre a piar
rodopiam pelo ar
e vão de abalada

Eu
pássaro sem bando
fico só
a cismar
aninhado no meu ninho
por não saber voar

in I Coletânea de Poesia 2017  da ALTM – Academia de Letras de Trás-os-Montes





terça-feira, 27 de março de 2018

As pedras de Pinetum levitam no tempo




As pedras de Pinetum levitam no tempo

 

As pedras de Pinetum levitam no tempo

apenas mudam as paredes

as pontes

as fontes

em que se concertam

os poemas que despertam

e espevitam o sentimento


Pedras alçadas em muralhas

em campos de batalhas

vias, becos e calçadas

bordejadas de mecos

e de etéreos marcos miliários

são a memória da História

 

Deslavadas pelo rio

puídas pelo vento

erguidas em ideia

areia

e cimento

são muros mudos

 

Nada dizem do futuro

próximo ou distante

falam do passado estuante

sombrio

não relatado nos anais


As pedras de Pinetum levitam no tempo

fazem eco

são sinais


Vale de Salgueiro, segunda-feira, 20 de Agosto de 2012

Henrique António Pedro




domingo, 25 de março de 2018

Mirandum Mirandela



Mirandum se foi à guerra

ficou Mirandela na terra

a carpir suas saudades

a afogar fráguas nas águas

que por entre fragas

correm, correm sem cessar

 

Qual moira encantada

mira-se ela Mirandela

nua no rio Tua

em noites de luar

à espera dalgum mirandum

que a venha desencantar

 

Mirandum se foi à guerra

à guerra do ultramar

ficou na terra Mirandela

à espera de ele voltar

 

Mirandum se foi à guerra

à guerra da emigração

mesmo livre de namorar

a nenhum mirandão Mirandela

nem por fantasia

quis seu coração dar

 

Mirandum se foi à guerra

à guerra da fantasia

ficou mirandinha Mirandela

sozinha mas desperta

à espera de algum poeta

que com sua poesia

a venha glorificar


Vale de Salgueiro, segunda-feira, 12 de Abril de 2010

Henrique António Pedro

 

 


 

quinta-feira, 15 de março de 2018

As águas do meu rio Rabaçal




As águas do meu rio Rabaçal
correm
correm
sem cessar

Vão polindo de mansinho
as duras fragas
que lhes barram o caminho

E mais aprofundam o leito
em que nunca se deitam

Como as águas do meu rio Rabaçal
que correm sem parar
assim é o dia-a-dia
da minha pura poesia

Vai fluindo sem desfalecer
polindo o meu destino
aprofundando o meu viver
por desígnio divino

As águas do meu rio Rabaçal
quando alcançam o mar
transbordam em Oceano

Eu procuro sem engano
com poemas de verdade
em mar de amor desaguar


in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)


quarta-feira, 14 de março de 2018

Crepúsculo transmontano



Crepúsculo transmontano

Por cada raio de Sol que se esvai
em cor
no horizonte
uma gota de líquido som
cai
e ecoa
na fonte

O cósmico piano
entoa
a melodia do fim do dia
a primeira estrela se acende
no céu
e a noite obscurece
com seu véu
o bíblico sertão
transmontano

E o dom da poesia
o calor do amor
enrubesce
o coração do poeta
que se liberta
em verso
e livre sonha
e voa
Universo
além

E se engrandece
no silêncio interior
também


terça-feira, 13 de março de 2018

Minha Mátria Terra Quente



Minha Mátria Terra Quente

T r á s o s M o n t e s
Terra e Povo
Pátria e Palavra

Eco vindo da origem dos tempos
sinfonia de montes
vales
e ventos

Minha Mátria Terra Quente
minha palavra ardente

Minha Mátria Terra Quente
Mirandela cidade
jóia postada no tórax de Trás-os-Montes
dependurada mundana
em colar de prata líquida
feito de Tuela e Rabaçal
vulva telúrica da imortal pátria transmontana
a escorrer em Tua de vaidade
e formosura

Mirandela cidade
provocante e bela
tronco de oliveira coroada nua
com diademas de xisto
e racimos de roseira
reflectida no espelho do Tua
e oferecida em feiras de vaidade
sob o halo da Senhora do Amparo
romaria de alegria e piedade
foguetes de lágrimas e de estalo

 in Minha Mátria Terra Quente (Ver O Verso -2005)
ilustração Dacosta