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sexta-feira, 23 de setembro de 2022

No Outono da vida

 


Nestes dias anormais

esgaravato raízes de poemas

no húmus humedecido

pelas primeiras chuvas outonais

 

Quando a Natureza de novo sorri

verdejante e florida

iludida

travestida de Primavera

quando o longo e frio Inverno

já a espera

 

Desenterro apenas dilemas

angústias e ansiedades

que exponho ao vento e à chuva

ao sol morno de Outono

 

Angústias sem razão de ser

dilemas de verdades

ansiedade sem casualidade

que o sol não estiola

a chuva não dilui

nem o vento as leva para longe

 

Sou apenas mais um eu que a si mesmo se imola

 

As aves passam indiferentes

em voos sorrateiros

procurando sementes nos terreiros

e não poemas dementes

 

E os cães ladram com desnorte

porque o frémito da minha melancolia

lhe fere os tímpanos

e lhes causa frenesia

 

Ponho-me então a imaginar como será viver

para lá da morte

sem mais sofrer

 

Delírio que arrasta consigo todos os meus afectos

para espaços mais amplos e abertos

e assim a minha angústia se dilui

e o meu espírito mais se abre e adensa

 

Comprovadamente já não serei o que era suposto ser

nem a minha alma mais se lamenta

 

Acabo por adormecer ao sol morno do outono da vida

na esperança de que serei muito mais do que tudo que sonhei

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 4 de Novembro de 2009

Henrique António Pedro

 

 


sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Grilamesa põe a mesa

 



Grilamesa põe a mesa

 

A grilamesa põe a mesa

ajudada pelo rei galo

e pela galinha rainha

 

O perú mestre-de-cerimónias

de cara deslavada

depenado

ar circunspecto

e semblante cadavérico

desfolha o portefólio

iluminado por velas esteáricas

 

Estuda os passos do compasso

do velório quimérico

que vela o presunto do porco defunto

 

Pesado é o clima emocional

mais próprio dum funeral

 

No ar o cheiro a cera queimada

populares cantam e tocam harmónicas

 

Quem morreu afinal?!

 

Ninguém

 

Mas gostou?!

 

Nem sei

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 23 de Dezembro de 2009

Henrique António Pedro


quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Joaninha voa voa leva as cartas a Lisboa

 


Joaninha voa voa leva as cartas a Lisboa


A banda a cavalo ensaia o hino nacional

a guarda de honra marca passo

faz que anda mas não anda

drapeja a bandeira

no mastro da asneira

estrelejam foguetes de estalo

 no céu

 

Políticos corruptos

discursam astutos

feitos ursos

sem véu

 

Poetas imundos

recitam poemas abstractos

profundos

dançam a sarabanda

por esmola

comem pão com cebola

 

Joaninha voa voa leva as cartas a Lisboa

se voares bem dão-te um vintém

se voares mal dão-te um real

 

Que aconteceu afinal?!

 

Nada

 

Mas gostou?!

 

Nem sei

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 23 de Dezembro de 2009

Henrique António Pedro


sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Felizes são aqueles…

 


Felizes são aqueles…


Neste tempo de crise

Que a todos aflige

Uma chama de esperança

De bom senso e temperança

Que a todos transcende

Se acende

 

Felizes são aqueles…

que que têm luz suficiente para ver

Não tanta para se deslumbrar

 

Calor suficiente para se aquecer

Sem se queimar

 

O som certo para bem ouvir

Sem ensurdecer

 

Pão e água quanto baste para se saciar

Não em demasia para se não empanturrar

Ou afogar

 

Talvez um pouco mais para que possam dar de comer

e de beber

a quem por nada ter

nada come

e de sede poderá morrer

 

Paixão suficiente para viver

gozar de são prazer

e alegrar o coração

sem perturbar a razão

 

Justas alegrias para se animar

sem a ninguém humilhar

 

E Amor

Amor sem medida

para que sem contrapartida

amor possam partilhar

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 26 de Fevereiro de 2009

Henrique António Pedro

 

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Qual a maior dor?

 


Qual a maior dor?

Das dores interiores

Qual a maior dor?

 

Todas as dores interiores

Doem por igual

Porque todas as dores interiores

São dores

De amor

 

E todas as dores de amor

São interiores

 

Sejam de perda

De partida

De derrota

De desilusão

De paixão

De pai

De mãe

De amigo

De irmão

De saudade aberta

Sempre se sentem no coração

E melhor as sente o poeta

 

E só a poesia

As transforma

Numa triste alegria

 

Vale de Salgueiro, domingo, 17 de Outubro de 2010

Henrique António Pedro


 

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Eu não sou nada nem sou ninguém

 


Eu não sou nada nem sou ninguém

Eu

Não sou nada

Nem sou ninguém

 

Não ser nada

Nem ser ninguém

Não quer dizer que nada seja

Que seja nada

Porém

 

Eu

Não sou nada

Nem sou ninguém

Ando no mundo por ver

 Os outros andar

 

Se os outros deixarem de me ver

Não quer dizer

Que eu deixe

De andar

 

Eu não sou nada

Nem sou ninguém

Ando no mundo por sentir

 Que os outros me sentem

 

Se os outros não me sentirem

Eu não deixo de os notar

 

Eu não sou nada

Nem sou ninguém

Ando no mundo porque penso

Nos outros a pensar

 

Se os outros não pensarem

Eu não deixo de pensar

 

Eu

Não sou nada

Nem sou ninguém

Não sou outro

Sou eu

 

Sou

Simplesmente

Alguém

 

Vale de Salgueiro, 5 de Setembro de 2022

Henrique António Pedro