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segunda-feira, 23 de abril de 2018

Pedras e palavras soltas




(Ainda antes de falar palavras
lançou mão de pedras
o homem)

Oh! Que prazer que me dá
a mim
empilhar seixos e xistos
pequenos
disformes
conformes com os dedos
do tamanho da palma da mão
tão leves como o coração
ainda assim!

Atirá-los
lançá-los a esmo
sem projectos nem enredos
para um tosco montão

Ouvi-los bater uns nos outros
com rusticidade
vê-los rebolar
para posições mais estáveis
como se fora deles a opção
e não da gravidade

Sentir que o meu espírito voa
para longe dali
à medida que o montão cresce
caótico
que cada pedra é uma palavra
que ali não fica sepultada
uma ideia que se solta
salta
e voa
à procura do poema a que pertence

E que inocente prazer
é ver o merouço crescer
de diferentes perspectivas
e sem outro dilema sentir
que não seja ver
e ouvir
o que vejo e ouço

Julgo eu
que não sou entendido em Pré-história
nem desta parte
em História de Arte
nem fazer doutrina tenho em mente
que terá nascido assim
a primeira obra poética
o mais tosco poema
escrito em pedra solta
certamente

Com a mesma beleza dos seixos
que na boca de Demóstenes
por força da sua fé
floriam em palavras de poemas

E que terão a mais as pirâmides do Vale de Gizé
do que este patético amontoado de pedra
que terem sido edificadas
por milhares de artífices escravizados?

E que terá a mais a Grande Muralha da China
para lá de ser maior
ter ameias
e blocos de granito mais solidamente cimentados?

E que terão a mais a Ilíada e a Odisseia
do que esse pré-histórico tosco poema
que não seja mais versos
mais harmoniosamente rimados?

De pedras e palavras se faz poesia
se a mão que as lança
a língua que as afia
forem tocadas pela imaginação


in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)

domingo, 22 de abril de 2018

Tocam os sinos a sinais




Na minha aldeia
por genuína ideia
ao toque de finados
o povo chama de “sinais”

Sim…ais…
“sinais”
sons
doridos
sofridos
fatais

Que soam nos ouvidos
ecoam nos descampados
e se calam no coração

Dlãoooooooooo
Dlãoooooooooo

Sempre que alguém morre
seja lá quem for
ou qual for a sua condição
os sinos tocam na torre
doridos sons de dor
o toque a “sinais”

Dlimmmmmmm
Dlimmmmmmm

Dlãoooooooooo
Dlãoooooooooo

São sinais!

Sinais de fim
sinais de compaixão
sinais assim…
de…
…adeus

Sinais a Deus
que receba mais
um dos seus
lá nos céus

Dlimmmmmmm
Dlimmmmmmm

Dlãoooooooooo
Dlãoooooooooo


in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016Henrique Pedro)

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Que felicidade eu sinto, Santo Deus!



Que felicidade eu sinto, Santo Deus!

Mergulhado no seio da terra

que me viu nascer

e me fez crescer

 

Terra de onde parti

só para ter o prazer

de a ela retornar

 

Que felicidade eu sinto, Santo Deus!

Ao inalar o seu ar

a voar nas sensações do seu céu

a furar luras no quadraçal

como qualquer fera

mero animal

 

Que felicidade eu sinto, Santo Deus!

A correr que nem corso

transportando poemas no dorso

no descampado

a esponjar-me

emocionado

nas mais felizes recordações

 

O Infinito longínquo

que não cabe na vista

nem na imaginação

é aqui!

 

Aqui é o Absoluto próximo

ao alcance da mão

todo concentrado no meu coração

 

Que felicidade eu sinto, Santo Deus!

 

Tanta

que faço da minha vida

uma permanente oração

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 21 de Julho de 2010

Henrique António Pedro

in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)

 

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Horizontes de afecto



São lhanos mas dilatados
Estes horizontes que me cercam

As asas do pardal, da pomba, da andorinha
E de tantas aves de arribação
Os vencem facilmente
Para me povoar a mente
Com revoadas de lembranças
E bicadas de saudade

São horizontes doces
Próximos
Feitos de suaves colinas
De crepúsculos e alvoradas
Abençoadas pela brisa primaveril
Apenas emergindo
A sul
Mesmo ali a dois passos
Quase ao alcance da mão
A montanha azul
Em que foi martirizado Leonardo
E onde a casta Comba
Sua irmã
Continua escondida nas fragas
Ainda marcadas
Segundo as vozes do povo
Pelas ferraduras dos cavalos alfarazes
Dos seus algozes árabes

Montanha que adoro
Como se fosse o meu Monte Sinai
E eu fora Moisés
E que tantas vezes trepo
E “destrepo”
Com a mente e com os pés

Na esperança de que também um dia
Uma sarça-ardente se incendeie
Dentro de mim

In Anamnesis-1.ª Edição: Janeiro de 2016


sexta-feira, 6 de abril de 2018

O problema é que ...



O problema é que …

nem sempre soletramos a palavra paz
em paz
nem a palavra amor
com o amor que ela requer
e à palavra verdade
a interpretamos como melhor nos aprouver

O problema é que …

nem sempre amamos com o coração
quem nos ama
nem apertamos a mão
com a força devida
a quem nos estende a mão amiga
e nem sempre respondemos a quem nos chama
com a necessária prontidão

O problema é que …

apenas vemos problemas nos outros
nunca em nós
e muitas vezes nos isolamos
tentando assim vencer
a nossa própria solidão
sem darmos ouvidos a outra voz

O problema é que …

só damos quando recebemos
sem que nos apercebamos
de que
o egoísmo
é o problema


segunda-feira, 2 de abril de 2018

O cântico dos estorninhos




Em tarde de Outono
chuvoso e morno
um bando de estorninhos
negros
daninhos
canta cânticos histriónicos
pousado nos fios telefónicos
que cruzam o olival

É uma algaraviada jovial
uma sinfonia desafinada
uma balada sem tino
desmiolada

Levantam voo ao menor sinal
em torvelinho
sempre a piar
rodopiam pelo ar
e vão de abalada

Eu
pássaro sem bando
fico só
a cismar
aninhado no meu ninho
por não saber voar

in I Coletânea de Poesia 2017  da ALTM – Academia de Letras de Trás-os-Montes