(Ainda antes de falar palavras
lançou mão de pedras
o homem)
Oh! Que prazer que me dá
a mim
empilhar seixos e xistos
pequenos
disformes
conformes com os dedos
do tamanho da palma da mão
tão leves como o coração
ainda assim!
Atirá-los
lançá-los a esmo
sem projectos nem enredos
para um tosco montão
Ouvi-los bater uns nos outros
com rusticidade
vê-los rebolar
para posições mais estáveis
como se fora deles a opção
e não da gravidade
Sentir que o meu espírito voa
para longe dali
à medida que o montão cresce
caótico
que cada pedra é uma palavra
que ali não fica sepultada
uma ideia que se solta
salta
e voa
à procura do poema a que pertence
E que inocente prazer
é ver o merouço crescer
de diferentes perspectivas
e sem outro dilema sentir
que não seja ver
e ouvir
o que vejo e ouço
Julgo eu
que não sou entendido em Pré-história
nem desta parte
em História de Arte
nem fazer doutrina tenho em mente
que terá nascido assim
a primeira obra poética
o mais tosco poema
escrito em pedra solta
certamente
Com a mesma beleza dos seixos
que na boca de Demóstenes
por força da sua fé
floriam em palavras de poemas
E que terão a mais as pirâmides do Vale de Gizé
do que este patético amontoado de pedra
que terem sido edificadas
por milhares de artífices escravizados?
E que terá a mais a Grande Muralha da China
para lá de ser maior
ter ameias
e blocos de granito mais solidamente cimentados?
E que terão a mais a Ilíada e a Odisseia
do que esse pré-histórico tosco poema
que não seja mais versos
mais harmoniosamente rimados?
De pedras e palavras se faz poesia
se a mão que as lança
a língua que as afia
forem tocadas pela imaginação
in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)
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