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quinta-feira, 24 de maio de 2018

A poesia de amor nasceu nos olhos de uma mulher apaixonada





A poesia de amor
nasceu da luz da Lua
do esplendor do luar
reflectido no olhar
de alguma mulher nua
apaixonada

Quando o homem assim amado
tomado de amor e fantasia
lendo esse poema original
nos olhos da sua amada
de paixão assim tomada
e de irrealidade coberta
abriu o coração sentimental
e se fez poeta

E não tardou a aprender
a de amor sofrer

A não dizer a verdade
sem mentir
a fingir
para sua dor iludir
melhor se compreender
e consolar

Poemas de amor são lágrimas de luar


segunda-feira, 21 de maio de 2018

Espaço-Tempo-Amor-Além




Paro para pensar
anulo o movimento
anula-se o tempo
e alarga-se o meu
Eu

Rumo à Eternidade
por dentro e por fora de mim
em busca do Absoluto

A partir daqui
deste meu reduto de espaço-tempo-amor-além

Daqui
deste meu chão

Meu sítio
meu canto 
meu mundo
meu berço 
meu lar
meu ninho
minha terra
minha pátria
meu céu e meu mar
minha ampla planura
minha serra a cerrar o horizonte
minha névoa e luar
meu covil e castelo
meu casebre e palácio
meu sol de abrasar
minha lura de lebre
meu espaço com fim
minha janela aberta à Eternidade

Porta de sonho e esperança
escancarada no seio do Cosmos
na angústia e na saudade 
vidraça do futuro e da lembrança 
que tento partir à pedrada
qual criança

Daqui
deste meu sítio
onde dependuro pote e capote

Me sento e amanso
durmo e descanso
canto e rio
grito e cicio

Por entre ranger de estrelas e ladrar de cães
choro de crianças
aflições de mães
trinados de aves
toque de finados
e o silêncio
indiferente
de Deus
com que me aflijo e angustio

Daqui
deste meu chão
por este meu reduto de espaço-tempo-amor-além 
impregno o Cosmos de meus odores
e humores
minhas lágrimas e meu mijo
meu cuspo, suor e sémen
uivos de dor
canções de amor e de embalar
sussurros de presença
gritos de ausência
tédio e saudade
perfume de tília
colorido de glicínia e buganvília
ensopado de vida e angústia
por dentro e por fora do Alfa e do Ómega
de onde o espírito advém

Daqui
deste meu mundo
moldado por minhas ideias
e mãos
sonhos e sofrimentos
angústias e tormentos
assobiados por mim e pelos ventos 
que por aqui perpassam
pelas asas dos pássaros que esvoaçam
por mil raízes que minam o solo em procura de húmus
e consolo

Não para sobreviver
mas para dar frutos e alegria
porque vida e guarida
a têm garantida

Aqui e agora
por este meu reduto de espaço-tempo-amor-além
liberto da cobiça e da obrigação de ir à missa
e dizer ámen
compreendo também
a filosofia de meu avô João:
«A Salvação
uma libra gasta
outra na mão»

E espero
aqui
um dia
vir a morrer
crente de que a morte 
é um passo da vida vivida
não um golpe de má sorte

É um adeus definitivo
não o definitivo adeus

Paro para pensar
anulo o movimento
anula-se o tempo
e alarga-se o meu
Eu

Rumo à Eternidade
por dentro e por fora de mim
em busca do Absoluto

A partir daqui
deste meu reduto de espaço-tempo-amor-além


in Angústia, Razão e Nada (1.ª Edição 2007)


domingo, 20 de maio de 2018

Encantamento d’alma



Encantamento d’alma

Este encantamento d’alma
de caminhar ao luar
noite adentro
de me firmar
no Firmamento

De ouvir o espírito segredar-me coisas
que o cérebro ouve
mas não entende
nem é capaz de codificar em palavras
explícitas

Coisas que não cabem neste mundo
nem mesmo no universo perceptível

Este prazer corporal
de exercitar e relaxar os músculos
caminhando
enquanto o cérebro rumina
em surdina
limitado à lógica aristotélica

Enquanto o espírito voga iluminado de alegria
pelo Cosmos sem fim
saltitando de universo
em universo

Este encantamento d’alma
é a práxis poética
pura


segunda-feira, 14 de maio de 2018

Urinando em formigueiros e tocas de grilos nos lameiros




É uma minha boa lembrança de criança malvada

mijar em formigueiros

e tocas de grilos

nos lameiros

 

Não terei sido eu o primeiro

a inventar tamanha maldade

 

Fazia até uma tremenda ginástica

para acertar,  de pé, nas tocas dos grilos

e nos carreiros  dos formigueiros

por falta de prática

 

Ainda era menino de calção

mas só desistia quando sentia

que uma formiga me picava os testículos

e uma multidão de insectos desafectos

me perseguia no carreiro

 

Então

qual poeta proscrito

aflito

proferia a palavra mais obscena do presente poema:

- Foda-se!

 e fugia

 

Foi assim que aprendi

que há uma infinidade de espaço no Universo

onde poderei urinar à vontade

um simples verso que seja

sem importunar

uma formiga por demais pequenina

que mal se veja

 

 

Vale de Salgueiro, domingo, 5 de Abril de 2009

Henrique António Pedro


sábado, 12 de maio de 2018

Transmontana Nostalgia

Transmontana Nostalgia

(Revisto)

 

In Poemas da Guerra, de Mim e de Outrem (Editora Piaget-2000)

 

Caminhei descalço no restolho afiado

Resto triste dos fugidios trigais

E nos olivais sombrios

Procurei ninhos de doirados pintassilgos

A quem fartar de painço e prisão

Em troca de uma menos triste canção

 

Senti os pés escaldar no pó fervente dos caminhos

À torreira do sol do meio dia

Que secava figos em fragas arredondadas

À hora em que nem um só pio se ouvia

E dos rostos caíam gotas de suor salgadas

 

Ouvi a passarada cantar alegre

No espaço verde da devesa

E invejei-lhe a liberdade

 

Chamei pela matilha em agudos assobios

E ouvi o latir do galgo que célebre persegue a lebre

E o estampido do tiro que pronto a fere

 

Segui o voo soturno das rolas mansas

Defronte da minha escopeta

Quando já das cerejas só restavam passas

E mãos calosas agarravam palhas ásperas

Que depois de mil martírios iriam encher o celeiro

 

Dei caminho à água fresca nos regos do milho a estalar

E senti melões e melancias a inchar de Sol e húmus

 

Cantei romances pela segada e debiquei as uvas pela vindima

 

Namorei raparigas rosadas a cantar cantigas cristalinas

Nas manhãs louçãs de Primavera

 

Apanhei amoras nos silvedos quando já o bago pintava

E nas noras metálicas se apreciava a água

 

Tornei-me ousado a trepar alcantilados rochedos

Cresci são a respirar ar puro

E adorei a beleza cristã de papoilas e malmequeres

 

 

Não temi o Inverno rigoroso

Sorvi a neve

E o meu peito foi mais forte que a geada

 

Adorei Cristo em cada mendigo andrajoso

Que no primeiro degrau da escada

Rezava humildes Pai-nossos

Enquanto minha mãe condoída

Lhe enchia de azeite a lata

 

Armei o Presépio pelo Natal

Joguei ao rapa pela Consoada

Pus máscara pelo Carnaval

E botei o pião pela Quaresma

 

Senti

Em mim

O toque das Ave-marias

Quando pelo findar do dia

O arfar quente da terra fez de mim poeta

E calado vi descer a noite no fumo diáfano da aldeia

Em visão bíblica de deserto e oásis

 

Sorvi o caldo quente com a religiosidade de meus avós

E na lareira rubra encontrei doce temperança

Para os músculos doridos

 

Um dia emigrei e não desertei

Quando ademais fui a pátria defender

Sem nas terras distantes esquecer

O meu país e os meus pais

 

Porque vivo com vida

A vida de cada ano

Sou

E sempre serei

Transmontano!

 

Nangade (Cabo Delgado-Moçambique), 6 de Outubro de 1972

Henrique António Pedro


Leia mais no link seguinte:

https://henriquepedro.blogspot.com/2018/05/transmontana-nostalgia.html

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Quando a minha sombra mais se alonga




Quando a minha sombra mais se alonga

O Sol nasce atrás de mim
lá para as bandas da serra de Bornes

À hora em que ainda durmo
inocente

O Sol poente
porém
oscila
entre o cabeço do Boi e a serra da Santa Comba

Entre as cinco da tarde no Inverno
e as nove da noite
no Verão
horas a que a minha sombra
mais se alonga

E não é por acaso mediterrâneo

É porque é à hora do ocaso
que a minha mente mais se perde
em divagações astronómicas
dilacerada entre poesia e astronomia

Hora a que a minha alma mais se sente
se angustia
e delira em arrufos místicos
espontâneos

in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)