Este conto que aqui e agora lhes conto é breve porque é
para ser lido por meninas e meninos que embora sejam ainda pequeninos de corpo têm
a alma grande, do tamanho do amor que é a coisa maior que há.
Tudo se terá passado em Vale de Rosas, pequenina, mas
formosa aldeia da Terra Quente transmontana aninhada entre olivais, vinhedos e
searas. Ou terá sido numa aldeia da Terra Fria bem aconchegada entre soutos e
lameiros verdejantes onde pastavam pachorrentos bois, ovelhas e vitelos? Não
sei.
Sei, isso sim, que aconteceu numa qualquer aldeia
transmontana, em tempos que já lá vão, embora não haja muitos anos, quando o
Inverno era mais frio do que agora e que por isso em todas as casas crepitavam
lareiras luminosas em que se aqueciam os pés, as mãos, o corpo todo, os rostos
se afogueavam de serena alegria e as mães e as avós cozinhavam ceias deliciosas
em pesadas panelas e potes de ferro.
Quando o Pai Natal ainda não tinha sido inventado
porque as chaminés eram estreitas demais para nelas caber tão balofa e anafada
figura.
O Menino Jesus,
porém, bem mais pequenino e leve, e que já havia nascido em Belém há mais de
dois mil anos, cabia em qualquer lugar, mesmo nos corações mais apertados. Dizia-se
que vinha do céu, envolto num sopro de luz e de amor, colocar prendas nos
sapatinhos que os meninos e as meninas colocassem ao pé da chaminé, antes de se
irem deitar. E que entrava de mansinho, pé ante pé, para os não acordar, não
fosse interromper algum sonho lindo que estivessem a sonhar.
Ah! Mas já havia pobres e ricos naquele tempo, muito
embora a miséria ainda fosse quase só de pão e desconforto e não composta dos males
terríveis que hoje em dia muito fazem sofrer a Humanidade.
Até havia ricos
que eram uns desgraçados e pobres que eram afortunados, quando, nos tempos que
correm, se diz que só a riqueza traz felicidade. Não era o caso da família de
Artuzinho que vivia feliz com os pais e com o avô João, depois que a avó
Rosalina falecera, apesar de não serem assim tão ricos.
Ora, em vésperas de Natal, os pais do Arturzinho recomendaram-lhe
docemente que não esperasse prendas caras do Menino Jesus porque, foi a mãe que
lhe explicou:
- Arturzinho, meu amor, olha que o Menino Jesus esgota
os melhores presentes com os meninos ricos. Ainda assim, porta-te bem que a ti também
alguma coisa te há-de tocar.
Um tanto triste, é certo, mas resignado, Arturzinho, como
todas as noites fazia antes de ir dormir, abeirou-se do avô João que dormitava
sentado no canto do escano mais próximo da lareira e tomou-lhe a mão enrugada, que
beijou com delicadeza, dizendo docemente:
-Deite-me a sua bênção, avô!
Ao que o avô, abrindo os olhos respondeu com ternura, afagando
a cabecita do menino:
- Que o Deus te abençoe querido netinho.
E foi assim que Arturzinho naquela noite de consoada,
se foi deitar na enxerga de palha do costume, conformado, enquanto o avô se
deliciava, em silêncio, com amor daquele netinho que lhe aquecia a alma ainda mais
que as chamas rubras lhe aqueciam o corpo.
Sabe-se lá
porque mágica coincidência, Arturzinho sonhou, e logo naquela noite, com o
pássaro de madeira que tinha rodinhas e batia as asas quando rodava e que vira
na festa da Nossa Senhora do Amparo, no Verão passado.
Verdade seja dita que os pais do Arturzinho também não
tardaram na cama, depois que a mãe arrumara a cozinha, terminada a ceia frugal,
que nada mais teve que o tradicional bacalhau cozido e filhós pingadas de mel.
Também eles entristecidos
por não terem nada de jeito para colocar nos socos pequeninos que Artuzinho,
mesmo assim, não deixou de colocar ao pé da lareira já enfraquecida.
O avô João, porém, que como São José fora hábil
carpinteiro e que bem se apercebera de como o neto ficara encantado com o
pássaro de madeira que batia as asas quando rodava e que vira na festa da
Senhora do Amparo no Verão passado, fingiu que dormitava e não se apercebera de
coisa nenhuma.
Só quando se assegurou
de que todos dormiam profundamente se deslocou silenciosamente à oficina em que
durante dias trabalhara às escondidas, regressando com um tosco embrulho de
papel de jornal.
Começa aqui o melhor da história!
Imaginem, se
puderem, a alegria do Arturzinho quando no dia seguinte se aproximou, ainda descalço,
da chaminé e viu sobre os tamancos de todos dias, um grande pássaro de madeira,
lindo, brilhante de verniz e matizado de mil cores.
Por momentos pensou
que ainda estava a sonhar nem se dando conta que o Menino Jesus, ou alguém por
ele, também lá deixara as peúgas de lá que a mãe andara, afadigada, a tricotar
nas horas vagas.
Mas mais encantado Arturzinho ficou quando empurrou o
pássaro pelo chão e ele começou a bater a asas freneticamente e a tocar, estridente,
a campainha.
Escusado será dizer que o Arturzinho ainda hoje acredita
que aquele pássaro fantástico foi obra do Menino Jesus, apesar dos pais, que,
entretanto, se renderam ao mito criado pelos publicitários, o tentarem
convencer que não fora o Menino Jesus mas sim o Pai Natal que o presenteara. Pai
Natal que não desceu pela chaminé, é claro, porque era gordo demais para tanto,
mas entrou pela porta que por distração ficara mal fechada.
Permitam-me que
seja eu a esclarecer o dilema: foi sim a graça do Menino Jesus embora com a
bênção do avô João que ofereceu a Arturzinho aquele mágico pássaro de madeira
que batia as asas quando rodava.
O avô João continua a dormitar à lareira, feliz embora
sem se manifestar. De vez em quando, porém, espreita pelo canto do olho não vá
alguma rodas do pássaro se desprender de tanto bater as asas e interromper a
felicidade do seu querido netinho.
(Do meu livro de contos inédito “Contos rurais
transmontanos” )

Sem comentários:
Enviar um comentário