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quinta-feira, 15 de março de 2018

As águas do meu rio Rabaçal




As águas do meu rio Rabaçal
correm
correm
sem cessar

Vão polindo de mansinho
as duras fragas
que lhes barram o caminho

E mais aprofundam o leito
em que nunca se deitam

Como as águas do meu rio Rabaçal
que correm sem parar
assim é o dia-a-dia
da minha pura poesia

Vai fluindo sem desfalecer
polindo o meu destino
aprofundando o meu viver
por desígnio divino

As águas do meu rio Rabaçal
quando alcançam o mar
transbordam em Oceano

Eu procuro sem engano
com poemas de verdade
em mar de amor desaguar


in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)


quarta-feira, 14 de março de 2018

Crepúsculo transmontano



Crepúsculo transmontano

Por cada raio de Sol que se esvai
em cor
no horizonte
uma gota de líquido som
cai
e ecoa
na fonte

O cósmico piano
entoa
a melodia do fim do dia
a primeira estrela se acende
no céu
e a noite obscurece
com seu véu
o bíblico sertão
transmontano

E o dom da poesia
o calor do amor
enrubesce
o coração do poeta
que se liberta
em verso
e livre sonha
e voa
Universo
além

E se engrandece
no silêncio interior
também


terça-feira, 13 de março de 2018

Minha Mátria Terra Quente



Minha Mátria Terra Quente

T r á s o s M o n t e s
Terra e Povo
Pátria e Palavra

Eco vindo da origem dos tempos
sinfonia de montes
vales
e ventos

Minha Mátria Terra Quente
minha palavra ardente

Minha Mátria Terra Quente
Mirandela cidade
jóia postada no tórax de Trás-os-Montes
dependurada mundana
em colar de prata líquida
feito de Tuela e Rabaçal
vulva telúrica da imortal pátria transmontana
a escorrer em Tua de vaidade
e formosura

Mirandela cidade
provocante e bela
tronco de oliveira coroada nua
com diademas de xisto
e racimos de roseira
reflectida no espelho do Tua
e oferecida em feiras de vaidade
sob o halo da Senhora do Amparo
romaria de alegria e piedade
foguetes de lágrimas e de estalo

 in Minha Mátria Terra Quente (Ver O Verso -2005)
ilustração Dacosta

domingo, 11 de março de 2018

Assobiando aos bois no bebedouro





Aprendi com Vinícius
velho criado de servir de meu avô João
a assobiar aos bois no bebedouro
quando regressavam do pasto
ao fim do dia
depois do lauto repasto
de feno
ferrã
e grão

Que prazer era vê-los beber
em manso remanso
de beiços a beijarem a película líquida
amansados pelo meu assobio
e a olharem-me de soslaio
com seus olhos cor de mel
a dizerem-me que lhes agradava a lânguida
melodia

De novo agora ensaio
sem desdouro
com os lábios em bisel
com o enlevo
e a nostalgia
de quando menino
enquanto escrevo
esta poesia
e sorrio
do meu destino
iiuuu, iiuuu, iiuuu…

in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)



quinta-feira, 8 de março de 2018

Até parece que só neste dia é que há mulheres



Até parece que só neste dia é que há mulheres

Até parece
que só neste dia é que há mulheres

Até parece que há filhos
e mães
dores
e amores
sem elas

Até parece que a História se faz sem mulheres

Até parece que a beleza
a alegria
e a poesia
existem por uma fantasia
qualquer
sem a mulher

Até parece que o poder é macho
que o mundo é masculino
e que o viveiro da vida
não é feminino

Até parece que só há mulheres neste dia convencionado
e que elas não estão
no dia-a-dia
a nosso lado

Até parece que só neste dia é que há mulheres
e que nos outros apenas há políticas, vampes e comediantes
que não há mães, irmãs, amantes

Louvemos as mulheres de toda a condição
pois então
com amor e mil poesias
hoje e todos os dias!


terça-feira, 6 de março de 2018

A destempo no tempo da eira



Gerou-se vento
a destempo
no tempo
da eira

Que levantou palha
e poeira
lhe agitou a saia de cambraia
e lhe soltou a cabeleira

Liberta-se malsão
um putativo pensamento
sem siso
nem tino
no pino do Verão

Um desejo

A ideia
de um beijo
que serpenteia
qual pulverinho
de euforia
no coração

Lança-se em correria louca
de alegria
para detrás do palheiro

Não tarda ouve-se um grito
aflito
um esgar
de aflição
de mulher desflorada
sua triste nova condição

O choro soluçado
pelo amor primeiro
que se foi embora
feito folha solta
e já não volta
mais

Um queixume prolongado
agora

Ais
de mãe solteira
a varrer a eira
rodeada da filharada
de muitos pais

in Anamnesis- 2106