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quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Porque escrevo poesia?!

 


Porque escrevo poesia?!


A esta angústia maior

que me morde a mente cada dia

responde-me a própria poesia

 

Fico um tanto mais consolado

embora não de todo aliviado

 

Há quem fume e quem beba

mas porque tal me causa tão incómoda azia

a mim dá-me para escrever poesia

 

Para calar angústias estranhas

ideias tresmalhadas

sensações entranhadas

sopro de coisas etéreas

que me desassossegam o corpo

por dentro e por fora

que nem o vento as leva embora

 

 

Para transformar medo em coragem

ódio em amor

prisão em liberdade

raiva em tranquilidade

fracasso em glória

mentira em verdade

saudade em presença

maldade em inocência

indiferença em solidariedade

vício em temperança

fome de sexo em paixão

para aliviar outros males de coração

 

E para sufragar os gritos de milhares de irmãos que sofrem e morrem sem que ninguém lhes valha

para quem a vida é um verdadeiro inferno

tudo isto me cicia a poesia neste dia

 

Como muita gente

certamente

eu escrevo poesia

para me sentir vivo e livre

e sorver o sabor de me saber eterno


E porque alguém a lê

Já se vê!

 

Vale de Salgueiro, 5 de Fevereiro de 2008

Henrique António Pedro


 

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

O poder e a glória que tenho já me bastam

 


O poder e a glória que tenho já me bastam

 

Tudo que em meu redor tem cor

som

vida

luz

beleza

me glorifica


O vento

o mar

os rios

as montanhas

a Natureza

o Sol

e a Lua

criou-as o Criador

para me louvarem em cada dia

enquanto criatura Sua


O poder de amar a quem amo

já me chega

 

A glória de ser amado por quem me ama

já me basta

 

Não quero mais

 

Dispenso a vaidade e a fama

 

Todo o meu poder e glória é poesia

o poder e a glória de amar mais e mais

em louvor ao Criador

 

Vale de Salgueiro, sábado, 15 de Maio de 2010

Henrique António Pedro

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Apenas afectos me ligam ao passado

 



Apenas afectos me ligam ao passado

 

Tudo que vivi

sofri

deixou de me doer

ou de me dar prazer

e o quanto denotam na minha memória

passou à história!

 

Não são as vitórias

as derrotas

os gozos

os prazeres

ou as dores

que me importam

 

Lembro mas esqueci!

 

São tão só os afectos vivos

que me deram vida outrora

 

Amor e amizade que agora me fazem viver de verdade

embora nesta agridoce nostalgia

que floresce em poesia

 

Não é uma saudade saudosa

é uma ansiosa espera do futuro

que me mantem enamorado

de um amor maior

nascituro

 

É a esperança que advém

desses amores que a mim me ligam ao passado

a Fé que tenho que a todos voltarei a amar

também assim

lá no Além

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Henrique António Pedro

 


domingo, 2 de outubro de 2022

Colhendo poemas de Outono directamente nas árvores

 


Colhendo poemas de Outono directamente nas árvores

 

A vantagem de viver no campo

longe da cidade
está em que sempre podemos ir ao pomar
colher poemas de Outono

directamente nas árvores

Quando não são as aves que os trazem
adejando à nossa volta
a chilrear melodias

de verdade

Ou o Sol
ou a Lua
ou as estrelas
que com os seus raios escrevem versos de luz
na nossa alma

enquanto nós

deslumbrados

nos limitamos
a ler


Ou quando pela manhã abrimos a janela
e descobrimos que não há sítio melhor para aonde ir
que nada mais temos que fazer
e apenas nos apetece escrever

É então que se abre o infinito à nossa volta
recortado em montanhas de angústia
e acabamos por não encontrar espaço para voar
só porque temos medo de não podermos regressar

 

O melhor é mesmo ir ao pomar
colher poemas de Outono

directamente nas árvores


Vale de Salgueiro, terça-feira, 7 de Abril de 2009

Henrique António Pedro


quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Sentados à lareira da saudade

 


Sentados à lareira da saudade


Vivíamos os dias

quais aves

leves

livres

felizes

a voar

em bando

 

De asas a adejar

a acenar

amando

 

E as noites pousados nos ramos das árvores

a sonhar

 

Foi assim o nosso brando viver

sem sabermos que coisa era morrer

 

Até que a vida virou debandada de aves a voar

de asas adejar

a acenar

a dizer adeus

 

Sentados agora à lareira da saudade

partilhamos o pão da amizade

o mosto da alegria

a doçura da nostalgia

 

Quem somos nós, afinal?

 

Somos o suor do rosto de nossos pais

as lágrimas da face de nossas mães

a água cristalina que canta na garganta

nas tardes cálidas verão

a chama da lareira que arde no coração

a quietude dos olivais

a virtude dos trigais

 

O milagre intemporal

desta nostalgia agridoce

que se abre na Eternidade

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 16 de Março de 2010

Henrique António Pedro


sexta-feira, 23 de setembro de 2022

No Outono da vida

 


Nestes dias anormais

esgaravato raízes de poemas

no húmus humedecido

pelas primeiras chuvas outonais

 

Quando a Natureza de novo sorri

verdejante e florida

iludida

travestida de Primavera

quando o longo e frio Inverno

já a espera

 

Desenterro apenas dilemas

angústias e ansiedades

que exponho ao vento e à chuva

ao sol morno de Outono

 

Angústias sem razão de ser

dilemas de verdades

ansiedade sem casualidade

que o sol não estiola

a chuva não dilui

nem o vento as leva para longe

 

Sou apenas mais um eu que a si mesmo se imola

 

As aves passam indiferentes

em voos sorrateiros

procurando sementes nos terreiros

e não poemas dementes

 

E os cães ladram com desnorte

porque o frémito da minha melancolia

lhe fere os tímpanos

e lhes causa frenesia

 

Ponho-me então a imaginar como será viver

para lá da morte

sem mais sofrer

 

Delírio que arrasta consigo todos os meus afectos

para espaços mais amplos e abertos

e assim a minha angústia se dilui

e o meu espírito mais se abre e adensa

 

Comprovadamente já não serei o que era suposto ser

nem a minha alma mais se lamenta

 

Acabo por adormecer ao sol morno do outono da vida

na esperança de que serei muito mais do que tudo que sonhei

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 4 de Novembro de 2009

Henrique António Pedro